Acórdão nº 97P809 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 05 de Fevereiro de 1997

Magistrado ResponsávelAUGUSTO ALVES
Data da Resolução05 de Fevereiro de 1997
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I - Pelo Tribunal Colectivo da Comarca do Sátão, sob acusação do Ministério Público, foram julgados os arguidos: A, B, com os sinais dos autos, e a final condenados como co-autores de 1 crime previsto e punido pelo artigo 36 ns. 1 alínea a), 2 e 5 alínea a) do Decreto-Lei 28/84 de 20 de Janeiro, na pena de 3 anos de prisão, cada um deles, pena esta cuja execução foi declarada suspensa por 2 anos, sob a condição de, no prazo de um ano, procederem à restituição da quantia de 7131948 escudos ao Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, que foram condenados a pagar solidariamente a tal Instituto. II - Inconformados, os arguidos deduzem recurso para este Supremo Tribunal de Justiça e, na motivação respectiva, concluem: 1. O direito penal só deve intervir quando a protecção dos bens jurídicos não possa ser alcançada por meios menos gravosos para a liberdade e ainda aqui tendo em conta os princípios da proporcionalidade, danosidade social, subsidiariedade última ratio e fragmentaridade. 2. Estes princípios são imperativos constitucionais a que o legislador tem de sujeitar-se na elaboração das leis incriminatórias, sendo ferida de inconstitucionalidade a lei penal que os violar; 3. Pelo que, é inconstitucional a lei que, em contravenção do princípio da subsidiariedade, recorre à sanção penal para reprimir ou prevenir "manifestações de danosidade social" quando poderia obter-se o mesmo fim com formas menos graves de censura e sanção; 4. No caso dos autos, as instâncias comunitárias que atribuiram o subsídio deixaram bem claro que reputam suficientes as sanções de índole civilística - reposição dos adiantamentos e não pagamento do saldo - como suficientes para a defesa dos interesses financeiros da Comunidade; 5. Nos termos do chamado "jus puniendi" negativo das comunidades, os Estados membros têm a obligatio non puniendi, sendo que esta obrigação impende sobre o legislador nacional e sobre os tribunais. 6. O juiz criminal de um Estado - membro não pode impor uma condenação penal por uma conduta que segundo o direito comunitário é passível de mera responsabilidade civil. 7. Pelo que, esta concretização do princípio da subsidaridade há-de impor-se ao aplicador do direito penal interno excluída a ilicitude penal da conduta correspondente; 8. Tal exclusão de ilicitude penal das condutas dos arguidos resulta, assim, directa e imediatamente, da projecção do direito comunitário sobre a ordem jurídica portuguesa. 9. No âmbito do direito nacional stricto sensu, também as óbvias idoneidade e suficiência das sanções civis obriga a concluir pela desnecessidade e inconstitucionalidade da incriminação dos factos como os imputados aos arguidos e isto segundo ainda o princípio da subsidaridade ou última ratio do direito penal, princípio este de expressa valência constitucional. 10. Tal princípio está na primeira linha da salvaguarda dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos e é directamente aplicável, vinculando as entidades públicas e privadas; 11. Assim, as normas incriminadoras dos artigos 36 e 37 do Decreto-Lei n. 28/84 de 20 de Janeiro, das condutas dos arguidos violam os princípios constitucionais insertos nos ns. 1 e 2 do artigo 18 da Constituição da República Portuguesa. 12. Aliás, qualquer restrição de um direito fundamental (a liberdade, por exemplo) mesmo que, em princípio legítimo, seria inconstitucional, na medida em que infringiria "os princípios da necessidade ou da exigibilidade, da adequação e da proporcionalidade". 13. Em suma, a responsabilização penal dos arguidos está, no caso dos autos, excluída por força de intransponíveis obstáculos de foro constitucional e/ou resultantes da projecção de direito comunitário sobre a ordem jurídica interna portuguesa. 14. O tribunal recorrido, ao não vislumbrar nas normas citadas do Decreto-Lei n. 28/84 qualquer inconstitucionalidade violou expressamente o disposto no artigo 18 da Constituição da República Portuguesa, sendo que, pelo contrário, tendo em conta esta norma constitucional, deveria ter decidido que os arguidos não podiam ser submetidos a julgamento, por não lhes ser aplicável qualquer sanção penal, em respeito àqueles princípios constitucionais atrás referidos. 15. Dada a factualidade assente, a conduta dos arguidos insere-se na previsão do artigo 37 daquele Decreto-Lei n. 28/84 (crime de desvio) que não da do artigo 36 do mesmo diploma (crime de fraude). 16. Assim sendo, o tribunal recorrido, ao decidir como decidiu quanto à tipificação da conduta dos arguidos, violou aquelas duas normas citadas, devendo, antes ter entendido que a conduta dos arguidos se subsumia à da norma do artigo 37 (desvio de fundo). 17. A quantia de 7131948 escudos não pode ser considerada, nas circunstâncias do caso dos autos, quantia consideravelmente elevada, para efeitos de a considerar como caso "particularmente grave" e, em consequência, o subsumir não nos ns. 1 dos artigos 36 e 3 daquele citado Decreto-Lei n. 28/84, mas antes nos ns. 6 e 3, respectivamente, daquelas citadas normas. 18. No doseamento e medida da pena aplicada não teve o tribunal recorrido em conta que o único elemento agravativo existente é o considerado elevado montante do subsídio, havendo, pelo contrário, várias atenuantes. 19. Tais atenuantes, nomeadamente o terem passado 10 anos da prática do ilícito, serem os arguidos, de 54 e 56 anos, delinquentes primários, terem tido e mantido bom comportamento antes e depois dos factos, serem pessoas de bem no seu meio e considerados honestos e trabalhadores, terem confessado os factos apurados e após estes, não terem praticado outros ilícitos e terem sido movidos pela intenção de abaterem as dívidas da sociedade, que não o proveito próprio, implicam não só a aplicação da mera pena, especialmente atenuada, que em concreto seja inferior a um ano de prisão, substituída por multa e suspensa na sua execução nos termos gerais. 20. Ao não entender assim, e ao aplicar aquela pena (de três anos de prisão), violou o tribunal recorrido o disposto nos artigos 71, 72 e 73 n. 2 do Código de Processo Penal. 21. O Estado Português não tem legitimidade para receber de volta o subsídio recebido. 22. Quem tem legitimidade para receber tal subsídio, restituído, seria a Comunidade, representada pelos seus órgãos próprios que, diga-se, nem sequer se constituíram assistentes nos autos, nem deduziram pedido de indemnização civil. 23. Tal condenação viola o disposto no próprio artigo 39 do Decreto-Lei n. 28/84, pois a restituição aí prevista é a devida à entidade que concedeu os fundos - Comunidade Europeia -. Pedem: - Se julguem inconstitucionais as normas dos artigos 36 e 37 do Decreto-Lei n. 28/84 de 20 de Janeiro; ou, se assim se não entender, - Se condenem os arguidos por 1 crime de desvio de fundos em 9 meses de prisão, substituível por multa, em qualquer caso suspensa na execução; - e se absolvam os arguidos da restituição da...

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