Acórdão nº 09A0440 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 25 de Março de 2009

Magistrado ResponsávelURBANO DIAS
Data da Resolução25 de Março de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.

Relatório AA, SA, intentou acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra R...& C..., Lda., pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 44.475,20 e juros, a título de indemnização por alegada violação de um contrato que lhe impunha a obrigação de adquirir apenas produtos seus, em regime de exclusividade, o qual vigoraria até que, por esta, fossem adquiridos 100.000 litros dos produtos constantes do anexo I, ou até que decorressem 5 anos a contar da data da assinatura.

A R. defendeu-se por excepção, arguindo a ilegitimidade da A., a manutenção do contrato para além da data previamente fixada, a nulidade da cláusula 4.6, o abuso do direito por parte da A., a prescrição dos juros, e impugnou parte da factualidade vertida na petição.

A acção seguiu a tramitação normal até julgamento e, findo este, foi proferida sentença a julgar a acção totalmente improcedente.

Sem êxito, a A. apelou para o Tribunal da Relação de Lisboa.

Continuando irresignada, pede, ora, revista, a coberto da seguinte síntese conclusiva com que rematou a sua minuta: - A recorrente considera que houve matéria de facto que alegou e que é relevante para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito (cfr. artigo 511° do C.P.C.), que não foi levada à base instrutória pelo que requer a modificabilidade da decisão de facto pelo Tribunal da Relação; - A este propósito, a recorrente referiu a matéria dos artigos 31º e 32º da réplica, a qual tem interesse para a boa decisão da causa, na medida em que explica aquilo que o Tribunal de primeira instância não compreendeu, ou seja, por que razão é que, apesar da caducidade do contrato, a recorrente permitiu à recorrida continuar a consumir, em regime de exclusividade, os produtos por si comercializados.

- Apesar de versarem sobre o mesmo facto, a alínea P) dos Factos Assentes e o artigo 31º da réplica não têm o mesmo alcance, na medida em que, neste artigo, a ora recorrente alega as razões pelas quais a ora Recorrida continuou a adquirir os produtos da recorrente, pelo que, naturalmente, deveria ter sido levado à base instrutória.

- Do mesmo modo, ao contrário do que é defendido no acórdão recorrido, não se vislumbra qualquer contradição entre o teor dos artigos 31º e 32º da réplica.

- Resulta da cláusula 4.6 do contrato que "se no termo do prazo temporal do contrato o revendedor não tiver efectuado o volume de compras aqui estabelecido, a AA poderá exigir uma indemnização, pelo incumprimento, que por acordo se estipula ser igual ao valor das bebidas não adquiridas, considerando-se para o efeito, o preço praticado pela AA à data do incumprimento".

- Assim, num momento em que a recorrida já se encontrava numa situação de incumprimento definitivo do contrato escrito que tinha celebrado com a recorrente, as partes acordaram, simplesmente, que a recorrente não exigiria à recorrida a indemnização a que esta estava contratualmente obrigada, na condição da mesma continuar a adquirir os produtos a que se tinha anteriormente obrigado.

- É que a cláusula penal estipulada no contrato está na disponibilidade da recorrente, ou seja, ela não se vence automaticamente com o termo do contrato. Sublinhe-se que a cláusula 4a, nº 6 do contrato esclarece que a recorrente poderá exigir uma indemnização pelo incumprimento.

- Refira-se, ainda, que os artigos 45º, 46º, 48º e 49º da réplica também deveriam ter sido levados à base instrutória, na medida em que, em tais artigos, a recorrente explica por que razão é que a cláusula 4.6. não constitui uma cláusula penal abusiva.

- Contrariamente ao que é defendido pelo Tribunal da Relação, o artigo 45º da Réplica não encontra expressão nos artigos 13º, 14º e 15º da base instrutória, uma vez que o que se pretende provar com aquele artigo é a legitimidade do valor peticionado a título de cláusula penal, o que, indubitavelmente, não tem expressão nos aludidos artigos da base instrutória.

- Pela mesma ordem de razões, o artigo 46º da réplica deveria ter sido levado à base instrutória, na medida em que, contrariamente ao que é defendido no acórdão recorrido, não encontra a expressão relevante no artigo 14º da Base Instrutória.

- Os artigos 48º e 49º da réplica, apesar de não corresponderem a nenhum pedido formulado pela ora recorrente, constituem matéria de defesa à alegada nulidade da cláusula penal invocada pela ora recorrida, pelo que, tendo o tribunal o dever de indagar de todos os factos pertinentes à causa, os aludidos artigos deverão ser levados à base instrutória.

- Pelas razões acima expostas, torna-se, pois, indispensável que o Tribunal ad quem use dos poderes que lhe são conferidos pelo artigo 729º, nº 3 do C.P.C., remetendo o processo ao Tribunal da Relação para apuramento dos factos acima invocados, os quais se afiguram essenciais à decisão jurídica do presente litígio.

- Noutro plano, o entendimento do Tribunal da Relação - de que não existia qualquer obrigação por parte da R. de consumir 100.000 litros em cinco anos - assenta numa interpretação errónea do contrato objecto dos presentes autos.

- Da cláusula 1.1. do aludido contrato consta que a recorrida obrigou-se a adquirir "para revenda ao público e consumo no estabelecimento" de que era titular "produtos constantes do Anexo I nas quantidades e prazos previstos na cláusula 3".

- Era, pois, esta a cláusula que estabelecia a obrigação essencial do contrato, de aquisição dos produtos nele relacionados, que a recorrida aceitou, obrigando-se, assim, de acordo com ela.

- Por outro lado, a cláusula 3.a refere o seguinte "o presente contrato vigorará até que o Revendedor compre 100.000 litros de produtos constantes do Anexo I ou pelo prazo de 5 anos a contar da data da sua assinatura, consoante o que primeiro ocorrer".

- Assim, nesta cláusula 3.a, ficou consagrado o período de vigência do contrato, por referência a um prazo temporal de cinco anos e um limite quantitativo de 100.000 litros.

- E, por remissão para essa cláusula, ficou fixada, inequivocamente, a obrigação assumida pela recorrida na cláusula 1.1., devendo esta adquirir os produtos acordados "nas quantidades e prazos" nela mencionados; - Nenhuma dúvida pode restar de que a recorrida se obrigou, em cinco anos, a adquirir 100.000 litros dos produtos previstos pelo contrato, respondendo pelo incumprimento, caso não cumprisse tal obrigação.

- É certo que, verificando-se o decurso do prazo temporal estabelecido pela Cláusula 3.a do contrato, e qualquer que fosse a quantidade adquirida, esse contrato cessaria os seus efeitos, deixando de vigorar.

- Mas, nesse caso, o incumprimento da quantidade estabelecida faria nascer para a recorrida uma nova obrigação, sendo responsável, perante a recorrente, pela indemnização por incumprimento da cláusula 1.1., nos termos da cláusula 4.6. desse contrato; - Estabelece a cláusula 4.6. do contrato que "se no termo do prazo temporal do contrato o revendedor não tiver efectuado o volume de compras aqui estabelecido, a AA poderá exigir uma indemnização, pelo incumprimento, que por acordo se estipula ser igual a valor das bebidas não adquiridas, considerando-se, para o efeito, o preço praticado pela AA à data do incumprimento".

- É evidente que o contrato, ao ser atingido o limite temporal que demarcava a sua vigência, ou seja, após o decurso dos cinco anos nele previstos, cessou os seus efeitos, deixando de vigorar.

- Não está aqui em causa o regime previsto para o incumprimento do revendedor durante o período de vigência do contrato, nos termos das cláusulas 4.1., 4.2., 4.3., 4.4. e 4.5. do mesmo contrato.

- Nenhuma interpelação admonitória, nos termos da cláusula 4.6. do contrato carecia, pois, de ser feita à recorrida, nem seria possível, já, operar a resolução do contrato, por este não estar já em vigor; - Não obstante, com a cessação do contrato pelo decurso do seu prazo temporal, e não tendo sido adquirida a quantidade...

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