Acórdão nº 04P2494 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Janeiro de 2009
Magistrado Responsável | RAÚL BORGES |
Data da Resolução | 14 de Janeiro de 2009 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
No âmbito do processo comum com intervenção de tribunal colectivo n.º 1032/00.4GAEPS, do 1º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Esposende, integrante do Círculo Judicial de Barcelos, foi submetido a julgamento, a par de outros, o arguido AA, com os sinais identificativos dos autos.
Por acórdão de 4 de Abril de 2002, foi o arguido AA condenado pela prática de factos cometidos entre 01-12-2000 e 19-01-2001, pela co-autoria material de: - Um crime de furto qualificado, p. p. pelos artigos 203°, n° 1 e 204°, n° 2, alínea e), do Código Penal (penetrando em habitação por arrombamento), na pena de 2 anos de prisão; - Dois crimes de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203°, n.º 1 e 204.º, n.º 1, alínea f), do Código Penal (espaço fechado com rede), na pena, por cada um, de 180 dias de multa, à taxa diária de € 4,00; - Um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203°, n° 1, alínea a) e 204°, n° 2, alínea e), do Código Penal (penetrando em estabelecimento comercial por arrombamento), na pena de 2 anos de prisão; - Um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203°, n° 1 e 204°, n° 1, alínea a) e n° 2, alínea e), com referência ao artigo 202°, alínea a), todos do Código Penal (valor elevado e penetração em habitação por meio de arrombamento), na pena de 2 anos de prisão; - Um crime de ofensa à integridade física qualificada, na pessoa do ofendido BB, p. e p. pelos arts. 143°, n.º 1 e 146°, n.º 1 e n.º 2, em conjugação com o disposto no art. 132°, n.º 2, alínea f), do Código Penal, em concurso aparente com um crime de coacção, na forma tentada, p. e p. pelo artigo 154°, n°s 1 e 2, do mesmo Código, na pena de 5 meses de prisão.
Operando o cúmulo jurídico das penas parcelares referidas, foi o arguido condenado na pena unitária de 4 anos de prisão e 360 dias de multa à taxa diária de € 4, 00, ou seja, a multa global de € 1.440,00.
.Inconformado com a decisão, em 22-04-2002, o arguido interpôs recurso para o STJ, subscrito pela sua Advogada, Dr.ª CC, como consta de fls. 1486 a 1490, do 6º volume, esclarecendo então que a matéria de facto fixada pelo Tribunal Colectivo não merecia qualquer reparo nem tão pouco a subsunção jurídica da factualidade apurada em audiência de julgamento, limitando-se o recurso à questão da fixação concreta da pena.
Por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 27 de Junho de 2002, foi negado provimento ao recurso - fls. 1671 a 1689 do 7º volume - sendo o mesmo notificado à referida Advogada do arguido ora recorrente - fls. 1692.
A partir de 30-07-2002 (de acordo com os elementos dos autos - fls. 1811/2 e 1890 - o acórdão do STJ transitara em julgado em 19-07-2002), encetaram-se diligências para a captura do arguido, constando então que emigrara para parte incerta da Suíça - fls. 1776/8 e 1785/7.
Por despacho de 23-10-2002 é ordenada a notificação do arguido, nos termos do artigo 335º do CPP, ex vi do artigo 476º do mesmo Código, com emissão de novos mandados - fls. 1856.
Por despacho de 17-01-2003, a fls. 1992/6, do volume 8º, é declarada a contumácia.
Resultaram infrutíferas, com sucessivas negativas, as tentativas de detenção do arguido, v. g., fls. 2180 v.º, em 11-03-2003, fls. 2358 v.º, em 11-12-2003, fls. 2486 vº, em 27-05-2004, fls. 2542 vº, em 19-07-2004, avançando-se com emissão de mandado de detenção europeu (MDE) em 15-11-2004 (fls. 2611).
Após todas as iniciativas referidas, pressupondo naturalmente o trânsito em julgado, eis que o Ministério Público, em despacho de 31 de Maio de 2005, citando os acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 274/2003, 423/2003 e 503/2003, defende que não houve notificação pessoal do arguido e que, portanto, o acórdão da 1ª instância não transitou em julgado - fls. 2930/2, do 10º volume.
Manifestando plena e absoluta aquiescência com o douto ponto de vista do Mº Pº, o Juiz do processo, em despacho de 1 de Junho de 2005, declara a verificação de "irregularidade processual", consistente no facto de haver sido julgado como ausente e não ter sido notificado da sentença, produzindo efeitos a partir do momento em que se ordenou a emissão de mandados de detenção para cumprimento das penas aplicadas e em relação a toda a subsequente tramitação, mais declarando a cessação da contumácia e ordenando sua publicação e ainda a recolha, sem cumprimento, dos mandados de detenção europeu anteriormente emitidos - fls. 2933, do 10º volume.
Em 27-06-2005 o Mº Pº, partindo do pressuposto de que o acórdão não transitara em julgado em relação aos dois arguidos, opina pela aplicação de prisão preventiva ao arguido AA e co-arguido DD, "que se ausentaram para parte incerta para se furtarem à notificação do acórdão e às sanções penais a que foram sujeitos", referindo-os como "arguidos que ostensivamente fogem à justiça" - fls. 3151 a 3153.
