Acórdão nº 08B3962 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 09 de Março de 2009

Magistrado ResponsávelSALVADOR DA COSTA
Data da Resolução09 de Março de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

I AA intentou, no dia 19 de Maio de 2006, contra BB (Portugal) Fábrica de Sapatos, Ldª e CC, acção declarativa de condenação, com processo ordinário, pedindo a sua condenação solidária a pagar-lhe € 160 800.

Motivou a sua pretensão, por um lado, em contrato de trabalho celebrado em 1988 com a primeira ré com a categoria profissional de montadora de calçado e gaspeadeira, na alteração por aquela da sua categoria profissional em meados do ano 2000 para a de acabadora de calçado, na sua dificuldade respiratória em virtude de, nas suas novas funções, contactar com diversos produtos químicos e o diagnóstico de rinite não alérgica que posteriormente evoluiu para asma brônquica.

E, por outro, na circunstância de a doença ter resultado do trabalho prestado à ré por não ter diligenciado, designadamente através do réu, seu representante legal, de acautelar a sua saúde no meio laboral em que exercia aquela sua actividade, e no dano disso decorrente.

Os réus, em contestação, afirmaram não sofrer a autora de doença, designadamente profissional, contraída no trabalho, e ignorarem se sofre ou não de asma brônquica.

A autora, na réplica, negou o afirmado pelos réus, reiterando o que afirmara na petição inicial.

O Instituto de Segurança Social, IP reclamou dos réus o pagamento de € 2 125,69, com fundamento na doença da autora por ele subsidiada.

Por sentença, proferida no dia 11 de Outubro de 2007, foram os réus absolvidos da instância com fundamento na incompetência em razão da matéria em virtude de o conhecimento da questão da doença afirmada pela autora se inscrever na competência dos tribunais do trabalho.

Agravou a autora, e a Relação, através do relator, em decisão sumária proferida no dia 2 de Junho de 2008, negou-lhe provimento ao recurso, e houve decisão da conferência que, por acórdão proferido no da 8 de Setembro de 2008, manteve aquela decisão do relator.

Interpôs a autora recurso de agravo para este Tribunal, formulando, em síntese, as seguintes conclusões de alegação: - a recorrente alicerçou os pedidos em uma causa de pedir complexa, mas com o núcleo central de prática, pelo menos pelo recorrido, de um crime de ofensas corporais por negligência previsto no artigo 144º do Código Penal; - a questão não se centra em acidente de trabalho ou doença profissional, mas na prática de um crime no âmbito de uma relação laboral; - está em causa uma acção cível proposta em separado, porque a recorrida só pode ser responsabilizada civilmente e o crime dependia de queixa, excepções ao princípio da adesão; - como se trata de um facto jurídico de natureza penal, não consta da alínea c) do artigo 85º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, porque os tribunais do trabalho apenas têm competência para conhecer de matéria cível; - como é matéria essencialmente penal, a competência para conhecer da responsabilidade e consequências é dos tribunais comuns, conforme resulta do nº 3 da Base XVII da Lei nº 2127, de 3 de Agosto; - escolhida a via da dedução autónoma do pedido indemnizatório fundado em causa de pedir de natureza penal, tinha que o fazer no tribunal cível, que é o comum, nos termos do artigo 66º e 77º, alínea a), da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais; - ao decidir no sentido contrário, a Relação violou os artigos 66º, 77º, nº 1, alínea a), do Código de Processo Civil, 85º, alínea c), e 86º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, 18º, nº 2, da Lei nº 100/97, de 13 de Setembro, 144º, 152º, nºs 3 e 4, do Código Penal, 483º e 486º do Código Civil, e a Base XVII, nº 3, da Lei nº 2127, de 3 de Agosto, pelo que o acórdão deve ser revogado.

II É o seguinte o núcleo essencial da matéria de facto e de direito que a recorrente invocou na petição inicial: 1. Foi admitida ao serviço da recorrida em 5 de Abril de 1988, com a categoria profissional de montadora de calçado e gaspeadeira, e exerceu até Abril de 2006, com a remuneração média mensal de 100 000$ 2. Foi transferida em meados do ano 2000 para a secção de acabamentos por exclusiva conveniência organização da empresa, e mudada a sua categoria profissional para a de acabadora de calçado.

  1. Passou a contactar com diversos produtos químicos irritantes para a mucosa das vias aéreas, começando a apresentar dificuldades respiratórias após dois anos de exposição aos mesmos.

  2. Depois de estudo médico, concluiu-se ser uma doente com rinite não alérgica surgida após mudança de posto de trabalho para acabadora de sapatos, não apresentava evidência radiológica de sinusite e, apesar de não apresentar sintomas brônquicos, tinha prova de metacolina com valores no limite superior da normalidade.

  3. A autora foi ciente do risco de poder contrair asma brônquica se continuasse a exposição àqueles produtos, levou ao réu a informação médica, fez-lhe sentir os perigos que corria a sua saúde permanecendo naquele posto de trabalho e sugeriu-lhe a mudança para a primitiva secção de costura.

  4. O réu respondeu não poder fazer nada e que a autora se afastasse o mais possível dos produtos químicos, viu-se obrigada a trabalhar no mesmo posto de trabalho e a manter sensivelmente os mesmos padrões de exposição a tais produtos, agravando progressivamente a sintomatologia anterior.

  5. Voltou a pedir aos seus superiores hierárquicos que a mudassem de posto de trabalho, pedidos conhecidos do réu, por este irrelevados, apesar das situações de baixa se irem multiplicando em razão da necessidade de tratamento termal para debelar a progressão da doença.

  6. Apresentava, cerca de um ano e meio depois de ter pedido ao réu para mudar de posto de trabalho, queixas de dispneia com médios esforços, mantendo as nasais, pelo que voltou a ser acompanhada pelos serviços médicos hospitalares, que concluíram, em 13 de Fevereiro de 2006, padecer de asma...

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