Acórdão nº 82/03.3TBMTR-A.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 31 de Março de 2009

Magistrado ResponsávelSALVADOR DA COSTA
Data da Resolução31 de Março de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I A Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de ..., CRL intentou, no dia 22 de Fevereiro de 2003, contra AA e BB, por um lado, e CC, por outro, acção executiva para pagamento de quantia certa, com processo ordinário, a fim de haver deles a quantia de € 175 063, 62 e juros vincendos à taxa anual de 15,5%, com base em contrato de mútuo celebrado entre os dois primeiros e em contrato de fiança celebrado com a última.

A executada CC deduziu, no dia 10 de Março de 2003, embargos de executado, invocando, por um lado, a nulidade do referido contrato, sob o argumento de se destinar a fins não permitidos à mutuante e exequente, e, por outro, haver-se extinguido o contrato de mútuo que afiançara por virtude de contracção pelos outros dois executados de um novo contrato de mútuo de igual montante, e de que isso implicava a falta de titulo executivo contra ela.

A exequente, em contestação, afirmou, por um lado, enquadrar-se o mútuo na sua actividade, e que a consequência do não uso pelos mutuários do respectivo montante para o fim por eles indicado seria o imediato vencimento do crédito, e, por outro não ter existido novação do contrato, mas a sua mera prorrogação.

Na audiência preliminar, foi seleccionada a matéria de facto assente e controvertida, e realizou-se a audiência de julgamento, na sequência da qual, no dia 27 de Fevereiro de 2008, após alegações de direito, foi proferida sentença, por via da qual os embargos foram julgados procedentes e declarada extinta a fiança prestada pela embargante.

Apelou a embargada, a embargante ampliou o objecto do recurso, incluindo a decisão da matéria de facto proferida pelo tribunal da primeira instância, e a Relação, por acórdão proferido no dia 28 de Outubro de 2008, manteve a decisão da matéria de facto e acrescentou um facto provado por documento, revogou a referida sentença e julgou os embargos improcedentes.

Interpôs a apelada recurso de revista, formulando, em síntese, as seguintes conclusões de alegação: - a resposta aos pontos 3º e 10º da base instrutória deve ser alterada nos termos do artigo 729º, nº 3, do Código de Processo Civil, por, no primeiro caso, ser desconforme aos documentos 2 e 4 e contraditória com a resposta ao ponto 11º, e, no segundo, por a expressão executados englobar a fiadora e esta não ter intervindo no pagamento dos juros do capital mutuado e no pagamento de despesas de prorrogação do mútuo; - deve ser parcialmente alterada a resposta ao ponto 3º da base instrutória, retirando-se a expressão nos termos da proposta de crédito referida em 1, substituindo-se pela expressão nos termos da proposta de crédito constante do documento 4; - a resposta afirmativa ao ponto 10º da base instrutória deve ser parcialmente alterada, devendo a resposta ser no sentido de na mesma data - 30 de Dezembro de 1999 - os primeiros executados procederam ao pagamento de juros e despesas de prorrogação; - o quesito aditado pela Relação transcreve uma cláusula pré-impressa pela recorrida, inserida no verso do contrato de mútuo, uma condição geral, sujeita ao Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro, aplicável ao fiador, por se tratar obrigação acessória e ele poder, conforme o artigo 637º do Código Civil, opor ao credor todos os meios de defesa do devedor; - devia a Relação atentar na cláusula contratual décima, que implicaria a interpelação da recorrente pela recorrida para pagar, antes de, à sua revelia, ser mudada a data de vencimento da obrigação que afiançara; - não estava dispensado o acordo da recorrente ao que foi de novo convencionado entre a recorrida e os mutuários, e a cláusula geral considerada pela Relação, não assinada pela recorrente ou por outrem, não foi comunicada, pelo que lhe não é oponível; - como a recorrente não interveio no referido contrato, não lhe é oponível o novo prazo convencionado entre a mutuante e os mutuários, e é-lhe lícito, enquanto garante acessória da obrigação principal, invocar a alteração do prazo, para a qual não concorreu e só tomou conhecimento com a execução; - o documento de folhas 17 a 19 faz prova plena de que a recorrente o não subscreveu, e, nos termos do artigo 376º, nº 2, do Código Civil, as declarações que dele emanam constituem prova plena contra a recorrida; - como a recorrente não renovou, por escrito, a declaração de vontade manifestada a folhas 13 a 15, não lhe podem ser atribuídos, através desse documento, os mesmos efeitos daquela declaração, certo que só os mutuários solicitaram a prorrogação do mútuo; - nos termos do artigo 393º, nº 2, do Código Civil, tal documento não é susceptível de ser posto em crise por prova testemunhal, pelo que não é oponível à recorrente, porque consubstancia uma alteração unilateral do vencimento da obrigação, sem o seu consentimento ou adesão; - admitir que o novo documento da prorrogação do prazo, não assinado pela recorrente, lhe criara um vínculo, seria admitir a violação do princípio da relatividade dos contratos previsto no artigo 406º do Código Civil; - as modificações operadas unilateralmente pela recorrida na fiança subscrita pela recorrente conduziu à perda da garantia pela recorrida, ou seja, à sua extinção, pelo que todos os actos modificativos da fiança praticados pela recorrida após 30 de Dezembro de 1997, data do vencimento do mútuo afiançado pela recorrente, não lhe são oponíveis por ineficazes; - nos termos do artigo 628º do Código Civil, a vontade de prestar fiança deve ser expressamente declarada pela forma exigida para a obrigação principal, e o mútuo bancário é um contrato formal, sendo suficiente o documento escrito, nos termos do Decreto-Lei nº 32 765, de 29 de Abril de 1943; - a forma escrita exigida para os mútuos bancários estende-se, pelas regras gerais aos diversos elementos acessórios, e estando o mútuo sujeito a forma, também o está a fiança, e, não tendo merecido a adesão da recorrente a alteração unilateral do prazo do mútuo, a fiança carece da forma exigida pela lei; - como, nos termos do artigo 220º, é nula a declaração negocial que careça da forma legalmente prescrita, a fiança extinguiu-se nos termos do artigo 652º, ambos do Código Civil; - por maioria de razão, o artigo 652º do Código Civil aplica-se às duas situações, porque não seria conforme à unidade do sistema que, para uma mesma hipótese, quem mais expõe a riscos o seu património - quem não beneficia de excussão prévia - tivesse um tratamento mais desfavorável da lei a quem não expõe o património a tantos riscos, o que beneficia da excussão prévia; - a desoneração prevista no artigo 652º do Código Civil implica a prévia notificação feita ao credor para que actue contra o devedor, e este requisito não se verificou, porque a recorrida não só não interpelou a recorrente para pagar, após o vencimento da obrigação, no dia 30 de Dezembro de 1997, como alterou unilateralmente, à revelia da recorrente, o vencimento da obrigação para 31 de Dezembro de 2000; - não pode a recorrida retirar um benefício da violação de um dever de conduta - dever de informação ao fiador de que a obrigação vencida estava por pagar, sob pena de se sancionar um comportamento abusivo; - a alteração unilateral do prazo da fiança, desconhecida da recorrente, conduziu a um acréscimo da dívida que, a aceitar-se, equivaleria a um benefício do infractor, que o sistema não admite, sob pena de se estar a sancionar um comportamento abusivo.

