Acórdão nº 09S0156 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 07 de Maio de 2009

Magistrado ResponsávelPINTO HESPANHOL
Data da Resolução07 de Maio de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1.

Em 29 de Outubro de 2002, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, 5.º Juízo, AA instaurou a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho contra CP - C... DE F... P..., E. P., pedindo que a ré fosse condenada a pagar-lhe € 100.000, a título de danos não patrimoniais, acrescidos de juros de mora, à taxa legal, desde a citação, bem como o que viesse a ser liquidado, em execução de sentença, a título de danos patrimoniais.

Alegou, para tanto, que foi admitido a prestar trabalho subordinado para a ré, com a categoria profissional de técnico superior principal, por contrato escrito, firmado em 21 de Junho de 1971, mas com efeitos desde 1 de Abril de 1971, tendo, inicialmente, exercido funções no Serviço de Planeamento a Médio e Longo Prazo, integrado no Departamento de Organização e Planeamento, que passou, mais tarde, a denominar-se Direcção de Planeamento.

Entretanto, ascendeu na categoria de técnicos licenciados - em 1 de Julho de 1985, foi promovido ao escalão C, em 1 de Agosto de 1987, ao escalão B e, em 1 de Agosto de 1989, ao escalão A, mais tarde designado por escalão K -, detendo, em 1991, a categoria profissional de técnico licenciado do escalão K e, por nomeação do Conselho de Gerência, desempenhava o cargo de Chefe do Serviço de Estudos Estratégicos, integrado na Direcção de Planeamento.

A promoção de técnicos licenciados do escalão K ao escalão L dependia de decisão do conselho de gerência da ré e, nesse processo de promoção, o director de planeamento da ré prestou informação, em 1991, repetida nos anos seguintes, que impediu a promoção do autor, o qual reclamou dessas notações profissionais para o conselho de gerência da ré, apenas obtendo resposta quanto à reclamação da notação profissional referente ao ano de 1993, em que, por ofício de 30 de Maio de 1994, a ré reiterou a informação atribuída, relativamente ao período em causa.

Em 1992, foi ocupar um gabinete esconso, num vão de escada do edifício de Lisboa, não lhe sendo facultado computador e só por favor lhe foi permitido dispor de um extensão telefónica; a partir de então, a ré não lhe atribuiu qualquer função, tarefa ou responsabilidade, mantendo-o apenas nominalmente ao serviço, não tendo recebido qualquer ordem, instrução, orientação ou directiva e não tendo produzido qualquer trabalho, estudo, informação ou relatório, prolongando-se essa inactividade mais de nove anos, até à sua reforma, em 6 de Novembro de 2001.

Nessa data, auferia mensalmente um vencimento de € 2.222,43, acrescido de € 100,25 de diuturnidades, € 444,49 de isenção de horário de trabalho e € 109,80 de subsídio de refeição, num total de € 2.876,97.

A descrita inactividade colocou-o numa situação deprimente e vexatória, dando causa a um estado de permanente desgosto, ansiedade, frustração e revolta e privou-o da prestação normal do trabalho e da realização profissional através dele, designadamente por meio das promoções na carreira e das progressões salariais, que normalmente lhe seriam atribuídas, não voltando a ser avaliado positivamente pela hierarquia para efeito de promoção, por força da sua desocupação e inactividade.

Em consequência, «não foi promovido a escalões superiores da carreira de técnicos licenciados, ao contrário da esmagadora maioria dos seus colegas, nem ascendeu a níveis de remuneração mais elevada», mantendo, a partir de 1992 e até 2001, «o mesmo nível de retribuição, com excepção de um pequeno aumento salarial resultante apenas da antiguidade»; assim, a violação do dever de ocupação efectiva por parte da ré provocou-lhe danos patrimoniais, decorrentes da diferença entre o que lhe foi efectivamente pago desde 1992 e o que lhe deveria ter sido pago se não fosse aquela violação, cuja liquidação «não é viável nesta fase do processo, pelo que se relega para execução de sentença - mas não pode computar-se em quantia inferior a € 100.000 (cem mil euros)».

A acção, contestada pela ré, foi julgada totalmente improcedente, tendo a sentença do tribunal de primeira instância absolvido a ré do pedido.

