Acórdão nº 98P014 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Março de 1998
Magistrado Responsável | SOUSA GUEDES |
Data da Resolução | 12 de Março de 1998 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. Em processo criminal instaurado na Relação do Porto, o assistente Dr. A deduziu acusação contra o arguido Lic. B, Juiz de Direito, imputando-lhe a autoria material de um crime de difamação cometido através de imprensa previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 180 e 183, n. 2 do Código Penal, 25 da Lei da Imprensa - Decreto-Lei n. 85-C/75, de 26 de Fevereiro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n. 181/76, de 9 de Março, Decreto-Lei n. 377/88, de 24 de Outubro, Lei n. 15/95, de 25 de Maio e Lei n. 8/96, de 14 de Março - e 54 da lei do regime da televisão - Lei n. 58/90, de 7 de Setembro. No mesmo acto deduziu igualmente pedido civil no montante de 70000000 escudos, com juros moratórios à taxa legal, a título de indemnização dos danos que lhe causou a conduta do arguido descrita na referida acusação. O Ministério Público junto da Relação não acompanhou a acusação particular, por o respectivo magistrado ter entendido "que a prova recolhida no inquérito não é suficientemente convincente para alicerçar um juízo indiciário seguro susceptível de justificar a submissão do arguido a julgamento pelo crime de difamação de que é acusado". 2. O arguido requereu a abertura da instrução e, finda esta, o Excelentíssimo Juiz-Desembargador que desempenhou as funções de juiz de instrução, nos termos do artigo 288, n. 3 do Código de Processo Penal, decidiu não pronunciar o mesmo arguido, por considerar insuficientes os indícios do crime constante da acusação, pois que os indícios recolhidos "não permitem prever com uma possibilidade razoável que o arguido venha a ser condenado pela prática do crime que lhe vem imputado". 3. Recorre agora o assistente desta decisão instrutória. Na sua motivação apresentou as seguintes conclusões: 1. - Ao ligar, na entrevista concedida à televisão, a ideia de corrupção à pessoa do assistente, o arguido teve um comportamento objectivamente ofensivo; 2. - De igual modo o arguido ofendeu a honra e consideração devidas ao assistente ao divulgar publicamente perante milhões de pessoas que havia promovido a vigilância dele por parte de agentes da Polícia Judiciária; 3. - Do mesmo modo, e ao revelar igualmente que o havia feito fora da sua competência funcional e de qualquer investigação judicial, o arguido mais não fez que levantar a suspeição sobre uma pessoa de bem, ofendendo-a; 4. - Com o aludido comportamento o arguido previu atingir, quis atingir e atingiu efectivamente a honra e a consideração do assistente; 5. - O intuito e o carácter ofensivo do comportamento do arguido encontra-se bem objectivado no teor da entrevista; 6. - É de prever que o arguido, sendo julgado, seja condenado; 7. - A decisão instrutória deveria, por isso, ter sido de pronúncia; 8. - Ao não sê-lo foi violado por erro de interpretação e aplicação o artigo 308 do Código de Processo Penal, pelo que deve ser revogado o despacho recorrido e substituído por outro que pronuncie o arguido. Nas suas respostas, o Ministério Público e o arguido defenderam a improcedência do recurso. 4. Corridos os vistos, vieram os autos à conferência para decisão. Dado que a decisão recorrida não põe em causa os factos materiais constantes da acusação, apenas divergindo desta na sua qualificação jurídico-penal, vejamos em primeiro lugar quais são aqueles factos: 1 - O requerente é um destacado dirigente do Futebol Português, sendo há mais de 16 anos presidente de um dos mais prestigiados clubes de futebol, com fortes responsabilidades no futebol nacional, o ... 2 - Por sua vez o arguido foi até ao final do ano de 1996 um destacado elemento da estrutura desportiva do futebol nacional, tendo durante vários meses desempenhado funções como Presidente do ..., competindo-lhe nessa qualidade, além do mais, nomear os árbitros que dirigiam os encontros entre as equipas de futebol da 1. Divisão Nacional. 3 - Entre o requerente e o arguido instalou-se no início da época futebolística de 1996/97 grande controvérsia e "luta" institucional em torno da questão da arbitragem. 4 - Já que ambos defendiam renhidamente posições diametralmente opostas no domínio das nomeações dos árbitros para os jogos do Campeonato Nacional da 1. Divisão Nacional. 5 - O requerente defendia o sistema de sorteio dos árbitros, que reputava de mais sério e transparente, enquanto que o participado defendia o sistema de nomeação, que reputava mais rigoroso. 6 - Desta "luta"...
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