A fls. 3169 e 3170, por despacho de 01-07-2005, a Sra. Juíza determina a prisão preventiva do ora recorrente, com emissão de novos mandados de detenção, nos termos do artigo 254º, n.º 1, alínea a), n.º 2 e 257º, do CPP, dirigidos novamente às autoridades policiais locais.
Mais uma vez, como era de prever, sobrevém certidão negativa, datada de 15-09-2005, apenas com a diferença de que agora se informa que o procurando se encontra actualmente a trabalhar na Alemanha - fls. 3248vº.
Novas diligências para obter informações sobre o paradeiro do arguido foram encetadas, sem êxito - fls. 3338/9 e despacho de 18-04-2006.
Estando o arguido posto em sossego em terras helvéticas, é notificado através de carta rogatória em 19 de Fevereiro de 2008 (fls. 3733), vindo o mesmo interpor recurso, em 5 de Março de 2008, para o Tribunal da Relação de Guimarães, apresentando a motivação de fls. 3697 a 3717 do 12º volume.
O recurso foi admitido em 25-03-2008, conforme despacho de fls. 3736.
O Ministério Público na 1ª instância respondeu, de acordo com o articulado de fls. 3783 a 3795, defendendo ser de negar provimento ao recurso.
O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto do Tribunal da Relação de Guimarães, em douto parecer de fls. 3804 a 3807, suscitou a questão prévia relativa a um pressuposto de conhecimento do recurso interposto, a recorribilidade da decisão impugnada, defendendo que o acórdão do STJ que confirmou o proferido na 1ª instância (conhecendo do recurso não obstante a sentença não ter sido notificada ao arguido) transitou em julgado.
Por acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 2 de Junho de 2008, constante de fls. 3860 a 3866, acolhendo e sufragando por inteiro o entendimento perfilhado pelo Mº Pº no sentido de que se firmou caso julgado material, sem que nada mais se oferecesse acrescentar, e transcrevendo o referido parecer, foi deliberado rejeitar o recurso.
Inconformado, o arguido veio então interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, apresentando a motivação de fls. 3925 a 3950, que remata com as seguintes conclusões (em transcrição, incluindo os realces): 1.ª QUESTÃO PRÉVIA 1 - O Tribunal de 1.ª instancia omitiu o seu dever de expor qual os fundamentos para, ponderando as vantagens e as desvantagens inerentes a tal procedimento, decidir realizar o julgamento do arguido, que não se encontrava pessoalmente notificado para a realização da respectiva audiência de julgamento, na sua ausência.
2 - Ao não fundamentar e ao não justificar a decisão de realizar a audiência de julgamento na ausência do arguido, incorreu o Tribunal de 1.ª instancia na prática da correspondente nulidade insanável.
3 - Entende o arguido/recorrente que omitindo o Tribunal de 1.ª instancia aquela imprescindível justificação e fundamentação, foi seriamente afectado o seu direito de defesa, tendo sido violado o conjugadamente disposto nos artºs 32 nº 1º, 5 e 6, art. 205º da C.R.P, artº 97º nº 4 do C.P.P.
4 - A falta de fundamentação para a assinalada decisão de fazer prosseguir a realização da respectiva audiência de julgamento na ausência do arguido, é nula por estar viciada da absoluta falta de fundamentação de facto e de direito, nos termos da aplicação conjugada dos arts. 97ºn.º 4, art. 333º n.º2 e 410º n.º2 do C. P. Penal.
5 - " A realização da audiência de julgamento sem a presença do arguido, devidamente notificada para tanto, embora sem que o juiz tenha tomado as medidas necessárias e legalmente admissíveis para obter a sua comparência consubstancia uma nulidade insanável" - "vide grataie" AC. do Supremo Tribunal de Justiça, de que foi relator o Juiz Conselheiro Soreto de Barros e tirado por unanimidade, de 24 de Outubro de 2007, in Col Jur., Ac. STJ, Ano XV, Tomo III/2007.
6 - Por tudo o exposto, não é caso e sempre salvo o devido respeito, para ignorando a sucessão de nulidades insanáveis que foram sendo praticadas, ao longo dos autos, vir agora e depois de ao mesmo ter sido finalmente notificada a sentença que o condenou - o que aconteceu apenas aos 19.2.2008 - , dar o dito por não dito e recusar-lhe o acesso ao fundamental e inalienável direito de - agora que ele próprio tomou consciência, ao fim de muitos anos, da gravidade e das consequências da condenação que lhe havia sido imposta - interpor recurso.
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QUESTÃO PRÉVIA 7 - Resulta claramente dos autos que o "primeiro" Recurso interposto pela defensora do arguido para este Supremo Tribunal de Justiça, o foi, de forma manifestamente extemporânea, na medida em que, tal infeliz passo processual foi dado sem que antes tivesse sido notificada a respectiva decisão condenatória ao arguido.
8 - O Acórdão antes proferido pelo S.T.J., na sequência do recurso extemporaneamente interposto apenas foi notificado à defensora do arguido, não tendo havido o cuidado de notificar pessoalmente ao arguido o teor, novamente condenatório, daquele Acórdão proferido.
9 - Ora, o arguido não pode, nem deve, ser "sancionado" por uma, outra e mais outra ainda omissão, para cuja ocorrência não teve qualquer "culpa", omissões sucessivas essas que contendem de forma directa e absoluta com os seus inalienáveis direitos e garantias de defesa e até inalienáveis direitos enquanto cidadão e sobretudo...
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