Acórdão nº 08S3260 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 25 de Março de 2009

Magistrado ResponsávelVASQUES DINIS
Data da Resolução25 de Março de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1.

AA, intentou, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, em 27 de Outubro de 2004, a presente acção emergente de contrato individual de trabalho com processo comum contra o Estado Português, pedindo: - A condenação do Réu a reconhecer a existência de uma relação de trabalho, titulada pelo contrato celebrado entre a Autora e a Direcção-Geral de Viação (DGV); - A declaração de ilicitude da cessação daquela relação laboral por iniciativa da DGV; - A condenação do Réu no pagamento à Autora de: - € 5.985,57, a título de subsídios de férias vencidos, e bem assim os vincendos; - € 14.964,00, a título de indemnização pela violação do direito de gozo de férias; - € 4.073,50, a título de subsídios de Natal vencidos, bem como os vincendos; - € 5.000,00, a título de indemnização substitutiva da reintegração; - € 5.000,00, a título de indemnização pela perda de rendimentos; - € 10.000,00, a título de indemnização, por danos não patrimoniais decorrentes do impedimento do gozo da licença de maternidade; - Juros de mora, à taxa legal.

Para tanto alegou, em resumo, que: - Celebrou com a DGV um contrato escrito denominado de "Contrato de Prestação de Serviços em Regime de Avença"; - Nos termos do referido contrato deveria a Autora prestar à DGV "o resultado do seu trabalho de consultadoria e de formulação de pareceres nos processos de contra-ordenação, no âmbito do Código da Estrada e demais legislação complementar"; - Não obstante o contrato acima referido previsse o exercício de funções pela Autora em condições de total autonomia, o certo é que por imposição da DGV, ao longo da relação contratual de facto estabelecida entre as partes, a Autora esteve sempre sujeita a ordens e instruções da DGV, pelo que na prática vigorou entre ambas um verdadeiro contrato de trabalho; - Tal contrato cessou por comunicação unilateral da DGV, e sem precedência de processo disciplinar, o que configura um despedimento ilícito; - Na vigência do mesmo contrato, a Autora nunca gozou férias, nem auferiu subsídios de férias, nem subsídios de Natal; - A DGV não lhe permitiu gozar férias, violando pois o direito às mesmas; - Na vigência do contrato, a Autora deu à luz um filho, mas a DGV não lhe permitiu gozar a licença de maternidade a que tinha direito, o que lhe causou grande perturbação emocional; - A quantia auferida pela Autora, ao serviço da DGV representava mais de 1/3 do seu rendimento mensal, pelo que o seu despedimento lhe causou desequilíbrio financeiro, e desgaste psicológico, devido à preocupação causada pela acentuada diminuição dos seus rendimentos.

Citado, em representação do Réu, o Ministério Público apresentou contestação, na qual, em síntese, aduziu o seguinte: - O contrato dos autos é um contrato administrativo de prestação de serviços em regime de avença, pelo que os tribunais competentes para a apreciação da presente causa são os tribunais administrativos, carecendo, por isso, o tribunal do trabalho de competência material para a apreciação da presente causa; - O mesmo contrato esteve em execução até uma data anterior a 19 de Outubro de 2003, sendo que o Réu só foi citado para a presente acção em 27 de Outubro de 2004, pelo que, caso se entenda tratar-se de um contrato de trabalho, mostram-se prescritos os créditos invocados pela Autora; - Vindo o contrato a ser qualificado como contrato de trabalho a termo certo, deverá considerar-se que, por força do disposto no artigo 47.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa e do Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 368/2000, não é possível a conversão dos contratos de trabalho celebrados com a administração pública em contratos de trabalho sem termo; - E, como contrato de trabalho a termo certo, o mesmo é nulo, nos termos do disposto nos artigos 14.º, n.º 1 e 43.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.º 427/89, de 07 de Dezembro, nulidade que conduz à improcedência dos pedidos de indemnização de antiguidade, ou de outra natureza; bem como dos pedidos de retribuições vencidas e vincendas desde a data do pretenso despedimento; - Entendendo-se que o contrato dos autos é de trabalho, a Autora deverá entregar à DGV o IVA cobrado durante a vigência do contrato, a apurar em liquidação em execução de sentença, operando-se a compensação; - O contrato dos autos é um "contrato de prestação de serviços", tendo a Autora proporcionado ao Réu, com inteira autonomia e liberdade, o resultado da sua actividade, sem vinculação a quaisquer ordens, instruções, ou directivas, pelo que nenhum dos pedidos formulados nestes autos procede.

Concluiu pela procedência da excepção dilatória de incompetência absoluta, com a sua consequente absolvição da instância, ou, quando assim se não entenda, pela procedência das excepções peremptórias, e pela improcedência da acção, e consequentemente pela sua absolvição de todos os pedidos.

A Autora apresentou articulado de resposta, pugnando pela improcedência das excepções invocadas pelo Réu e concluindo como na petição inicial.

No despacho saneador foi a excepção de incompetência absoluta julgada improcedente, tendo o tribunal relegado para a sentença a apreciação das excepções peremptórias e dispensado a selecção dos factos assentes e controvertidos.

O Réu impugnou aquele despacho, na parte em que julgou improcedente a excepção de incompetência absoluta, mediante recurso, admitido como agravo, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo, ao qual o Tribunal da Relação de Lisboa negou provimento.

Para ver o Réu condenado, também, no pagamento da importância de € 5.985,57, a título de retribuição de férias referente aos anos de 1999 até 2004, a Autora apresentou requerimento de ampliação do pedido.

Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, decidiu: «1- Declarar que entre a A. e o R./Direcção-Geral de Viação vigorou desde o início de Novembro de 1999 até 30/10/2003 (inclusive) um contrato de trabalho; 2- Declarar nulo o contrato de trabalho referido em 1-; 3- Condenar o R. a pagar à A.: a) € 1.995,20, a título de férias não gozadas e subsídio de férias vencidos em Maio de 2000; b) € 1.995,20, a título de férias não gozadas e subsídio de férias vencidos em 01/01/2001; c) € 1.995,20, a título de férias não gozadas e subsídio de férias vencidos em 01/01/2002; d) € 1.995,20, a título de férias não gozadas e subsídio de férias vencidos em 01/01/2003; e) € 11.971,20, a título indemnização pela violação do direito a férias; f) € 1.661,76, a título de proporcionais de férias e subsídio de férias correspondentes ao trabalho prestado em 2003.

g) € 166,26, a título de proporcionais de subsídio de Natal correspondentes ao trabalho prestado em 1999.

h) € 997,60, a título de subsídio de Natal do ano de 2000; i) € 997,60, a título de subsídio de Natal do ano de 2001; j) € 997,60, a título de subsídio de Natal do ano de 2002; k) € 830,88, a título de proporcionais de subsídio de Natal correspondentes ao trabalho prestado em 2003.

l) € 6.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais decorrentes da violação do direito ao gozo de licença de maternidade; m) Juros de mora sobre todas as quantias referidas nas als. a) a l), contados à taxa legal de 7% ao ano até 30/04/2003, e à taxa legal de 4% ao ano e correspondentes taxas legais subsequentemente em vigor, até integral pagamento, sendo que: i. Os referentes aos valores mencionados em a) a e), e g) a j) se contam desde as datas em que deveriam ter sido pagos; ii. Os referentes aos valores mencionados em f) e k) se contam desde 01/11/2003; iii. Os referentes aos valores mencionados em e) e l) se contam desde 27/10/2004.

4- Absolver o R. do demais peticionado.

» 2.

Tendo sido interposto recurso de apelação pelo Réu, a pugnar pela absolvição total dos pedidos, e, subordinadamente, pela Autora, visando obter a condenação daquele no pagamento da indemnização de antiguidade, o Tribunal da Relação de Lisboa concedeu parcial provimento ao recurso independente - reduzindo o montante da indemnização por danos não patrimoniais para € 2.500,00 - e negou provimento ao recurso subordinado.

Ambas as partes vieram pedir revista do acórdão da Relação, terminando as respectivas alegações com as conclusões que, a seguir, se transcrevem: Da revista do Réu: «1. A recorrida, na sua qualidade de advogada, celebrou com a DGV, em 22-10-99, um contrato de prestação de serviços, em regime de avença obrigando-se a proporcionar ao Estado o resultado do seu trabalho de consultoria e formulação de pareceres nos processos de contra-ordenação no âmbito de aplicação do Código da Estrada.

  1. O contrato foi outorgado na sequência do anúncio de abertura de um concurso público, datado de 29/04/1996, e publicado na imprensa e bem assim no Diário da República de 11/05/1996, "para a contratação, em regime de avença, de 112 juristas".

  2. A recorrida apresentou candidatura ao concurso referido em 2, tendo manifestado disponibilidade para outorgar o acordo escrito anunciado nos termos das comunicações escritas constantes de fls. 5 e 17 do Anexo 1 apenso aos presentes autos, e datadas de 04/06/1996.

  3. No contrato outorgado e que vigorou entre as partes a recorrida, conforme a cláusula 1.ª, tal como os restantes advogados, obrigou-se a proporcionar ao Estado, o resultado do seu trabalho de consultoria e a formulação de pareceres jurídicos, nos processos contra-ordenacionais, no âmbito do Código da Estrada.

  4. A recorrida, dada a sua qualidade de Advogada, (profissão que exercia à data em que se candidatou e continuou a exercer, em todo o tempo em que desempenhou funções para a DGV, e em paralelo com estas), sabia bem qual o sentido e alcance do contrato de Avença que celebrou com a DGV.

  5. Quer pelo clausulado, quer pelas condições de execução, a recorrida, sabia corresponderem ao nome que lhes foi dado pelas partes: contrato de prestação de serviços em regime de avença.

  6. Aliás, não faz sentido nem poderia aceitar-se, até por total...

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