Acórdão nº 09A0449 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 21 de Abril de 2009

Magistrado ResponsávelFONSECA RAMOS
Data da Resolução21 de Abril de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça AA intentou, em 26.11.1997, pelos Tribunais Cíveis da Comarca de Lisboa - actualmente 9ª Vara - acção declarativa comum de condenação, sob a forma ordinária, contra: "BB - Companhia Portuguesa de Seguros, S.A.".

Pedindo a condenação da Ré no pagamento de: 1) uma indemnização de 2.000.000$00 acrescida de indemnização pela mora à taxa legal de 10% ao ano, desde 05/04/1994 até integral pagamento; 2) as prestações mensais vencidas de 350.000$00 desde 05/04/1995 até à propositura da acção, acrescidas de indemnização pela mora à taxa de 10% ao ano até integral pagamento; 3) as prestações vincendas de 350.000$00 mensais até 05/04/2000, perfazendo 9.800.000$00, acrescida de indemnização pela mora à taxa legal de 10% ao ano, até integral pagamento.

4) a condenação da Ré como litigante de má fé numa indemnização não inferior a 1.000.000$00.

Para tanto alegou, em síntese, que celebrou com a Ré um seguro de acidentes pessoais que lhe confere o direito a, em caso de acidente gerador de invalidez permanente, receber de imediato 2 mil contos, seguido de uma renda mensal de 350 contos durante cinco anos.

Em finais de 2004 o Autor foi contratado por uma firma como despenseiro numa plataforma petrolífera, para a qual se deslocou, iniciando desde logo trabalho intenso.

Quando inventariava existências numa câmara frigorífica teve um desmaio, seguido de dormência de um braço e cefaleias, impedindo-o de trabalhar.

Deitou-se e acordou no dia seguinte paralisado do lado direito.

Foi internado num Hospital, transferido para outra Clínica e daí para Portugal, onde ficou internado em Santa Maria. Teve alta, algum tempo depois, mas ficou com uma atrofia dos músculos deltóides e hipostemia do lado esquerdo, o que significa uma quase paralisia total dos membros superiores.

Apesar de efectuar tratamentos e novos exames, o Autor jamais conseguiu melhoras significativas.

Contactada a Ré, esta deu a conhecer que entendia que a situação não era abrangida pelo seguro, por se tratar de doença profissional.

Mais tarde veio a Ré a recusar o pagamento defendendo que a situação não constitui acidente por resultar de uma acção continuada, previsível e evitável. Apesar de ter apanhado paludismo em África, o qual lhe foi detectado mal teve cuidados médicos, não foi esta a causa da paralisia que sofreu.

A Ré contestou, pugnando pela absolvição do pedido.

Defende que a incapacidade que afecta o Autor resulta de doença e não de acidente, tal como definido nas condições particulares do seguro em causa, pois resulta de acção continuada, previsível e evitável.

Realizou-se audiência preliminar onde, frustrada a tentativa de conciliação, foi proferido despacho saneador e seleccionada a matéria de facto assente e a base instrutória, não tendo havido reclamações.

Realizou-se perícia médico-legal. Foi rejeitado articulado superveniente apresentado pelo autor.

Determinou-se a realização de nova perícia.

Realizou-se audiência de discussão e julgamento e foi proferida decisão quanto à matéria de facto, que não mereceu reclamação.

*** A final foi proferida sentença nos seguintes termos: " Pelo exposto, julgo procedente a acção e, consequentemente:

  1. Condeno a Ré no pagamento da quantia de € 9.975,96 (nove mil, novecentos e setenta e cinco euros e noventa e seis cêntimos), acrescida de juros de mora, às sucessivamente vigentes taxa supletivas para os juros comerciais, desde a data da participação, 5 de Abril de 1995, e até integral pagamento.

  2. Condeno a Ré no pagamento da quantia de € 104.747,40 (cento e quatro mil, setecentos e quarenta e sete euros e quarenta cêntimos), correspondentes a cinco anos de rendas mensais de € 1.745,79 (mil, setecentos e quarenta e cinco euros e setenta e nove cêntimos), acrescidas de juros de mora, às sucessivamente vigentes taxas supletivas para os juros comerciais, desde a data de vencimento de cada uma das rendas, ou seja, de 5 de Abril de 1995 a 5 de Março de 2000, e até integral pagamento.

  3. Absolvo a Ré da peticionada condenação como litigante de má fé.

[...]".

*** Inconformada, a Ré recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por Acórdão de 9.10.2008, fls. 788 a 807 - IV Volume - negou provimento ao recurso e confirmou a sentença apelada.

*** De novo inconformada a Ré recorreu para este Supremo Tribunal, [juntando dois Pareceres de Eminentes Professores de Direito - fls. 889 a 933 e 934 a 974 -] e, alegando, formulou as seguintes conclusões: 1. Entre a ora Recorrente e o Recorrido foi celebrado um Seguro de Grupo, do Ramo Acidentes Pessoais, denominado "Seguro Preciso", titulado pela apólice n.°00000003, a que corresponde o certificado Individual n.°0000032; 2. Por meio de tal seguro, a ora Recorrente assumiu garantir a cobertura de lesões corporais sofridas pela Pessoa Segura, em consequência de Acidente emergente de Risco Profissional e Extra-Profissional, incluindo a utilização de meios de transporte regular e prática acidental de desporto como amador (cfr. Doc. n.°3 junto com a p.i.); 3. Sendo o «acidente» o factor que, no seguro de acidentes pessoais, faz surgir a obrigação de prestar a cargo da seguradora, ele foi definido pelas partes, na cláusula 2•a, § 2, das condições particulares, como sendo: o "acontecimento fortuito, súbito e anormal, devido a causa exterior e estranha à vontade da Pessoa Segura".

4. Para extrair um sentido interpretativo da definição de «acidente» que as partes realizaram no contrato, deve socorrer-se o intérprete do regime constante dos artigos 236.° a 239.° do Código Civil, que, na ausência de qualquer específica disposição das partes sobre a interpretação das suas declarações de vontade, configura o repositório dos instrumentos a utilizar na interpretação do negócio jurídico.

5. Nos termos do artigo 236.° do Código Civil, a interpretação de uma cláusula negocial deve ser feita em sentido objectivo, tal como seria entendida por «(...) um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário (...)" 6. Assim, determina-se, no artigo 236.°, n.° 1, do Código Civil, que a declaração vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, teria deduzido do comportamento do declarante.

7. Nos negócios formais não pode a declaração valer com um sentido que não tenha o mínimo de correspondência com o texto do documento, ainda que imperfeitamente expresso.

8. Analisada a definição de acidente de que as partes se socorreram, ressalta desde logo a circunstância de que optaram por utilizar na definição determinados conceitos de que o legislador também se socorre como elemento de normas jurídicas que consagra; utilizaram, portanto, conceitos jurídicos: «acontecimento fortuito»; «acontecimento súbito»; «acontecimento anormal»; «acontecimento devido a causa exterior» e «estranha à vontade da pessoa segura».

9. Ora, esses conceitos são conceitos jurídicos indeterminados, ou seja, são conceitos cujo conteúdo e extensão são em larga medida incertos, e que o legislador utiliza frequentemente nas normas que elabora como meio de consagrar um modelo de decisão, ao aplicador do Direito, que lhe permita adequar a rigidez das soluções consagradas nas normas jurídicas às características dos casos concretos.

10. As partes, no contrato constante dos Autos, utilizaram determinados conceitos jurídicos para a caracterização de uma determinada realidade, tendo pretendido socorrer-se do sentido que aqueles conceitos assumem nas normas em que se integram como um elemento da previsão das mesmas.

11. Por conseguinte, as partes socorreram-se da lei para utilizar conceitos no mesmo sentido que estes têm para aquela.

12. Ora, o conceito de evento fortuito significa o evento que o homem não pode prever, nem desviar naturalmente, ou seja, é um facto imprevisível e irresistível.

13. Para além da noção de "evento fortuito", de que se socorreram as partes, é patente a proximidade dos demais conceitos utilizados (evento súbito, anormal, derivado de causa exterior) dos que estão patentes, também na lei, a propósito dos acidentes de trabalho.

14. Tanto a sucessão de diversos diplomas legais sobre o tema, bem como o labor doutrinário e jurisprudencial, permitem fixar o acidente de trabalho como o que pressupõe que seja súbito o seu aparecimento.

15. O qual assenta numa ideia de imprevisibilidade quanto à sua verificação e deriva de factores exteriores.

16. O acidente de trabalho é, normalmente, causa de uma lesão corporal, física ou psíquica; mas, em determinados casos, pode estar na origem de uma doença.

17. Por seu turno, as doenças profissionais, que se encontram reguladas nos artigos 27.° e ss. da Lei n.°100/97 e no Decreto-Lei n.° 248/99, de 2 de Julho, resultam do exercício de uma actividade profissional.

18. Daí que, por via de regra, a doença profissional é de produção lenta e progressiva surgindo «de modo imperceptível».

19. Relativamente a tais conceitos, no domínio dos acidentes de trabalho, a subitaneidade não carece de ser absoluta, bastando que a ocorrência não seja de aparecimento lento e progressivo, por oposição ao que acontece com as doenças profissionais, como se referiu; e que a exterioridade deve ser vista como não inerente à própria pessoa da vítima.

20. Tendo em conta o sentido dos conceitos jurídicos utilizados pelas partes na definição de «acidente», constante do 2 da cláusula 2•a das condições particulares, há que compatibilizar duas situações: por um lado, a noção de evento fortuito com a noção de evento anormal, já que as duas situações podem apontar no sentido de imprevisibilidade, não sendo razoável aceitar que as partes tivessem utilizado dois conceitos distintos para significar uma mesma realidade; 21. Por outro lado, será necessário distinguir a «causa exterior» da que é «estanha à vontade da pessoa segura», já que um dos entendimentos de causa exterior, no regime dos acidentes de trabalho, é, precisamente, a independência relativamente à vontade da vítima do acidente.

22. Nessa linha, acidente, tal qual...

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