Acórdão nº 047096 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 16 de Maio de 1995

Magistrado ResponsávelCOSTA PEREIRA
Data da Resolução16 de Maio de 1995
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no plenário das secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça: 1 - RelatórioO Exmo. Procurador-Geral-Adjunto na Relação do Porto veio interpor o presente recurso extraordinário para fixação de jurisprudência nos termos e com os fundamentos seguintes: O acórdão recorrido decidiu que a decisão genérica sobre a legitimidade do Ministério Público no despacho transitado a que se refere o artigo 311.º, n.º 1, do Código de Processo Penal não faz caso julgado formal, podendo conhecer-se de tal questão prévia até ao trânsito em julgado da decisão final. (Acórdão de 26 de Maio de 1993 - recurso n.º 355/93, 1.ª Secção.) Contudo, a mesma Relação, no seu Acórdão de 5 de Maio de 1993 (recurso n.º 156/93, 5.ª Secção), decidiu: O despacho proferido ao abrigo do disposto no artigo 311.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, em que, embora em termos genéricos, se decide da legitimidade do Ministério Público, faz caso julgado formal, estando, assim, o juiz impedido de conhecer de novo a questão da legitimidade em momento posterior ao despacho recorrido.

E desta forma, por se verificar haver clara oposição entre os referidos acórdãos, em que chegaram a soluções opostas relativamente à mesma questão de direito e tendo sido proferidos no domínio da mesma legislação, considerou o digno recorrente estarem preenchidos os requisitos dos artigos 437.º e seguintes do Código de Processo Penal, pelo que se requereu que o mesmo seguisse os respectivos trâmites.

Foi o recurso recebido pela forma legal e a Ex.ma Magistrada do Ministério Público junto deste Supremo Tribunal teve vista dos autos e promoveu o seu prosseguimento para os fins e efeitos do n.º 4 do artigo 440.º e segunda parte do artigo 441.º do Código de Processo Penal.

Colhidos os vistos, por Acórdão de 13 de Outubro de 1994, foi decidido que as soluções a que cada um dos acórdãos chegou sobre a mesma questão de direito e no domínio da mesma legislação são substancialmente contraditórios e opostos entre si, pelo que se ordenou o cumprimento do artigo 442.º, n.º 1, do mesmo diploma.

A Exma. Procuradora-Geral-Adjunta neste Supremo Tribunal apresentou as suas mui doutas alegações, em que eruditamente equacionou a questão jurídica em causa neste recurso, tendo sugerido a seguinte jurisprudência: O despacho genérico proferido pelo juiz no âmbito do artigo 311.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, sobre a legitimidade do Ministério Público, não faz caso julgado formal, podendo dela conhecer-se até trânsito em julgado da decisão final, salvo se sobre a mesma tiver incidido decisão concreta e fundamentada.

2 - A questão tal como resulta dos acórdãos em oposição2.1 - No acórdão recorrido:A problemática subjacente a este recurso surgiu de que no 3.º Juízo Correccional da Comarca do Porto, nos autos de processo comum em que era arguida AA, com os sinais dos autos, a Mma. Juíza declarou o tribunal competente, o processo próprio e que não havia nulidades e ilegitimidades, excepções, questões prévias ou incidentais de que se pudesse desde logo conhecer ou devesse conhecer e que obstassem ao conhecimento do mérito da causa, tendo recebido a acusação do Ministério Público nos seus precisos termos e designando depois dia para o julgamento.

No entanto, já em audiência de julgamento, a Exma. Juíza, considerando a publicação do Acórdão obrigatório n.º 2/92, sobre a interpretação do artigo 49.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, e olhando o carácter semipúblico das infracções indiciadas e, além do mais, por se ter esgotado o prazo do artigo 112.º do Código Penal, julgou o Ministério Público parte ilegítima para promover o processo penal e absolveu da instância o arguido.

Foi interposto, então, deste despacho recurso para a Relação pelo Ministério Público, em que se invoca a excepção de caso julgado formal, formulando-se as seguintes conclusões:

  1. No despacho de saneamento do processo, ao abrigo do artigo 311.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, foi decidido que não havia ilegitimidades que pudessem obstar à apreciação do mérito da causa, tendo tal despacho transitado em julgado; b) Ao conhecer de novo, agora como questão prévia, no julgamento, da ilegitimidade, o despacho em causa violou o disposto no artigo 338.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, já que, por força deste normativo, o tribunal só conhece e decide questões prévias ou incidentais susceptíveis de obstarem à apreciação do mérito da causa acerca das quais ainda não tenha havido decisão; c) E ao considerar agora o Ministério Público parte ilegítima, o despacho em causa violou o disposto no artigo 672.º do Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente ao processo penal por força do disposto no artigo 4.º do Código de Processo Penal, onde se consigna o caso julgado formal - a obrigatoriedade das decisões dentro do processo; d) E violado foi também o Assento do Supremo Tribunal de Justiça de 1 de Fevereiro de 1963, onde se estabelece que «é definitiva a declaração em termos genéricos no despacho saneador transitado relativamente à legitimidade, salvo a superveniência de factos que nesta se repercutam»; e) Mesmo que se entenda que a decisão sobre a legitimidade proferida no despacho de saneamento não faz caso julgado e que o tribunal podia de novo conhecer da mesma, não era caso para, sem mais, se declarar o Ministério Público parte ilegítima; f) É certo que o procedimento criminal pelo crime de emissão de cheque sem provisão de que a arguida está acusada depende de queixa do legítimo portador, por força do disposto no artigo 24.º do Decreto n.º 13004, de 12 de Janeiro de 1927, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de Setembro; g) E que a queixa foi apresentada por mandatário, o qual não estava munido de poderes especiais e especificados, nos termos do artigo 49.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, na interpretação que lhe foi dada pelo Acórdão n.º 2/92, do Supremo Tribunal de Justiça; h) No entanto, a queixa foi apresentada dentro do prazo de seis meses a que se refere o artigo 112.º do Código Penal, pelo que se está apenas perante uma irregularidade do mandato; i) E tal irregularidade pode ser sanada ao abrigo do disposto no artigo 40.º do Código de Processo Civil, aplicável ao processo penal por força do disposto no artigo 4.º do Código de Processo Penal; j) Na verdade, a ratificação da queixa pode ser efectuada nos termos do preceito acima referido, no prazo que foi fixado para tal, mesmo que tenha decorrido o prazo de seis meses previsto no artigo 112.º do Código Penal, já que com tal ratificação a queixa fica válida e eficaz e, portanto, apresentada atempadamente; l) Pelo que o despacho recorrido, ao considerar a queixa efectuada por mandatário juridicamente irrelevante, por insuficiência de procuração, sem primeiro convidar o titular do direito de queixa a ratificar a mesma, violou o disposto no artigo 40.º do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 4.º do Código de Processo Penal.

    Vejamos, agora, a argumentação expendida no acórdão: O acórdão começa por perguntar se estaremos ou não perante um caso omisso que leve à aplicação das normas do Código de Processo Civil, ou sejam, in casu, o artigo 672.º daquele Código e o Assento do Supremo Tribunal de Justiça de 1 de Fevereiro de 1963, publicado no Diário do Governo, 1.ª série, de 21 de Fevereiro de 1963, e no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 124, p. 414, ex vi do artigo 4.º do Código de Processo Penal.

    E para resolver tais questões referem-se as duas posições sobre o valor das declarações genéricas no saneador acerca dos pressupostos em processo civil: A primeira posição consistiria em, tomado o despacho à letra, entender que, uma vez transitado em julgado (artigo 677.º), nenhuma das excepções declaradas inexistentes poderá ser alegada pelas partes ou conhecida ex officio, o que seria a aplicação rígida da doutrina do caso julgado formal à interpretação literal do despacho; A outra limitará a força de caso julgado às questões concretas que o despacho haja decidido relativamente a cada uma das excepções capazes de conduzirem à absolvição da instância.

    Depois, chama-se a atenção para o facto de haver duas soluções em oposição, uma contida no artigo 104.º, n.º 2, do Código de Processo Civil e a outra a do assento já referido.

    Assim, enquanto, segundo o artigo, a declaração genérica no saneador sobre a competência absoluta deixa em aberto a apreciação deste pressuposto processual até à sentença final, pois só as decisões concretas são vinculativas, já segundo o assento «é definitiva a declaração em termos genéricos no despacho saneador transitado relativamente à legitimidade, salvo a superveniência de factos que nesta se repercutam».

    Coloca-se, depois, o problema da aplicação do assento ao processo penal, o que numa primeira abordagem pareceria possível, se fosse concebível estabelecer analogia entre o caso omisso no processo penal e o regulado no processo civil.

    Para isso, teria de haver igualdade jurídica entre o caso regulado e o caso a regular e tal igualdade, em princípio, poderia derivar da identidade do objectivo essencial no despacho saneador em processo civil e no despacho de saneamento no processo penal [artigos 510.º, n.os 1, alíneas a) e b), e 2, do Código de Processo Civil e 311.º, n.º 1, do Código de Processo Penal].

    Esse objectivo seria desentorpecer a acção, quer cível quer penal, de tudo aquilo que possa impedir o julgamento de mérito, evitando a instrução de um processo que praticamente se tornaria inútil.

    No entanto, o douto acórdão não aceita uma verdadeira analogia de situações, com base nos seguintes argumentos: A regulamentação do despacho saneador em processo civil é muito mais exigente para o juiz, pois só pode deixar de decidir sobre os pressupostos se o estado do processo o impossibilitar de se pronunciar sobre eles, devendo neste caso justificar a decisão e devendo ainda conhecer das excepções, pela ordem prevista no artigo 288.º, e das nulidades; Em processo penal, a lei impõe ao juiz...

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