Respondeu a recorrida, em síntese de conclusão de alegação: - o documento 4 junto com execução não é uma proposta de crédito nem é o titulo executivo, porque se trata do impresso da formalização da prorrogação do prazo; - a substituição da parte final da resposta ao ponto 3º da base instrutória não é possível, dado que o documento 4 junto à execução não constitui proposta de crédito, mas apenas o impresso onde foi formalizada a prorrogação do prazo; - como a recorrente não reclamou no prazo legal do teor do ponto 10º da base instrutória nem da sua resposta, é extemporânea a sua pretensão, e não há contradição entre as respostas aos pontos 10º e 11º; - a alteração ao ponto 10º da base instrutória é irrelevante, porque a matéria de facto assente e os documentos 1 e 2 juntos à execução - ponto 2.2 das condições gerais do contrato, por ela assinados, onde está estipulada a possibilidade de alteração do plano financeiro do contrato, demonstram que ela a aceitou e autorizou expressamente; - a recorrente não alegou nos embargos factos que, a provarem-se, permitissem qualificar o contrato como de adesão, sendo que lhe incumbia esse ónus, para que lhe fosse aplicável o regime jurídico do Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro; - não é um contrato de adesão, pois os mutuários e a fiadora não se limitaram a assiná-lo sem qualquer possibilidade de negociação das condições em que contrataram, porque contém condições negociadas, como o montante do mútuo, a taxa de juro nominal, líquida e de mora, a data da concessão, o prazo, o fim para que foi pedido o empréstimo, o tipo de garantia e várias outros espaços preenchidos manualmente; - mesmo que como tal fosse qualificado, a recorrente não alegou nos embargos factos relativos à violação pela recorrida do dever de comunicação, pelo que não pode agora impugná-los nesta sede por extemporaneidade; - a recorrente teve quinze dias para ler e analisar atentamente as condições do contrato antes de o assinar, tendo tido completo e efectivo o seu conhecimento de todas as condições, ou pelo menos tinha a obrigação de o ter sido, usando de normal diligência exigida aos aderentes; - cabia à recorrente a alegação da factualidade relativa à não comunicação das cláusulas contratuais gerais, e não alegou a violação de deveres pela recorrida, nem alteração unilateral do prazo do mútuo que afiançou nem que não fosse por si consentida; - a invocação por ela nos embargos da novação do mútuo é incompatível com a da violação do artigo 5º do Decreto-Lei nº 446/85, por alegadamente o contrato conter uma cláusula não subscrita por si, com base...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
2 temas prácticos
2 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT