Acórdão nº 047915 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 28 de Setembro de 1995

Magistrado ResponsávelSOUSA GUEDES
Data da Resolução28 de Setembro de 1995
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. O arguido A, com os sinais dos autos, foi condenado, por acórdão de 26 de Novembro de 1993 do 4. Juízo Criminal de Lisboa, como autor material de um crime de adesão a organização terrorista, agravado, previsto e punido pelo artigo 288, ns. 1 a 4 do Código Penal, na pena especialmente atenuada de 4 anos de prisão (pena que, cumulada com o remanescente da que lhe havia sido imposta no proc. n. 310/91 do T.J. do Barreiro, passou a integrar a pena única de 9 anos de prisão). O Ministério Público recorreu desta decisão para a Relação de Lisboa, em benefício do arguido, pedindo a isenção da pena, mas esse tribunal superior julgou o recurso improcedente, por acórdão de 29 de Novembro de 1994. Novo recurso do Ministério Público, agora para este Supremo Tribunal. Na sua motivação, conclui, em síntese, que: I - O arguido não só colaborou com as autoridades na descoberta da verdade como impediu a continuação da actividade da organização FP 25, revelando profundo arrependimento activo; II - Outros quatro seus companheiros das FP 25, com condutas semelhantes à sua, foram isentos da pena; III - O mesmo se impõe no caso presente, em que estão preenchidos os requisitos exigidos pelos artigos 288, n. 7 e 287, n. 4 do Código Penal, cujos preceitos foram violados; IV - Na procedência do recurso, deve o arguido ser isento da pena. Não houve contra-alegações. Neste Supremo, a Excelentíssima Procuradora-Geral Adjunta pronunciou-se pela procedência do recurso. 2. A matéria de facto provada é a seguinte: "1. Em princípios de 1978 B presidiu a reuniões realizadas num ginásio em Setúbal e na Faculdade de Ciências em Lisboa, 2. Essas reuniões foram no âmbito da Organização Unitária dos Trabalhadores (O.U.T.). 3. ... e a elas só tinham acesso pessoas convidadas para tal. 4. ... apresentando-se com um cartão identificador. 5. Os réus no processo n. 23/85, C, D, E e B faziam parte da mesa dessas reuniões. 6. Aqueles que usaram da palavra naquelas reuniões propuseram a criação de uma nova Organização. 7. ... e a criação de um exército revolucionário. 8. Aqueles que usaram da palavra naquelas reuniões apelaram à violência armada. 9. ... para, através dela, tomarem o Poder em Portugal. 10. Naquelas reuniões esteve presente também o réu F. 11. Com as referidas reuniões C e B visavam a promoção dessa nova Organização. 12. ... e procuravam cooptar e fazer aderir pessoas a essa mesma Organização. 13. Em finais de 1979 e princípios de 1980 vários indivíduos actuando em conformidade com o proclamado nas reuniões referidas nos pontos 1. a 12., inclusive, agruparam-se entre si. 14. ... em local do País que ainda não foi possível apurar. 15. ... actuando voluntária e conscientemente. 16. Esses indivíduos propuseram-se a concretização de um plano. 17. ... agindo de forma concertada e estruturada. 18. ... com órgãos próprios. 19. ... e de forma continuada no tempo. 20. E deram a esse plano o nome de Projecto Global. 21. O Projecto Global tem como fim subverter o funcionamento das instituições do Estado, asseguradas na Constituição da República Portuguesa de 1976. 22. ... alterar o funcionamento dessas instituições. 23. ... impedir o funcionamento dessas instituições. 24. ... e destruir essas esmas instituições do Estado. 25. A concretização destes fins era levada a cabo através da via violenta. 26. ... e com a utilização de armas de guerra. 27. Para a concretização dos objectivos e fins do Projecto Global aqueles que o planearam e os que a ele depois aderiram pretendem criar e desenvolver um exército de civis. 28. ... armados com material de guerra. 29. ... e com outro material. 30. ... material de guerra esse de que se apoderaram pelo uso da violência. 31. ... e através do tráfico de armas proibidas. 32. Pretendem utilizar o armamento assim obtido para subverter, pela violência, o funcionamento do ordenamento do Estado tal como o consagra a Constituição da República Portuguesa de 1976. 33. ... alterar, pela violência, o funcionamento desse mesmo ordenamento do Estado. 34. ... impedindo, pela violência, o funcionamento desse mesmo ordenamento do Estado. 35. ... e destruir, pela violência, o funcionamento desse mesmo ordenamento do Estado. 36. Pretendem incitar e cooptar cidadãos civis e militares. 37. ... para assim realizarem os objectivos do Projecto Global. 38. ... através da ameaça da violência. 39. ... e através do uso da violência. 40. Para a concretização dos objectivos do Projecto Global aqueles que o planearam e os que a ele depois aderiram pretendem danificar as vias de comunicação. 41. ... obstruir essas mesmas vias de comunicação. 42. ... impossibilitando desta forma o seu funcionamento. 43. Para a concretização dos objectivos do Projecto Global pretendem proceder à importação, fabrico, guarda e compra de armas de guerra. 44. ... designadamente pistolas, metralhadoras, materiais explosivos, granadas, bombas, relógios para accionar bombas, espingardas automáticas, miras telescópicas, morteiros, detonadores e munições. 