Acórdão nº 046657 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 06 de Julho de 1994

Magistrado ResponsávelFERREIRA DIAS
Data da Resolução06 de Julho de 1994
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1 - Acusado pelo Digno Magistrado do Ministério Público e pelo assistente A, nos autos identificado, respondeu, em processo comum e com a intervenção do Tribunal Colectivo da Comarca de Vila Nova de Gaia, o arguido B, casado, fiscal de transportes, de 54 anos, com os demais sinais dos autos. 2 - Realizado o julgamento, foi o arguido: - absolvido do crime de homicídio qualificado, na forma tentada, previsto e punível pelas disposições combinadas dos artigos 22, 23, 74 e 132 ns. 1 e 2 alínea c) do Código Penal; e - condenado pela prática de um crime previsto e punível pelo artigo 260 do Código Penal na pena de 120 dias de multa à taxa diária de 500 escudos, na alternativa de 80 dias de prisão. No concernente ao pedido cível, foi este julgado improcedente e o arguido dele absolvido. 3 - Inconformados com tal decisão, dela interpuseram recurso o assistente e o Ministério Público. Alegam, em substância e com interesse: O primeiro: - Não existem ou se comprovam factos que subsumam a figura da legítima defesa; - Não está assim descrita e comprovada qualquer agressão actual, que não se vê tenha existido; - Mesmo a existir, por mera hipótese, a agressão actual, não está provado que o arguido se podia ter socorrido da força pública; - Não houve por parte do recorrido uma defesa circunscrita à paralisação do agressor; - A ausência de "animus defendendi"; e - Não existindo legítima defesa deve o recorrente ser indemnizado de todos os danos causados, quer patrimoniais, nos quantitativos que se encontram provados, quer não patrimoniais, nos quantitativos peticionados. Por sua banda, o Ministério Público: - Não devendo considerar-se a motivação de uma sentença como o mero exercício de relacionar os elementos de prova, mas acima de tudo, uma explicação racional da formação da convicção do Tribunal, deve considerar-se nulo o acórdão recorrido, face ao disposto nos artigos 374 n. 2 e 379 alínea a) do Código de Processo Penal; - Provado que o arguido tem um carácter contido, que disparou apenas um tiro quando podia ter disparado dois, que entrou em pânico apenas quando viu o agressor caído e que disparou a cerca de 1,5/2 metros deste, deve concluir-se que ele poderia, para suster a agressão, limitar-se a disparar para uma parte do corpo menos perigosa; - Ao concluir em sentido contrário, o acórdão fez, notoriamente, errada interpretação dos factos; - Pelo que, nos termos do artigo 410 n. 2 alínea c) do Código de Processo Penal, é permitida ao tribunal "ad quem" a reapreciação da matéria de facto; - Dessa reapreciação, e porque conforme a justiça, deve resultar a condenação do arguido pela prática do crime de ofensas corporais graves, previsto e punível pelo artigo 143 alínea c) do Código Penal, ainda que com pena especialmente atenuada, dada a confluência do disposto nos artigos 32 e 33 n. 1 do mesmo Código. 4 - Subiram os autos a este Supremo Tribunal e, auscultado o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto, foi proferido o despacho preliminar. Colhidos os vistos, designou-se dia para a audiência e a ela se procedeu com observância de todas as formalidades legais, como da acta se infere. Cumpre, pois, apreciar e decidir. Vejamos, em primeiro lugar, quais as realidades fácticas que o douto Tribunal Colectivo deu como certificados. São elas as seguintes: - Havia algum tempo, com referência a Setembro de 1992, que o assistente A vinha sendo visita assídua na casa da C, nora do arguido; - A casa da C é contígua à do B, sendo separadas apenas por um pátio de uso comum; - O assistente A visitava a C sob pretexto da amizade que tinha pelo casal, a C e o marido - filho do arguido, então como hoje, na situação de preso, em cumprimento de pena; - A C e o A eram pessoas carenciadas de heroína, no que aquela dependia, sobremaneira, deste; - Do mesmo passo, o assistente ia mantendo com a C um relacionamento íntimo, sexual; - Do que o arguido foi tomando consciência, assim censurando a nora e admoestando-a a que - nomeadamente pelos dois filhos menores - não levasse para casa o assistente; - Pela 1 hora de 14 de Setembro de 1992, o assistente A procurou, uma vez mais, a C na sua casa; - Como não a encontrasse ali, seguiu até à casa da cunhada daquela, sita na imediação, em casa que dava também para o aludido pátio comum; - A C recebeu o assistente e os dois dirigiram-se, então, para a casa daquela; - Onde mantiveram relacionamento sexual; - Chegava, entretanto, regressado do trabalho, o arguido B que; - Por ter ouvido vozes primeiro e ter espreitado pela janela que dava para o pátio, depois, logo se apercebeu daquele relacionamento; - Manteve-se o B pelo pátio em passo nervoso; A C e o A aperceberam-se, entretanto, dos passos "rondando a casa"; - Por imposição do assistente, a C abriu a porta e saíram ambos, com o A, mais impulsivo e impetuoso, à frente; - Ao vê-lo o arguido deu-lhe ordem imediata de saída, apontando para o portão que servia o pátio comum; -...

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