Acórdão nº 078981 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 29 de Maio de 1991

Magistrado ResponsávelALBUQUERQUE DE SOUSA
Data da Resolução29 de Maio de 1991
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

񸀠 Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: Em 18 de Julho de 1972, "Setenave - Estaleiros Navais de Setubal, SARL", com sede em Almada (que, entretanto, se tornou empresa publica, com sede em Mitrena - Setubal - Decretos-Leis n. 478/75, de 1 de Setembro, e n. 182/76, de 9 de Março), e "Sociedade de Empreitadas Somague, SARL", com sede em Lisboa, celebraram entre si um contrato de empreitada para construção das docas secas, plataforma de construção e caldeiraria do estaleiro naval de Setubal da Setenave. No n. 1 da clausula 2 daquele contrato consideraram-se parte integrante do mesmo contrato os documentos a ele anexos, descriminados na clausula 3, entre os quais figuram o "caderno de encargos n. 3656 - empreitada de execução da doca seca, ecluse e obras maritimas" e as "condições gerais e particulares". No referido contrato de empreitada acordaram as partes na seguinte clausula compromissoria (clausula 10): "Qualquer questão surgida entre as partes sobre a interpretação ou execução deste contrato sera decidida por um tribunal arbitral, que se instalara na comarca de Lisboa, e que julgara segundo a equidade, nos termos do disposto nos artigos mil e quinhentos e treze e seguintes do Codigo de Processo Civil". A clausula 67 das "Condições Gerais" (relativa ao "regulamento dos litigios" e a "arbitragem"), com a alteração nela introduzida pelas "Condições Particulares", dispõe: "Qualquer litigio ou diferendo relativo ao contrato, sobrevindo entre o empresario ou o engenheiro, por um lado, e o empreiteiro, por outro lado, quer no decorrer da execução dos trabalhos ou apos a sua conclusão, quer antes ou depois da rescisão, abandono ou interrupção do contrato, sera primeiro submetido ao engenheiro, que decidira e, no prazo de 90 dias apos o requerimento da sua intervenção, dara a sua decisão por escrito ao empresario e ao empreiteiro. Salvo as disposições mencionadas a seguir, esta decisão sobre qualquer ponto de litigio submetido ao engenheiro sera definitiva e ligara o empresario e o empreiteiro ate a conclusão das obras. "O empreiteiro devera obedecer-lhe imediatamente e continuar a execução com toda a diligencia requerida, quer ele ou o empresario tenham ou não formulado pedidos de arbitragem. Se, dentro dos 90 dias que seguem a entrega por escrito da decisão do engenheiro as duas partes interessadas, nem o empresario nem o empreiteiro formularem pedido de arbitragem, esta decisão sera considerada definitiva e ligara o empresario e o empreiteiro. "Se, no prazo de 90 dias apos lhe terem requerido a sua intervenção, o engenheiro não der a sua decisão, ou se o empresario ou o empreiteiro não ficarem satisfeitos com ela, o empresario ou o empreiteiro poderão, nos 90 dias que se seguirem a notificação da decisão do engenheiro, ou dentro dos 90 dias seguintes a expiração do primeiro periodo de 90 dias (como pode acontecer), requerer que o assunto seja submetido a arbitragem, segundo o seguinte processo: "Todos os litigios ou diferendos a respeito dos quais a decisão do engenheiro (se a houver) se não tenha tornado decisiva e obrigatoria de acordo com o atras dito, serão resolvidos por arbitragem "ex aequo et bono" em conformidade com a Lei Portuguesa. (...)" A obra, a medida que ia sendo executada, foi sendo entregue a Setenave, por partes, em datas sucessivas. E, ao que esta diz, na altura das entregas, não revelava defeitos. Mas, entretanto, veio a surgir um diferendo entre as partes, por a Setenave entender que a execução da empreitada se tinha revelado defeituosa, em varios aspectos, por culpa da Somague. Tal diferendo entre "empresario" (Setenave) e "empreiteiro" (Somague) foi submetido a "Profabril-Centro de Projectos, SARL", empresa especializada que exerceu as funções de "engenheiro" nos termos das aludidas "condições gerais e particulares" - clausula 67, a qual tomou uma decisão, favoravel a Setenave, que foi comunicada a Somague em 6 de Abril de 1981. Esta, porem, não tomou qualquer medida, no sentido de cumprir a decisão do "engenheiro" por, em seu ver, nomeadamente, haverem ja caducado quaisquer direitos da Setenave, fundados na execução do contrato de empreitada. Por isso, em conformidade com a dita clausula compromissoria e ao abrigo do artigo 1513 do Codigo de Processo Civil, a Setenave, em 2 de Julho de 1981, requereu, perante o 3 juizo civel da comarca de Lisboa, a constituição do tribunal arbitral voluntario. Nesse processo, apos diversas vicissitudes, a nomeação dos arbitros so veio a realizar-se em 27 de Julho de 1982, mediante acordo das partes, sancionado pelo juiz da causa. No dia anterior, tinham ja as partes, em requerimento conjunto, definido, por acordo, o objecto do litigio que aos arbitros competia apreciar e julgar nos seguintes termos: Setenave e Somague acordaram em: "1 - Estabelecer que a remuneração dos arbitros se regule (...) "2 - Definir o objecto do litigio que consistira no apuramento das alterações verificadas nas Docas do estaleiro da Setenave, em Setubal, e respectivas causas; na determinação dos prejuizos delas resultantes; e na consequente imputação de responsabilidades; devendo o Tribunal Arbitral, porem, julgar preliminarmente, se para tanto dispuser dos elementos necessarios, a questão da aplicabilidade da propria clausula compromissoria". Fixadas oportunamente pelos arbitros as regras processuais a observar na arbitragem, a Setenave, em 12 de Novembro de 1982, apresentou a petição inicial do processo de arbitragem, em que, concluindo, formulou os seguintes pedidos: "Como pedido preliminar: "Que o Tribunal Arbitral decida não se haver operado a caducidade dos direitos da Autora provenientes da ma execução pela Re do contrato referido no artigo 1, tal como se demonstra nas partes separadas e destacaveis marcadas G) e H); "Se parecer ao Tribunal Arbitral que não pode conhecer desta questão sem apreciar elementos de facto, decida então reservar o conhecimento dela para a sentença final. "Como pedidos principais da acção: "Que a Re seja condenada na reparação dos defeitos que a obra revela em termos de a tornar capaz para o fim a a que se destina; ou "Que a Re seja condenada no pagamento a Autora do custo dessa reparação a ser levada a cabo por outrem, custo que sera fixado em execução de sentença, mas se computa desde ja em pelo menos escudos 280000000; e "Que a Re seja condenada no pagamento a Autora da indemnização correspondente aos prejuizos ja pela Autora suportados, que neste momento atingem o montante de 17550000 escudos, e no pagamento dos prejuizos que se vierem a verificar e serão avaliados em liquidação de sentença (...); "Com juros da lei, custas e selos dos autos e procuradoria condigna". Na sua contestação, a Somague defendeu-se por excepção, de duplo modo, e por impugnação e, por sua vez, deduziu reconvenção contra a autora. Começou, na verdade, por arguir a excepção de caducidade da clausula compromissoria, a qual, segundo a sua tese, teria caducado logo em 19 de Outubro de 1976, data em que o contrato teria sido pelas partes considerado "inteira e perfeitamente cumprido e, portanto, extinto". Para tanto, sustentou, designadamente, que, a luz do contrato, sendo certo que o conjunto dos trabalhos contratados se decompunha em varias obras, que eram entregues a medida da sua conclusão, e que o respectivo periodo de garantia decorria, relativamente a cada obra, a partir da sua recepção provisoria, coincidindo a conclusão do conjunto dos trabalhos com a entrega da ultima obra, o mesmo contrato teria de considerar-se cumprido com a recepção definitiva realizada no termo do ultimo periodo de garantia, devendo entender-se que, cumprido o contrato, este se extinguiu, deixando de vincular as partes, e que, extinto o contrato, não e possivel fazer valer a clausula compromissoria, a qual, naturalmente, se extinguiu tambem. Alegou, seguidamente, propondo-se prova-la, "a caducidade dos direitos que a autora pretende fazer valer e que a re contesta", sustentando, nomeadamente, que, por haverem decorrido os prazos de garantia das obras realizadas e entregues a autora, por os defeitos das obras não terem sido denunciados nos prazos legais e por os pedidos de eliminação dos defeitos e de indemnização não terem sido formulados em tempo, caducaram, quer o direito a eliminação dos invocados defeitos da obra, quer o direito ao pagamento do custo da reparação desses defeitos, a executar por outrem, bem como o direito a indemnização pelos prejuizos ja verificados e por verificar - direitos estes que a autora pretende fazer valer contra a re e que por esta foram contestados. Na contestação se invocou, ainda, a prescrição da responsabilidade delitual da re. Num segundo capitulo do mesmo articulado, desenvolveu a re sua defesa por impugnação (artigos 252 a 421). Por ultimo, em reconvenção, pediu a condenação da autora no pagamento duma indemnização de 100000000 escudos pelos danos causados ao seu credito e bom nome com a propositura da acção. Na replica, esforçou-se a autora por demonstrar que não se verificava a excepção de caducidade da clausula compromissoria, arguida pela re na contestação, e, em face desta, a autora aditou "mais um pedido preliminar - o pedido de que o Tribunal Arbitral decida não se haver operado a caducidade da clausula compromissoria, que logicamente deve antepor-se ao pedido preliminar ja formulado". Deste modo, a Setenave, nos artigos 238 e seguintes da replica, formulou expressamente a pretensão de que o tribunal arbitral, antes de entrar na apreciação da questão de saber se, sim ou não, se operara a caducidade dos direitos da autora provenientes da ma execução pela re do contrato de empreitada, decidisse preliminarmente essa outra questão que consistia em saber se, sim ou não, se verificava a caducidade da propria clausula compromissoria. No mais, reiterou a sua posição, definida no articulado inicial e, contestando o pedido reconvencional, concluiu no sentido de se dever decidir pela incompetencia absoluta do tribunal arbitral para dele...

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