Acórdão nº 09A0537 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 31 de Março de 2009

Magistrado ResponsávelMOREIRA CAMILO
Data da Resolução31 de Março de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: Nº 527 I - No Tribunal Judicial da Comarca da Covilhã, Torves - Comércio Têxtil, Lda, intentou acção declarativa com processo sumário, contra AA, pedindo a condenação do Réu a:

  1. Reconhecer à Autora o direito de propriedade desta sobre a cave e rés-do-chão do prédio urbano identificado na alínea a) do artigo 1º da petição inicial e reconhecer o direito de propriedade desta sobre o rés-do-chão do prédio urbano identificado na alínea b) do mesmo artigo 1º do mesmo articulado e ocupados abusivamente pelo Réu; B) Desocupar a citada cave e rés-do-chão dos prédios urbanos, restituindo-os livres e devolutos de pessoas e bens ao seu legítimo proprietário, a aqui Autora; C) Pagar à Autora os prejuízos que lhe causa com a ocupação da referida cave e rés-do-chãos e a quantificar em execução de sentença.

    Para fundamentar a sua pretensão, alegou, em síntese, que os prédios foram por si adquiridos na venda judicial efectuada nos autos de falência da Sociedade de Fabricantes, Lda (Processo n.º 499/04.6 TBCCVL do 3.º Juízo da Comarca da Covilhã), e que o Réu ocupa, indevidamente, desde 1 de Janeiro de 1998, a referida cave e rés-do-chão dos prédios.

    Na contestação, o Réu defende-se por impugnação, referindo que a "ocupação" está legitimada por um contrato de arrendamento comercial celebrado com a ora falida Sociedade de Fabricantes, Lda, sendo que a Autora, depois de se ter tornado possuidora dos referidos imóveis, recebeu rendas e emitiu os respectivos recibos de quitação, e que, em obras de beneficiação por si realizadas, gastou o valor de € 20.000,00, montante que pede em reconvenção, no caso de procedência da acção.

    Mais pede a condenação da Autora, como litigante de má fé, em multa e indemnização a seu favor, em valor não inferior a € 1.500,00.

    A Autora respondeu, defendendo a invalidade do contrato invocado pelo Réu, por não ter sido celebrado por escritura pública, concluindo pela improcedência do pedido reconvencional.

    Face à reconvenção, os autos passaram a seguir os termos do processo ordinário.

    A final, foi proferida sentença a julgar parcialmente procedente a pretensão da Autora, reconhecendo-lhe o direito de propriedade sobre a cave e rés-do-chão do prédio urbano identificado na alínea a) do artigo 1º da petição e sobre o rés-do-chão do prédio urbano identificado na alínea b) do artigo 1º do mesmo articulado, absolvendo, porém, o Réu dos pedidos de desocupação dos imóveis e do pagamento dos prejuízos causados com a ocupação, "atenta a existência de um contrato válido de arrendamento comercial celebrado entre o autor (ter-se-á querido dizer réu) e a Sociedade de Fabricantes", bem como a julgar improcedente o pedido reconvencional, "atenta a não restituição do arrendado à autora".

    Após recurso da Autora, foi, no Tribunal da Relação de Coimbra, proferido acórdão, segundo o qual se decidiu julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença recorrida.

    Ainda inconformada, veio a Autora interpor o presente recurso de revista, o qual foi admitido.

    A recorrente apresentou alegações, formulando as seguintes conclusões: 1ª - Vem o presente recurso interposto do douto acórdão recorrido, que manteve e sancionou o entendimento da douta sentença de primeira instância e considerou legítima a recusa de entrega do prédio, por parte do recorrido, por recurso ao instituto jurídico do abuso de direito.

    1. - O instituto do abuso de direito só deve intervir, enquanto válvula de segurança do sistema jurídico, para corrigir clamorosas ofensas do princípio da boa-fé e da consciência ético-jurídica dominante.

    2. - O instituto jurídico do abuso de direito na vertente da conduta contraditória deve avaliar a conduta presente, pois é sobre esta que incide a valorização negativa do comportamento.

    3. - No caso concreto a recorrente está a ser responsabilizada e sancionada por comportamentos e condutas anteriores de terceiros (ante-proprietária dos imóveis e massa falida).

    4. - Não foi a conduta da recorrente que causou o dano ao recorrido, pelo que inexiste nexo de causalidade que obsta à aplicação do instituto jurídico do abuso de direito.

    5. - A conduta da recorrente é legítima e está no exercício correcto de um direito de exigir a cessação da ocupação indevida e intitulada dos imóveis identificados na alínea a) do probatório do douto acórdão.

    6. - O douto acórdão recorrido, sempre com o devido respeito, fez uma errada interpretação do artigo 334º do Código Civil ao caso concreto.

    Contra-alegou o recorrido, defendendo a improcedência do recurso.

    Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

    II - Nas instâncias foram dados por provados os seguintes factos:

  2. A Autora Torves - Comércio Têxtil, Lda, é dona e legítima possuidora dos seguintes prédios, que são contíguos e ligados fisicamente: a) Prédio urbano, sito no Largo do Calvário, composto de rés-do-chão e 1º andar, com a área coberta de 70 m2 e logradouro de 20 m2, inscrito na matriz predial da freguesia do Tortozendo, concelho da Covilhã, sob o art.º 524, descrito na C.R. Predial sob o n.º 000000000 e inscrito a favor da...

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