  1. Inconformado, o autor apelou para o Tribunal da Relação de Lisboa, que julgou parcialmente procedente o recurso, condenando a ré a pagar-lhe € 50.000, a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescidos de juros de mora, à taxa legal, desde a data do acórdão até integral pagamento, confirmando, no mais, a sentença recorrida, sendo contra a aludida decisão do Tribunal da Relação que a ré e o autor se insurgem, mediante recursos de revista, alinhando as seguintes conclusões: RECURSO DA RÉ: «1. A execução da prestação do trabalho é fundamentalmente um dever e não um direito do trabalhador, salvo situações excepcionais que não ocorrem no caso dos autos; 2. Só haverá violação desse dever se houver uma conduta da entidade patronal por má fé, abuso de direito ou ainda por um comportamento discriminatório que fosse impeditivo que o trabalhador exercesse a sua actividade, o que também não ocorre na situação dos autos; 3. Não é o facto de as instalações atribuídas ao A., à semelhança das que foram dadas aos demais técnicos por motivo da mudança da Avenida da República para o Rossio, serem "menos boas" que era impeditivo que este desempenhasse as tarefas que lhe cumpria executar; 4. Acontece que, desde os fins da década de 80, inícios de 1990 e posteriormente, nada impediu que o A. continuasse a fazer a análise crítica dos seus trabalhos relacionados com os planos ferroviários da R., o que não fez; 5. Ninguém da R. impediu o A. de ter feito ou apresentado o resultado de tais trabalhos; 6. O A. pelo estatuto profissional que tinha, a que era imanente autonomia técnica, não carecia de quaisquer ordens ou instruções para a feitura desses trabalhos e não era exigível que a R. lhe desse umas ou outras; 7. A suposta não ocupação efectiva do A., a ter existido, só ocorreu por facto exclusivamente a ele imputável; 8. Nunca o A. invocou falta de meios ou que as instalações que tinha fossem impeditivas da execução das tarefas que deveria ter executado, mas que não fez; 9. Atentas as conclusões que antecedem não houve qualquer violação do direito à ocupação efectiva do A. que, a ocorrer, sempre teria que se fundar numa conduta dolosa, ou no mínimo, culposa e discriminatória da R., que não a teve; 10. Dado que não houve essa invocada violação do direito à ocupação efectiva, improcede o pedido do A., não quantificado, para que lhe sejam pagas as diferenças entre as remunerações que recebeu e aquelas que teria recebido se aquela não tivesse ocorrido; 11. Mas tal pedido - diferenças salariais - sempre improcederá, uma vez que o A. não articulou factos, devendo fazê-lo, com o seu valor; 12. Para colmatar essa falta de articulação de factos só ao A. imputável e que levassem ao apuramento do quantum a pagar-lhe, a título de diferenças salariais, a lei veda que àquele seja dada uma segunda oportunidade; 13. O valor atribuído no acórdão ao A., a título de danos morais - 50.000,00 € - é excessivo, senão mesmo, exorbitante e não está justificado; 14. Ocorre que os danos morais pedidos se reportam a factos ocorridos a partir de 1992, o que não é compatível com a demora que houve em peticionar uma indemnização baseada naqueles; 15. Qualquer pessoa ofendida no seu estatuto e honra profissional não esperava dez anos para fazer valer o seu direito a ser indemnizado pelas ditas ofensas, podendo fazê-lo antes; 16. Face ao constante das conclusões que antecedem, o acórdão recorrido deverá ser revogado, por violar, por erro de aplicação ou de interpretação, entre outros, os artigos 58.º, n.º 1, e 59.º, n.º 1, alínea b), ambos da C.R.P., os artigos 18.º, n.º 1, e artigo 19.º, alíneas a), c) e d) do [Decreto-Lei] n.º 49.408, de 24.11.69, e ainda os artigos 483.º e 496.º, n.º 1, ambos do Código Civil e, consequentemente, confirmar-se a sentença do Tribunal da 1.ª Instância.» O autor contra-alegou, defendendo a confirmação do acórdão recorrido, na dimensão impugnada pela ré, e salientando que as conclusões 10.ª a 12.ª da alegação do recurso de revista da ré não são de atender, já que a decisão da matéria em causa, no tribunal recorrido, não lhe foi desfavorável, nessa parte.

    RECURSO DO AUTOR: «1. A indemnização de danos não patrimoniais arbitrada pelo acórdão recorrido é escassa, na medida em que não realiza suficientemente a dupla função reparatória e punitiva que no caso concreto dos autos é exigível; 2. Tendo em atenção as características particulares do Autor e do seu trabalho ao serviço da Ré, a desocupação efectiva a que foi relegado durante quase dez anos é gravemente indigna, vexatória e humilhante; 3. A indemnização de danos morais deve, pois, ser fixada em € 100.000,00; 4. Decidindo em contrário, o acórdão recorrido violou o art. 496.º do Cód. Civil; 5. A improcedência do pedido de pagamento de diferenças salariais resultantes da falta de ocupação efectiva do Autor contraria manifestamente a lei e a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça; 6. Está assente nos autos a existência do direito a essas prestações retributivas, como o acórdão da Relação reconhece, sem que se tenha apurado o respectivo valor, por razões justificadas e não imputáveis a negligência do Autor; 7. Há, portanto, lugar a uma condenação ilíquida, remetendo-se essa quantificação para execução de sentença; 8. Decidindo em contrário, o acórdão recorrido violou o art. 661.°/2 do Cód. Proc. Civil.» Termina pedindo que seja «alterada a condenação da Ré por danos não patrimoniais para a importância de € 100.000» e a condenação da ré a pagar-lhe «as diferenças salariais pedidas, em montante a liquidar em execução de sentença».

    A ré não apresentou contra-alegação.

    Neste Supremo Tribunal, a Ex.ma Procuradora-Geral-Adjunta pronunciou-se no sentido da improcedência de ambos os recursos de revista, parecer que, notificado às partes, não teve...

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