45. E pretendem apoderar-se de tais armas de guerra contra a vontade dos seus donos. 46. ... e também através do uso da violência. 47. Com o emprego destas armas de guerra, e para a concretização dos objectivos do Projecto Global pretendem levar à prática acções de morte, levadas a cabo só em casos pontuais e como "punição" a ataques dos objectivos do Projecto Global e ainda a patrões, empresários ou administradores que, na perspectiva do Projecto Global se distinguissem pela sua actividade repressiva sobre os trabalhadores. 48. ... e de que resultem ofensas corporais de outrem. 49. ... de que resulte a intimidação de outrem. 50. ... de que resulte a apropriação de coisas móveis de outrem. 51. ... de que resulte a destruição de bens e meios de produção. 52. ... actuando sempre voluntária e conscientemente. 53. ... e com intenção de levarem à prática tais acções. 54. Para a concretização dos objectivos do Projecto Global aqueles que o planearam e os que a ele depois aderiram pretendem a realização de reuniões com regularidade. 55. E realizaram reuniões. 56. ... para, em conjunto e de forma concertada, combinarem as acções a levar a cabo. 57. ... no âmbito dos objectivos e fins do Projecto Global. 58. Para a concretização dos objectivos do Projecto Global aqueles que o planearam e os que a ele aderiram propunham-se criar no País o medo. 59. ... a insegurança. 60. ... e o terror em pessoas ligadas a actividades económicas. 61. ... em agentes da autoridade pública. 62. ... e na população em geral. 63. E propunham-se levar a cabo tais objectivos através da utilização de pistolas de calibre 9 milímetros, espingardas automáticas tipo G-3, metralhadoras, morteiros e de bombas, granadas e outros engenhos explosivos. 64. ... através de atentados contra a vida das pessoas, com o esclarecimento constante no ponto 47. 65. ... e contra a sua integridade física. 66. ... através de avisos sérios de atentados contra a vida e integridade física das pessoas. 67. ... e dos bens das pessoas. 68. ... através do envio de manuscritos com mensagens susceptíveis de provocar o meio da concretização dos propósitos contidos nesses manuscritos. 69. ... através de actuações contra a segurança dos transportes e comunicações. 70. Fazia parte dos objectivos tácticos do Projecto Global a ocultação de pessoas contra a sua vontade, ou raptos e que tal era susceptível de provocar o resultado constante das respostas dadas aos pontos 53. a 57., inclusive, sendo tais resultados aceites por aqueles que planearam e os que aderiram ao Projecto Global. 71. ... e com a finalidade de se obter dinheiro. 72. ... e para obrigar a autoridade pública ou outras pessoas a praticarem factos. 73. ... e absterem-se de os praticar. 74. ... e a tolerarem que se pratiquem. 75. No interior do Projecto Global era também utilizado o termo "engarrafamento" para significar rapto ou ocultação de pessoas contra a sua vontade. 76. Em 20 de Abril de 1980 o Projecto Global, através de membros seus, fez explodir por todo o País mais de cem cargas explosivas. 77. ... publicitando-se dessa forma como Forças Populares 25 de Abril. 78. E ao mesmo tempo difundiu o seu manifesto constitutivo. 79. ... no qual contam os seus propósitos. 80. Esse manifesto constitutivo é aquele que está junto aos autos a folhas 7 e 8 (I vol. do Proc. n. 23-A/85). 81. Após a legalização da Força de Unidade Popular (F.U.P.) como partido político, em 28 de Julho de 1980, o Projecto Global/Forças Populares 25 de Abril tem actuado através de quatro componentes. 82. ... devidamente articuladas entre si. 83. ... e actuando concertadamente através de pessoas e órgãos próprios. 84. ... para a concretização dos objectivos e fins do Projecto Global/Forças Populares 25 de Abril. 85. As quatro componentes do Projecto Global/Forças Populares 25 de Abril são: a Organização Política de Massas (O.P.M.). 86. ... a Estrutura Civil Armada (E.C.A.). 87. ... os Quartéis (Q.). 88. ... e o óscar (O.). 89. A componente óscar (O.) é também designada por componente Unidade. 90. A componente Organização Política de Massas (O.P.M.) foi constituída de início pela Organização Unitária dos Trabalhadores (O.U.T.). 91. E depois passou a ser constituída pela Organização Unitária dos Trabalhadores (O.U.T.) e pela Força da Unidade Popular (F.U.P.). 92. ... isso num período em que alguns dos dirigentes da Organização Unitária dos Trabalhadores (O.U.T.) e da Força de Unidade Popular (F.U.P.) eram comuns. 93. ... reunindo esses dirigentes ora a sob a sigla da Organização Unitária dos Trabalhadores (O.U.T.) ora sob a sigla da Força de Unidade Popular (F.U.P.). 94. Após um processo de discussão interno na componente Organização Política de Massas (O.P.M.) veio a ser a Força de Unidade Popular (F.U.P.) que passou a constituir esta componente. 95. Esta componente Organização Política de Massas (O.P.M.) tem como órgão de cúpula o Congresso. 96. E no intervalo de Congressos funciona uma Comissão Central...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT