Acórdão nº 086242 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Fevereiro de 1995

Magistrado ResponsávelMACHADO SOARES
Data da Resolução14 de Fevereiro de 1995
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: A veio propor a presente acção, com processo ordinário, com vista a obter a condenação da Sociedade Comercial de Papelarias Rabelo da Beira Douro, Limitada, no pagamento da quantia de 7000000 escudos, acrescidos de juros de mora, reclamada a título de indemnização, pelos prejuízos decorrentes de ter sido destituído de gerente da Ré, sem justa causa. Na contestação, a Ré apôs ter o Autor, no exercício das suas funções de gerente, praticado culposamente actos e omissões violadores dos deveres inerentes ao seu cargo, inclusivé desviando dinheiros da sociedade em proveito próprio, o que não só justificaria não só a sua destituição, mas também a dedução de pedido reconvencional, com vista a indemnizar a Ré - em montante a apurar em execução de sentença - pelos prejuízos que originou com tal gestão. Na réplica o Autor, para além de negar a actividade que lhe é imputada, pede, ainda, a condenação da Ré como litigante de má fé. Após a prolação do despacho saneador e da organização da especificação e questionário, a Ré apresentou articulado superveniente, alegando que o Autor se apoderou de cheques emitidos a favor dela. O Autor contrapôs a essa alegação que tais cheques lhe foram entregues, com conhecimento da Ré, por conta de empréstimos que esta havia feito. Após a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que julgou improcedentes quer a acção, , quer a reconvenção. Ambas as partes apelaram. A Relação, negando provimento ao recurso interposto pelo Autor, confirmou a decisão tomada pela 1. Instância, quanto à acção; mas já quanto ao recurso da Ré, ponderando existir contradição entre as respostas aos quesitos 15 e 16, decidiu anular o julgamento a fim de ser sanado o vício inerente a tal contradição. Deste Acórdão, interpôs recurso o Autor para este Supremo Tribunal. Eis as conclusões das suas alegações: 1- Os comportamentos imputados ao recorrente que resultaram apurados e em que assenta o Acórdão recorrido não constituem violação dos deveres de gerente do recorrente na sociedade recorrida. 2- Também não resulta de nenhum dos factos provados que o comportamento do recorrente seja censurável, grave e culposo, como entendeu o douto Acórdão recorrido. 3- Do facto constante da alínea c) da especificação resulta que a sociedade recorrida não entendeu os factos e comportamentos imputados ao recorrente como causa da sua destituição, pois bem ao contrário, propôs ao recorrente a sua transferência do pelouro, mantendo-se este nas funções de gerente. 4- De nenhum facto provado resulta, como se entende no Acórdão recorrido, que o recorrente haja subtraído ou procurado subtrair à contabilidade da recorrida receitas desta no montante de 13188235 escudos. 5- Existe contradição no douto Acórdão recorrido quando reconhece que não foi apurado o escopo do comportamento do recorrente e, por outro lado, clarifica tal comportamento de censurável, grave e culposo. 6- Assim o Acórdão recorrido ao decidir que o recorrente havia sido destituído com justa causa desrespeitou o disposto no artigo 257 n. 6 do C.S.C. e por fundamentar a sua decisão em factos que não resultaram provados - e a que dizem respeito as conclusões ns. 4 e 5 - padece da nulidade do artigo 668 n. 1, alínea d), 2. parte, do Código de Processo Civil. 7- A resposta negativa ao quesito 15 apenas significa que não se provou o facto quesitado, pelo que o mesmo deve ser tido como não articulado. 8- Não se verifica qualquer contradição entre o facto de que o recorrente não fez entrar os recebimentos das facturas referidas nos quesitos 11 e 13 na contabilidade da sociedade recorrida e o facto de não ter sido provado que a sociedade nada recebeu e que os clientes desta afirmaram já terem pago. 9- Na verdade a resposta ao quesito 16 está em concordância com as respostas dadas aos quesitos 11 e 13 e não está dependente ou interligada da matéria constante do quesito 15, não provada. 10- Deve assim ser declarado nulo o Acórdão recorrido, nos termos do artigo 668 n. 1, alínea d), 2. parte - e a que se refere as conclusões 4, 5 e 6 - ordenando-se que o processo baixe à Relação, nos termos do artigo 731 n. 2 a fim de se fazer a reforma da decisão e, caso assim se não entenda, deve o mesmo ser revogado e substituído por outro que julgue que o recorrente foi destituído sem justa causa e que julgue não haver contradição entre as respostas aos quesitos 15 e 16 por inadequada aplicação do disposto no artigo 712, todos do Código de Processo Civil. Na contra-alegação, a Ré sustenta que deve manter-se o Acórdão recorrido. Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir: Os factos considerados como provados pelas instâncias são os seguintes: A Ré tem por objecto social o comércio de artigos de papelaria e escritório e na sua actividade dedica-se à comercialização de artigos de papelaria destinados a escritórios (alínea a) da esp.). O Autor é sócio da Ré, possuindo uma quota no valor nominal de 12500000 escudos, no seu capital social que soma 50000000 escudos, pertencendo as restantes quotas a B, C e D, no valor de 12500000 escudos cada uma (alínea b) da esp.). Nos termos do artigo 5 do pacto social da Ré, a gerência desta com ou sem remuneração, conforme foi deliberado em Assembleia Geral, pertence a todos os sócios, os quais foram nomeados por tempo não determinado, como se vê do referido artigo (escritura de página 6 e seguintes) (alínea c) da esp.). Como gerente da Ré, o Autor recebia, pelo menos, uma remuneração mensal liquida de 90000 escudos, paga 14 vezes por ano (alínea d), da esp.). Em 3 de Maio de 1991, teve lugar uma Assembleia Geral da sociedade Ré com a seguinte ordem de trabalhos. a) análise global dos negócios nacionais; b) ponderar sobre o comportamento relativamente à sociedade do sócio gerente sr. A; c) deliberar sobre a destituição do referido sócio, sr. A, das suas funções de gerente da sociedade (alínea e) da esp.). Naquela assembleia foi deliberado destituir o Autor, gerente da Ré, com efeitos imediatos, com base nos seguintes factos a ele imputados: - "teria feito desaparecer ou, pelo menos, deixado desaparecer, diversa documentação relativa aos negócios sociais; - teria mandado ou ao menos consentido que parte importante dos documentos relativos aos negócios sociais ficassem em poder de terceiro-nomeadamente de trabalhadores da empresa fora das instalações sociais e do alcance dos restantes gerentes; - estaria incluído num plano de criação de outra empresa concorrente da Beira Douro e teria tentado aliviar trabalhadores desta para consigo trabalharem naquele projecto da empresa; - recusar-se a exercer tarefas que a sociedade lhe conferiu e a pôr os restantes gerentes ao corrente da forma como encaminham os assuntos do pelouro financeiro; - ter vindo a manifestar, por acções, acentuado desinteresse pela evolução dos negócios sociais". (alínea f) da esp.). Com esta decisão, o Autor viu-se privado do exercício das funções de gerente da Ré, que vinha exercendo e do recebimento das correspondentes e inerentes retribuições (alínea g) da esp.). O Autor e as demais pessoas referidas na alínea b) da esp. são os únicos sócios e eram os únicos gerentes de um conjunto de sociedades onde, pelo menos, se integram a sociedade Ré, a "J.A.G" - Artes Gráficas Limitada" , "Do outro lado de cá", "Bar Restaurante lda." e "Texto & Linha Limitada" (alínea h) da esp. e resposta ao quesito 6). Além da remuneração referida na alínea d), da especificação, o Autor recebia ainda, como gerente da Ré, um complemento mensal, no montante de 53369 escudos, pago 14 vezes por ano (resposta ao quesito 1). Em todas as sociedades referidas na alínea h), da esp., com excepção da "Texto & Linha Limitada", nomeadamente na Ré, os pelouros estavam distribuídos em termos tais que ao Autor cumpria gerir o campo administrativo e financeiro das empresas (resposta ao quesito 2). E a um dos outros gerentes cabia o pelouro comercial e aos dois restantes o pelouro do planeamento e produção (resposta ao quesito 3). Enquanto responsável pelo pelouro administrativo e financeiro cumpria ao Autor, além do mais; promover as cobranças das receitas e fazer os recebimentos...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT