Acórdão nº 96A757 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 18 de Fevereiro de 1997

Magistrado ResponsávelCARDONA FERREIRA
Data da Resolução18 de Fevereiro de 1997
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I. "Dollfus-Mieg & Companhia, Lda." propôs esta acção ordinária, distribuída ao 15. Juízo Cível de Lisboa, contra "Epal - Empresa Portuguesa das Águas Livres, S.A.". Basicamente, a autora invocou danos provocados por água proveniente de rupturas nas canalizações da ré; e pediu a condenação desta a pagar-lhe 16954908 escudos e juros moratórios a partir da citação (fls. 2 e segs.). A ré, chamou, à autoria, a "Companhia de Seguros Bonança, S.A." (fls. 66), o que foi admitido (fls. 100). A chamada apresentou um articulado, aceitando o chamamento e contestando (fls. 86 e segs.). A ré requereu a sua exclusão da causa (fls. 97), o que também foi admitido (fls. 100). Mais tarde, foi proferida sentença (fls. 292 e segs.), julgando a acção parcialmente procedente e condenando a seguradora a pagar, à autora, 5209197 escudos e 20 centavos, com juros desde a citação até pagamento e, ainda, "a quantia a liquidar em execução de sentença correspondente ao custo da reposição da parede no estado em que se encontrava anteriormente ao segundo sinistro, dela se excluindo o custo do muro em betão e também os custos com a edificação da parede necessários apenas por causa da construção do muro em betão mas com o limite pedido de 2983500 escudos". A chamada apelou (fls. 314). A Relação de Lisboa proferiu o Acórdão de fls. 374 e segs., revogando a sentença e absolvendo a chamada do pedido. A autora interpôs recurso de revista para este Supremo (fls. 391). E, alegando, concluiu (fls. 402 e segs.): 1) Os dicionários ensinam que o perigo consiste no estado em que alguma coisa se receia; conjuntura ou circunstância que ameaça a existência de uma pessoa ou coisa; risco; inconveniente; e, perigoso - em que há perigo arriscado, iniciativa perigosa, negócio perigoso, que causa perigo ou pode pôr em risco; 2) O conceito de perigo ou perigoso não exigem que o dano emergente do risco que constitui o perigo seja, necessariamente, a morte ou o dano físico grave; 3) O conceito semântico de perigo envolva a noção de risco ou inconveniente para pessoas ou coisas; 4) É precisamente em risco que os bens da autora, bem como dos autores das acções que, aqui, se esgrimem, estão e estiveram de serem danificados pelos eventos cuja verificação (ou não) constitui o perigo de que se reveste a actividade de distribuição de água canalizada a um aglomerado urbano; 5) A actividade perigosa que a EPAL exerce não deriva da construção subterrânea de uma conduta de água mas, sim, da elevada pressão a que a água para abastecimento das populações passa nas referidas construções subterrâneas, sujeitando-as a cargas que podem levar ao seu súbito rebentamento; por isso, nenhuma diferença substancial existe entre condutas a céu aberto ou condutas subterrâneas; 6) É a alta pressão da água na rede de canalizações que faz que a actividade da "EPAL" envolva maiores riscos e uma possibilidade acrescida de produção de danos em terceiros; 7) Não pode, pois, deixar de considerar-se a actividade desenvolvida pela "EPAL" como uma das abrangidas pelo artigo 493 n. 2 (ter-se-à querido aludir ao Código Civil) devendo, por isso, ser objecto de medidas especiais de prevenção; 8) Exactamente porque, na grande maioria dos casos, essa prevenção especial existe e actua com a diligência necessária, não ocorrem acidentes de maiores proporções mas, mesmo assim, não pode ser ignorado o facto de que qualquer ruptura nas canalizações da rede abastecedora de água é susceptível de provocar danos sérios e de montante assinalável; 9) Ora, foi exactamente essa prevenção especial que a "EPAL" não logrou provar, não demonstrando ter empregue todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de prevenir os danos que resultaram ou poderiam resultar das 4 rupturas provadas nos autos; 10) Mas, mesmo que não se entendesse ser aplicável ao caso "sub judice" o n. 2 do artigo 493 e se defenda a tese da aplicabilidade do artigo 492 n. 1, ainda assim deve a recorrente ser "reparada" dos danos que sofreu; 11) O artigo 492 do Código Civil estabelece, para os proprietários ou possuidores de edifícios, um especial ónus na sua construção ou manutenção, obrigando estes a usarem uma especial diligência nessa mesma construção e manutenção, obrigação essa que não pode ser preenchida por meras actuações "reactoras" a acidentes; 12) A apreciação dos factos que a autora logrou provar não deixam dúvidas - 4 rupturas na mesma conduta subterrânea da EPAL, com diferenças temporais diminutas sem que, "em nenhuma delas", a EPAL tivesse o cuidado de averiguar do real estado da sua rede abastecedora, limitando-se, em qualquer um dos eventos, a abrir uma vala, substituir a secção de tubagem danificada, e a fechar a dita vala; 13) A resposta ao quesito 21, conjugada com o que ficou vertido nas respostas aos quesitos 9, 18 e 19, é suficiente para aferir da negligência da "EPAL"; se, em face do 1. sinistro, a "EPAL" tivesse efectuado uma verificação da sua rede no local, certamente teria evitado os sinistros seguintes e os consequentes danos que eles acarretaram, verificação, essa, que se impunha até porque a "EPAL" parecia conhecer a origem do problema, a movimentação de terras supostamente causada pelo reiterado estacionamento de viaturas sobre o passeio; 14) A "EPAL" teve conhecimento de que o estacionamento de viaturas sobre os terrenos onde estão instaladas as suas canalizações implica, para as mesmas, um risco acrescido, tinha conhecimento de que, na Trav. Escola Araújo, estacionavam, sobre o passeio, onde estavam as suas condutas, viaturas, por vezes até pesadas e, quando se verificou uma ruptura (o 1. sinistro), ao invés de cuidar de saber se a sua rede abastecedora, no local, reunia condições de segurança, limitou-se a destapar a secção danificada, substituí-la e a tapar o buraco; a isto, acresce outro facto que se, como foi provado pela "EPAL", o primeiro sinistro e os restantes se ficaram a dever a movimentação de terras, não será, no mínimo, estranho que essas movimentações se dessem só numa determinada secção de tubagem e não afectassem as restantes; 15) Face às informações de que dispunha e da sua reconhecida capacidade técnica, podia e devia, a "EPAL", ter agido de forma diferente; não o tendo feito, merece a reprovação ou censura do Direito; 16) Nem os factos provados nas respostas aos quesitos 25, 26 e 34 podem influir em sentido contrário, nem a justificação de que as rupturas não foram antecipadas de qualquer sinal prévio mas, sim, bruscas e instantâneas, será suficiente para afastar a culpa de "EPAL"; a verdade é que as rupturas de canalização são, sempre, bruscas e instantâneas porque a água circula nas canalizações a alta pressão, não possibilitando que ocorram pequenas fugas mas, sim, degradando rapidamente, condutas que, por qualquer razão apresentem danificações; sinal prévio é coisa que não poderia, de todo, acontecer no caso em apreço, pois a "EPAL" não teve o cuidado de verificar as condutas; 17) Se tivesse agido com a diligência de um bom "pater familias", a "EPAL" teria evitado os sinistros, pelo menos o segundo, dos quais resultaram os já descritos e provados danos para a autora, ora recorrente; 18) E, por esta razão, sempre deveria a chamada, "Companhia de Seguros Bonança", ser condenada no pedido ou, pelo menos, nos termos em que o foi na 1. instância; porque nem a ré, nem a chamada, provaram que não houve culpa da parte daquela na produção dos sinistros ou que, mesmo com a diligência devida (e não havida), se não teriam evitado os danos. Finalizando, a recorrente pede a revogação do Acórdão recorrido. A chamada à autoria contra-alegou, defendendo a subsistência desse mesmo Acórdão (fls. 418 e segs.). Foram colhidos os vistos legais (fls. 427/427v.). II. O Acórdão recorrido assentou no seguinte circunstancialismo (fls. 377): A) A autora é uma empresa que se dedica à comercialização de produtos destinados à costura doméstica e industrial, nomeadamente fios, linhas, agulhas e demais acessórios; B)...

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