Acórdão nº 97P675 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Janeiro de 1998

Magistrado ResponsávelOLIVEIRA GUIMARÃES
Data da Resolução27 de Janeiro de 1998
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: Perante o Colectivo do Tribunal de Círculo de Braga, responderam, em processo comum, os identificados arguidos A, B, C, D, E e F. Realizado o respectivo julgamento, saíram absolvidos os arguidos D, E e F. Mas condenados foram: O arguido A, pela prática de um crime de burla, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 217 ns. 1 e 4, 206 e 73, do Código Penal revisto, na pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de 1000 escudos o que perfaz a quantia de 150000 escudos; O arguido B: a) Pela prática de um crime de falsificação, previsto e punido pelo artigo 256 ns. 1 e 4, do Código Penal revisto na pena de 18 (dezoito) meses de prisão. b) Pela prática de um crime de burla, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 217 ns. 1 e 4, 206 e 73, do Código Penal revisto e artigo 5 da Lei n. 34/87, de 16 de Julho, na pena de 7 (sete) meses de prisão. c) Operado cúmulo jurídico destas penas, recaiu sobre o arguido a pena única de 21 (vinte e um) meses de prisão. d) Nos termos do artigo 29, da Lei n. 34/87, de 16 de Julho, foi decretada a perda de mandato do arguido como Presidente da Câmara Municipal de ... . e) A pena de 21 (vinte e um) meses de prisão, achada em decorrência do cúmulo jurídico efectivado, foi declarada suspensa pelo período de 4 anos, sob condição de, em 60 dias, o arguido demonstrar nos autos ter entregue a quantia de 1000000 escudos à Santa Casa da Misericórdia de Vila Verde. f) Na suspensão não se abrangeu a decretada perda de mandato. O arguido C, pela prática de um crime de burla, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 217 ns. 1 e 4, 206 e 73, do Código Penal revisto, na pena de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de 1000 escudos o que perfaz a quantia de 100000 escudos. A ofendida G, Companhia de Seguros, S.A. com sede na Rua ... Lisboa, deduziu pedido cível de indemnização contra os arguidos; porém, tendo sido paga a indemnização peticionada, foi a respectiva instância julgada extinta por inutilidade superveniente da lide (cfr. despacho de folha 417). Conformados se mostraram com a decisão, os condenados arguidos A e C mas o mesmo não sucedeu quanto ao arguido B que, daquela, interpôs recurso, na motivação e conclusão do qual e, em síntese, coloca em causa a matéria de facto que o Colectivo deu como provada, invocando a existência dos vícios referidos nas alíneas b) e c) do n. 2 do artigo 410, do Código de Processo Penal; Questiona, na matéria de direito, a verificação dos elementos objectivos e subjectivos essenciais dos crimes de burla e falsificação de documentos, bem como os do crime de abuso de poderes, arguindo ainda de inconstitucional, a norma do artigo 29 da Lei n. 34/87, de 16 de Julho; Discorda da fixada condição para a suspensão da execução da pena (pagamento de 1000000 escudos à Santa Casa da Misericórdia de Vila Verde, a demonstrar, em 60 dias, ter sido feito), considerando o montante estipulado como exorbitante e reclamando a sua redução (artigo 51 n. 2, do Código Penal); Impetra, enfim, a sua absolvição (total ou parcial). Contramotivou, proficiente e doutamente, a digna Procuradora da República cujo entendimento conclusivo se consubstanciou no seguinte: O tribunal apreciou devidamente a prova produzida; O acórdão recorrido encontra-se suficientemente fundamentado e o seu texto, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum, não revela a existência dos vícios invocados pelo recorrente; Os factos provados integram todos os elementos objectivos e subjectivos da prática dos crimes pelos quais o arguido foi condenado; A decisão impugnada submeteu a matéria factica provada a correcto tratamento jurídico, fazendo acertada interpretação dos preceitos penais, sendo o "quantum" da pena principal adequado e justificada a sua suspensão; Por se encontrar devidamente fundamentado, o artigo 29 da Lei n. 34/87, de 16 de Julho, não padece de inconstitucionalidade material; O montante fixado como condição de suspensão da execução da pena, apresenta-se bem calculado, equilibrado e justo, atento o circunstancialismo de facto provado; O acórdão recorrido não violou qualquer norma legal; Deve ser negado provimento ao recurso. Subidos os autos a esta alta instância, neles não divisou o ilustre Procurador Geral Adjunto razão obstativa de que prosseguissem para audiência. Realizado exame preliminar e recolhidos os legais vistos, a ela se procedeu, pois, em conformidade com o formalismo devido. Cumpre decidir. Como é sabido, o âmbito dos recursos afere-se e delimita-se pelas conclusões que os recorrentes entendam dever extrair das respectivas motivações; já consignamos as formuladas pelo ora recorrente e, por elas, também, já nos apercebemos das questões a abordar. Por outro lado, nunca é despiciendo relembrar que o Supremo Tribunal de Justiça, como tribunal de revista que é, só reexamina, em princípio, matéria de direito, podendo, contudo intrometer-se em área factológica - e até por sua iniciativa oficiosa - verificadas as hipóteses referidas no artigo 410 ns. 2 e 3, do (Código de Processo Penal (cfr. artigo 433, desta lei processual). Dito isto e por via disto, logo convirá, como ponto de partida, relançar os olhos sobre os factos dados como provados, em ordem a ajuizar se estes avalizam a decisão recorrida ou se, antes e ao invés, esta consente as criticas que lhe são endereçadas no recurso ou outras que eventualmente se justifiquem apontar-se-lhe. Vem certificada a realidade facticial seguinte: Em 5 de Março de 1993, no lugar de Vilela, freguesia de Prado, S. Miguel, concelho e Comarca de Vila Verde, decorriam os trabalhos camarários para a abertura de umas valas, com colocação de manilhas de cimento, num caminho vicinal; Cerca das 14 horas desse mesmo dia, o arguido A passou por essa obra com o seu tractor EE e ofereceu colaboração para o transporte do atrelado camarário que se encontrava carregado de manilhas; Quando se prestava a engatar manualmente o atrelado ao tractor, a cabeçalha do atrelado caiu-lhe sobre o pé direito, produzindo-lhe esmagamento de dois dedos; Volvidos alguns dias, quando já se encontrava em período de convalescença o arguido A indagou junto dos serviços jurídicos da Câmara Municipal de ... sobre a existência de um contrato de seguro camarário que cobrisse os riscos do acidente que sofrera, tendo sido informado pelo jurista Doutor H da inexistência de tal seguro, por não ser funcionário da referida autarquia; Em fins de Março, princípios de Abril de 1993, o arguido A, com perfeito conhecimento que não tinha sido contratado para efectuar o referido trabalho e que o mesmo nem era próprio das suas funções de Presidente da Junta de freguesia de..., dirigiu-se ao Vereador .... com a finalidade de obter indemnização pelo acidente que sofrera; O mesmo vereador remeteu o arguido A para o então chefe de Departamento, J que por sua vez entrou em contacto telefónico com o arguido C, por ser o representante da Companhia de Seguros G (com o qual a Câmara Municipal de ... havia celebrado vários contratos de seguro), com o propósito de o A ser incluído numa das apólices; Apesar de ter sido informado das circunstâncias do acidente em causa e da falta de qualquer vínculo laboral do sinistrado com a Câmara Municipal de ..., o arguido C acedeu a dar-lhe cobertura através da apólice n...., fornecendo instruções àquele chefe de departamento no sentido de ser elaborada uma participação como se de acidente de trabalho se tratasse, fazendo constar da mesma que o arguido A era funcionário do referido município, o que bem sabia não corresponder à verdade; Aquele chefe de departamento ordenou verbalmente ao encarregado de armazém da Câmara Municipal de ... - arguido D - que elaborasse a referida participação de acidente de trabalho; Depois de lhe ter sido comunicado o teor que deveria fazer constar da participação, o arguido D colocou algumas reservas ao preenchimento dessa participação, pois sabia não corresponder à verdade a invocada qualidade de trabalhador da Câmara do A e sugeriu que o mais correcto seria uma participação de acidente de viação; Porém insistindo na obrigação do cumprimento da ordem dada, o chefe de departamento ditou e o arguido D, num impresso modelo de participação de acidentes de trabalho fornecido pela Companhia de Seguros G, escreveu alguns dos dizeres que constam da participação a que alude a cópia de folha 33, designadamente que o arguido A sofreu o acidente "quando procedia ao transporte de materiais para obras no caminho do lugar de Vilela com o tractor agrícola David Brown GV, o reboque desengatou-se do tractor, tendo-lhe caído em cima do pé direito"; Essa participação foi depois entregue na secção de recursos humanos da Câmara Municipal de ..., afim de aí ser preenchida na parte em falta, bem como assinada e remetida à Companhia de Seguros G; Em 30 de Abril de 1993, a arguida E Pereira, funcionária da aludida secção, cumprindo ordens dadas pelo mesmo chefe de departamento (J) elaborou o ofício a que se reporta o documento de folha 6, endereçado à dita companhia, nele se fazendo constar, além do mais, que o arguido A era funcionário do quadro do município, como tractorista; Essa arguida sabia que o teor desse ofício que lhe foi mandado elaborar não correspondia à realidade; A carta e a participação foram depois presentes ao arguido B para as assinar na qualidade de Presidente da Câmara Municipal de ...; Sabendo as circunstâncias em que tinha ocorrido o acidente e que, por isso, o conteúdo desses documentos não correspondia à verdade, designadamente a indicada qualidade de funcionário do município do arguido A, o arguido B assinou a carta e a participação, os quais foram seguidamente remetidos à Companhia de Seguros G; Esta Companhia, em 9 de Setembro de 1993, devolveu o boletim de alta do arguido A, com a...

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