Acórdão nº 96P1191 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 23 de Janeiro de 1997

Magistrado ResponsávelJOSE GIRÃO
Data da Resolução23 de Janeiro de 1997
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça. A, identificado nos autos, foi julgado e condenado, com intervenção do Tribunal Colectivo, no 0Tribunal Judicial da comarca de Mangualde, como autor de um crime de burla agravada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 313 e 314, alínea c) do Código Penal de 1982, na pena de três anos de prisão, que foi declarada perdoada na sua totalidade, atento o estatuído nos artigos 13, n. 1, alínea b) da Lei n. 16/86, de 11 de Junho, 14, n. 1, alínea b) da Lei n. 23/91, de 4 de Julho e 8, n. 1, alínea d) da Lei n. 15/94, de 11 de Maio. Foi ainda condenado a pagar à ofendida B, identificada nos autos a quantia de 17000000 escudos (dezassete milhões de escudos) a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais suportados por esta. Inconformado com tal decisão, dela interpôs recurso o A para a Relação de Coimbra, tendo este Tribunal negado provimento ao recurso, e confirmado o acórdão recorrido. Inconformado ainda com tal decisão, recorreu o arguido novamente para este Supremo Tribunal, formulando na sua alegação as seguintes conclusões: Para que se possa julgar praticado um crime de burla é indispensável, entre o mais que o agente tenha intenção de obter para si ou para terceiro um enriquecimento ilegítimo. Para caracterizar esta figura terá no entanto de atender-se ao conceito civilistico do enriquecimento sem causa que tem como requisitos o enriquecimento de alguém e o empobrecimento de outrem, sem causa justificativa, devendo verificar-se o nexo de causalidade entre ambas as situações. Ora, no caso dos autos, mesmo que se entenda que houve enriquecimento do arguido e empobrecimento da queixosa, resultantes do acto que aquele praticou, não poderiam considerar-se destituídos de causa justificativa. É que, como se provou, a queixosa começou por, voluntariamente, depositar dinheiros que eram dela numa conta bancária em que instituiu o arguido como primeiro titular, em que ela ficou como segunda titular e em que instituiu a mulher do arguido como terceira titular. Também voluntariamente a queixosa determinou que essa conta só poderia ser movimentada a débito, com as assinaturas de dois dos seus titulares, sem os distinguir e sem ressalvar qualquer direito especial para si própria. Dessa maneira a queixosa atribuiu ao arguido e à mulher deste o direito de, se quisessem, poderem levantar toda e qualquer importância dessa conta, sem o acordo dela e até contra a sua vontade e, por outro lado, ela não poderia movimentar essa mesma conta sem obter o acordo do arguido ou da mulher deste. Só que, nestas condições, o facto do arguido ter transferido o dinheiro em causa, mesmo que ardilosamente, da conta bancária aberta pela queixosa em nome dos três, para uma nova conta bancária aberta só em nome dele e da mulher, não significou um empobrecimento para a queixosa, nem um enriquecimento para o arguido superiores aos que já se verificavam anteriormente. Logo, por falta destes indispensáveis requisitos, não pode considerar-se que ele cometeu o crime de burla por que foi condenado e deveria antes ter sido absolvido, como é de justiça, face a todas as circunstâncias que rodearam o acto que praticou, verificada quer antes, quer depois e que nos autos ficaram provadas. Caso porém assim se não entenda, nessa hipótese a indemnização arbitrada deverá ser significativamente diminuída no seu valor, já que claramente não tomou em conta nem os limitadíssimos direitos que a queixosa porventura ainda teria sobre os dinheiros que pôs em nome do arguido e da esposa, nem as boas relações que mantiveram antes e depois do acto praticado pelo arguido, nem atendeu ao circunstancionalismo fáctico e subjectivo que rodeou este caso. Tendo mantido a condenação do arguido como autor de um crime de burla e impondo-lhe o pagamento da pesadissima indemnização fixada, o douto acórdão recorrido fez uma incorrecta aplicação da lei aos factos, com nítida ofensa das disposições penais e indemnizatória invocada para fundamentarem as decisões já proferidas nos autos. Contra-alegou o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto, pugnando pelo improvimento do recurso. A Ilustre Procuradora-Geral Adjunta, no seu bem elaborado parecer (em folhas 319 e seguintes, pronuncia-se também pelo improvimento do recurso. É a seguinte a matéria de facto definitivamente fixada pelas instâncias. "A queixosa Gracinda...

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