Acórdão nº 08S3052 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 25 de Março de 2009

Magistrado ResponsávelBRAVO SERRA
Data da Resolução25 de Março de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)
  1. Pelo Tribunal do Trabalho de Lisboa instaurou AA contra FundaçãoBB, acção de processo comum, solicitando a condenação da ré a atribuir à autora funções docentes compatíveis com as suas habilitações profissionais, e a pagar-lhe a quantia, já vencida, de € 166.033,55, acrescida da que se vencer até decisão final, e juros.

    Para tanto, e em síntese, invocou que: - - ela, autora, foi admitida ao serviço da ré para desempenhar funções de professora na Universidade CC, pertença da mesma ré, de acordo com os programas e estruturas curriculares definidas por esta e que a mesma controlava, sujeita a determinados horários semanais, encontrando-se integrada na sua estrutura hierárquica, auferindo retribuições mensais, sobre as quais incidiam as deduções que se efectuam para os trabalhadores por conta de outrem, gozando férias remuneradas e sendo-lhe pagos subsídios de férias e de Natal; - a ré, no ano lectivo de 2004/2005, não atribuiu à autora serviço docente, não lhe tendo pago qualquer retribuição desde final de Agosto de 2004, à excepção de pagar parte da retribuição de Dezembro desse ano, mas tão-só em função da realização de provas orais, cujo pagamento era sempre feito por forma a acrescer à remuneração mensal, sendo que, desde Agosto de 2001 a Agosto de 2004, a ré lhe pagou remunerações menores do que as que lhe eram devidas, pelo que está em dívida a quantia reclamada.

    Contestou a ré, em súmula esgrimindo que firmou com a autora contratos de docência e não de trabalho, negócios jurídicos esses com afinidade com os contratos de prestação de serviço e dos quais não resultava qualquer subordinação jurídica da segunda à primeira, antes desempenhando a autora as funções decorrentes desses contratos com total autonomia técnica e jurídica, pelo que deveria o Tribunal do Trabalho ser considerado incompetente em razão da matéria para curar da acção; no mais, além de impugnar o articulado pela autora, sustentou que, para a hipótese de vir a ser entendido que os contratos outorgados entre a autora e a ré se deveriam perspectivar como contratos de trabalho, então haveria de considerar-se que eles caducaram em face de uma situação objectiva de impossibilidade, dado que, no ano lectivo de 2004/2005, a Universidade CC não teve quaisquer candidatos para o Curso de História em que a autora leccionava, pelo que se viu esta na contingência de suspender esse Curso.

    Prosseguindo os autos seus termos, após ter sido elaborado despacho saneador, que julgou improcedente a excepção de incompetência do Tribunal, veio, em 23 de Novembro de 2007, a ser proferida sentença que, julgando a acção improcedente, dela absolveu a ré dos pedidos.

    Inconformada, apelou a autora para o Tribunal da Relação de Lisboa.

    Esse Tribunal de 2ª instância, por acórdão de 21 de Maio de 2008, julgou parcialmente procedente a apelação, pelo que condenou a ré: - - a conceder à autora funções docentes compatíveis com as suas habilitações; - pagar a esta € 4.314,36, respeitantes a retribuições atinentes ao período decorrido de Abril a Setembro de 1992, e juros; - a pagar à mesma € 5.502,06, referentes a retribuições do período decorrido de Setembro de 2003 a Fevereiro de 2004, e juros; - a pagar-lhe o valor que viesse a ser liquidado, concernente a retribuições vencidas desde Setembro de 2004 a Julho de 2005, incluindo diferencial do subsídio de Natal de 2004, e vincendas, além de juros.

  2. Desse aresto pediram revista a ré e a autora.

    A primeira rematou a alegação que produziu com o seguinte quadro conclusivo: - "I. Vem o presente recurso de revista, interposto da decisão contida no Mui Douto Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa que[ ] julgou parcialmente procedente a acção intentada pela A, ora RECORRIDA, condenou a R., ora RECORRENTE[,] a conceder à primeira funções de docentes compatíveis com as suas habilitações profissionais, a pagar à primeira a quantia de € 4.314,36, respeitante a retribuições atinentes ao período decorrido de Abril de 1992 a Setembro do mesmo ano; a pagar o montante de € 5.502,06, respeitante a retribuições atinentes ao período decorrido de Setembro de 2003 a Fevereiro de 2004[ ] e[,] por último, a pagar o valor que se liquidar em incidente próprio[,] a t[í]tulo de retribuições vencidas desde Setembro de 2004 a Julho de 2005, incluído diferencial do subs[í]dio de Natal de 2004, bem como das vencidas até decisão final.

    1. Com efeito, o Mui Douto Tribunal ‘A quo' considerou que existiu entre a RECORRENTE e a RECORRIDA um contrato de trabalho subordinado, bem como concluiu que o contrato celebrado entre as partes se mantém em vigor, condenando, em consequência, a conceder à RECORRIDA funções de docentes compatíveis com as suas habilitações profissionais, a pagar à RECORRIDA a quantia de € 4.314,36, respeitante a retribuições atinentes ao período decorrido de Abril de 1992 a Setembro do mesmo ano; a pagar o montante de € 5.502,06, respeitante a retribuições atinentes ao período decorrido de Setembro de 2003 a Fevereiro de 2004[ ] e[,] por último, a pagar o valor que se liquidar em incidente próprio[,] a t[í]tulo de retribuições vencidas desde Setembro de 2004 a Julho de 2005, incluído diferencial do subs[í]dio de Natal de 2004, bem como das vencidas até decisão final.

    2. Sucede que[ ] a RECORRENTE não se conforma com a decisão do Mui Douto Acórdão do Tribunal ‘a quo', na parte relativa às questões referidas no ponto anterior.

    3. De facto, entende a RECORRENTE que o Tribunal ‘a quo' não decidiu o mérito das referidas questões da forma juridicamente devida e violou, respectivamente, o disposto nos artigos 10º do CT, 1152º e 1154º do Código Civil, 287º e ss. do Código do Trabalho, 790º do Código Civil.

    4. Salvo o devido respeito, jamais poderá resultar da matéria dada por provada[ ] que estamos perante a existência de um contrato de trabalho subordinado.

    5. Sendo embora incontestável que a subordinação jurídica é hoje considerada o critério fundamental para a distinção destes dois tipos contratuais, isto não significa que seja fácil de apurar a existência de tal elemento caracterizador do contrato de trabalho.

    6. Com efeito, tal critério consente, nos seus próprios termos[,] graduações subtis e que nem sempre levam a resultados esclarecedores.

    7. Na verdade, o trabalho autónomo é muitas vezes compatível com a orientação e fiscalização alheias, é muitas vezes inserido numa organização e organizado no espaço e temporalmente (como ocorre no caso do médico pago por avença) e é ini[]dentificável como obrigação de resultado (acompanhamento de litígio por advogado avençado).

    8. Por isso, o apuramento da subordinação não pode ser encontrado através do método subsuntivo, devendo sê-lo através do método tipológico, que consiste na procura de indícios que permite uma aproximação ao modelo típico.

    9. A obrigação de leccionar deve ser encarada como obrigação de resultado, não no sentido do resultado final (a aprovação dos alunos), mas antes no de resultado intermédio. O objecto do contrato é constituído pela prelecção de uma determinada disciplina num determinado número de aulas.

    10. Ainda que[ ] assim se não entenda, é preciso ter em conta que, apesar de ter de dar aulas num estabelecimento universitário e num horário pré-fixado, o trabalho de docente não se esgota nessa parte visível, tendo subjacente uma outra[,] constituída pelo estudo e preparação das aulas, correcção de trabalhos e, mais importante do isso, a própria investigação (conforme dispõe o artigo 63º, al. d) do Estatuto da Carreira Docente Universitária, aprovado pelo Dec.lei 448/79, de 13.11, conjugado com os artigos 52º e 53º da Lei nr. 62/2007, que aprovou o Regime Jurídico das Instituições do Ensino Superior, que de forma alguma está sujeita aqueles condicionalismos de tempo e lugar e cuja gestão cabe inteiramente ao próprio docente, sem controlo da Universidade.

    11. Ora, sendo essa também uma parte significativa, embora menos visível, da prestação devida pelo docente, nessa parte não pode, em bom rigor, considerar-se que o seu objecto seja um f[a]cere, que implique a disponibilidade, mas antes o resultado do trabalho intelectual, cuja conformação de modo, tempo e lugar fica na esfera da sua autonomia. Portanto, nessa medida, a prestação é, inequivocamente, de resultado.

    12. No que se refere à determinação do lugar da prestação, situando-se nas instalações da RECORRENTE, tal não podia obviamente deixar de ser assim, posto que[ ] a RECORRIDA era assistente numa Universidade e que as aulas devem ser ministradas nas instalações da Universidade, ou seja, no caso dos Autos, a actividade docente universitária tout cour[t] só pode naturalmente ter lugar num estabelecimento universitário.

    13. Também a própria sujeição ao horário, porque não pode deixar de existir, dada a natureza da prestação, não é suficiente para caracterizar a relação como de subordinação jurídica.

    14. No que se refere à remuneração em função do tempo, esta assume, no caso da RECORRIDA, uma particularidade que em regra não assume no contrato de trabalho: ela é medida precisamente pelo trabalho efectivamente prestado, ou seja, é aferida pelo resultado proferido (as horas lectivas acordadas em cada ano lectivo e que podem variar, como variaram, no que à RECORRIDA respeita, ao longo dos anos em que exerceu funções na UNIVERSIDADE CC[,] e não pela mera disponibilidade abstracta, como por exemplo sucederá no caso dos professores com vínculo, que recebem o vencimento correspondente à categoria que detenham, independentemente da carga horária de leccionação de aulas[ ] que em cada ano lectivo lhes possa ser distribuída e que pode variar.

    15. Ora, como ensina o Acórdão do S.T.J., de 29 de Maio de 2008, proferido no âmbito do Proc. 3898/07-4, a carga horária atribuída aos docentes da Universidade CC, encontra-se intrinsecamente relacionada com o número de discentes que se encontram inscritos em cada disciplina, em cada ano ou em cada semestre.

    16. Com efeito, as partes nunca se vincularam a um número mínimo de horas lectivas...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
28 temas prácticos
28 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT