Acórdão nº 07B3607 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 19 de Março de 2009

Magistrado ResponsávelMARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Data da Resolução19 de Março de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça: 1. Por sentença da 4ª Vara Cível da Comarca do Porto, de fls. 1765, foi julgada procedente a acção proposta por AA Lda. (a que se juntaram outros condóminos, por intervenção espontânea) contra BB e outros, e, na sequência de intervenção provocada (despacho de fls. 577), contra Optimus - Telecomunicações, SA, anteriormente denominada Main Road - Telecomunicações, S.A., sendo decidido "declarar a anulabilidade das deliberações aprovadas pela Assembleia de Condóminos realizada em 22 de Maio e 3 de Junho de 1998, bem como todos e quaisquer contratos que com base nelas tenham sido ou venham a ser celebrados com terceiros, designadamente a Optimus - Telecomunicações, SA." O pedido de anulação fora deduzido a título subsidiário - o pedido principal era de que fossem "declaradas nulas e de nenhum efeito" as mesmas deliberações e os mesmos contratos -, com fundamento em não terem sido aprovadas, nem por unanimidade dos condóminos, o que seria necessário por afectarem a utilização de partes comuns, nem sequer por 2/3 dos votos representativos do valor total do prédio, que corresponderiam a 646 votos (porque a deliberação de dar de arrendamento uma parte comum exige aprovação por unanimidade e porque o contrato que, em concreto, está em causa implica a alteração do fim a que se destina a parte comum afectada e a instalação de equipamento pesado e prejudicial para a saúde e priva os condóminos de acederem ao local).

Conforme alegado na petição inicial, trata-se de deliberações de aprovação da "instalação e funcionamento de antenas no telhado do prédio, para efeitos de telecomunicações por telefones móveis, mediante retribuição" (aprovada por 502 votos a favor, com 212 votos contra e 39 abstenções), de uma "proposta (...) destinada a ser ‘celebrado o contrato' de arrendamento ‘proposto' pela Main Road Telec., S.A., ‘no mais curto prazo' (...)", aprovada por 475 votos, com 150 votos contra, e da "minuta do contrato de arrendamento, bem como sua celebração com a interessada Main Road, Telecomunicações, S.A., para instalação, exploração comercial e funcionamento de antenas e mais equipamento de telecomunicações, na parte do telhado do bloco do prédio (...)", votada por 510 votos a favor e 121 votos contra.

A autora esclareceu ainda ter sempre estado presente e ter votado contra as deliberações.

Na contestação, os réus refutaram a exigência de unanimidade. Em síntese, e além de invocarem ser abusivo o exercício de um eventual direito por parte da autora, alegaram que o arrendamento deliberado era um acto de administração ordinária, nem sequer carecido de ser submetido a assembleia de condóminos, quanto mais de ser aprovado por unanimidade; a entender-se que lhe seria aplicável o regime definido para as inovações, que resultaria da conjugação entre os artigos 1425º e 1432º, nº 4, do Código Civil, que as deliberações teriam sido aprovadas pela maioria legalmente exigida; que a instalação aprovada não importa qualquer risco, nem de interferência com quaisquer equipamentos, nem de perigo para a segurança do prédio ou a saúde de quaisquer pessoas e encontra-se devidamente licenciada.

Quanto à interveniente Optimus - Telecomunicações, S.A., apresentou o articulado de fls. 608. Aceitou expressamente a contestação referida, pronunciou-se sobre os factos relevantes e invocou falta de causa de pedir contra si e abuso de direito por parte do autor e dos intervenientes.

Houve réplica.

Por despacho de fls. 995, foi admitida, a título de ampliação da causa de pedir, a alegação, na mesma réplica, de factos relativos a "trabalhos realizados por Main Road, Telecomunicações, S.A." Em resumo, a sentença considerou que: "As deliberações em questão visaram a aprovação de um contrato de arrendamento que tem por objectivo o telhado do prédio construído em propriedade horizontal, ao qual se aplica o disposto no art. 1024º, 2º, C. Civil.

Assim, só com o consentimento de todos os condóminos a assembleia podia aprovar o uso da cobertura do edifício para a instalação e funcionamento da estação base de telecomunicações, e o inerente contrato de arrendamento com a Main Road.

A não observância desta formalidade acarreta a ineficácia relativamente aos consortes que não deram o seu assentimento - conf. Prof. Vaz Serra, ano 100º pág. 201 e ac. STJ, 19.1.84, BMJ, 333 e 428 e7.2.95, CJ/STJ, I, 67 (...).

A colocação do equipamento no telhado do edifício constitui inovação.

Este contrato de arrendamento do telhado visa a instalação de material de telecomunicação, o que sendo inovação acarretaria de igual modo para a sua aprovação o número de votos correspondentes a 2/3 do valor total do prédio - art. 1425º, nº 1 C. Civil.

Tendo em conta o título constitutivo junto a fls. 10 a 51 e acta e docs. juntos a fls. 52 e segts. tal não ocorreu.

O título constitutivo da propriedade horizontal é precisamente o instrumento jurídico ao qual compete em 1ª linha definir as relações entre os condóminos e fixar, nomeadamente, não só o fim a que se destina cada uma das fracções do prédio, mas também a sua composição ou individualização, enquanto unidades independentes, distintas e isoladas entre si, com saída própria para uma parte comum do prédio ou para a via pública (art. 1414º, 1415º e 1418º, C. Civil.

Às deliberações em que se exige a mencionada qualificação de 2/3 não é aplicável o disposto no art. 1432º, 4º, C. Civil, não podendo ser aprovada por uma maioria menor (...).

Esta maioria qualificada não foi observada consequentemente são anuláveis nos termos do art. 1433,º C.C., não podendo subsistir.

Além de ineficazes são também anuláveis." 2. Por acórdão do Tribunal da Relação do Porto foi negado provimento, quer ao agravo interposto a fls. 1118, quer às apelações de fls. 1783 e 1788.

Também em síntese, e no que respeita às apelações, o acórdão da Relação afastou a aplicação do disposto no nº 2 do artigo 1024º do Código Civil, entendendo, portanto, não ser exigida a unanimidade para a aprovação das deliberações impugnadas; mas considerou que "eventuais alterações a realizar nas partes comuns do prédio ou sua afectação (ainda que parcial), como aquelas que foram referidas, correspondem a uma oneração ou limitação das anteriores utilidades das partes comuns (e não propriamente uma alteração do fim), exigindo, não obstante, e só por isso, prévia autorização da assembleia de condóminos que fosse aprovada por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio - art. 1422º nº 3.

Além disso, correspondem também a inovações - art. 1425º.

Na verdade, no conceito de inovação cabem as alterações introduzidas na substância como na forma das coisas, como as modificações relativas ao seu destino ou afectação que beneficiem ou prejudiquem algum condómino, pelo que, nos termos do art. 1425º não são admitidas, a menos que as deliberações das assembleias de condóminos que as tenham aprovado contem cumulativamente com uma dupla maioria: a maioria dos condóminos (maioria numérica) e a maioria qualificada de dois terços do valor do prédio (dois terços do capital investido no edifício).

Nessa situação estaria portanto qualquer deliberação que visasse o arrendamento de espaço comum que necessariamente implicasse algumas dessas alterações." Acresce, entendeu ainda o acórdão, "que ficou provado que a instalação de antenas de transmissão de telecomunicações móveis terrestres em parte comum do prédio são um foco permanente de radiações, e que não são seguras nas proximidades onde estão instaladas." Assim, e considerando não fazer sentido ser menos exigente neste caso do que se estivesse em causa a instalação "de uma simples tabuleta, um tolde, um simples aparelho de ar condicionado exterior, ou uma marquise", o acórdão concluiu de novo ser necessária a referida dupla maioria".

Sendo que "a deliberação atinente à instalação e funcionamento das antenas no telhado do prédio para efeitos de telecomunicações, embora tenha reunido a maioria dos condóminos, só reuniu 51,8% dos votos representativos do valor total do prédio"; que "na mesma situação é apanhada a deliberação relativa à celebração do contrato com a Main Road (neste caso apenas aprovada com 49% dos votos representativos do valor total do prédio)", que não é aplicável o disposto no nº 4 do artigo 1432º do Código Civil, e que não houve "manifestação" posterior suficiente para se poder ter por completada a maioria necessária (aplicação, por analogia, dos nº 5 a 9 do mesmo artigo 1432º), as deliberações são anuláveis, podendo a anulabilidade ser decretada porque "a anulação vem pedida por quem votou contra as deliberações".

A terminar, o acórdão recorrido esclareceu não estar, nem alegada, nem provada matéria de facto que permita concluir pela existência de abuso de direito.

  1. BB e outros, a fls. 2399, e Optimus - Telecomunicações, S.A, a fls. 2402, recorreram para o Supremo Tribunal de Justiça.

    A fls. 2456 foi proferido novo acórdão da Relação, indeferindo o requerimento de reforma e de arguição de nulidade parcial do acórdão, apresentado por Optimus - Telecomunicações, S.A.

    Os recursos foram admitidos como revista, com efeito meramente devolutivo.

  2. Nas alegações que apresentaram, BB e outros formularam as seguintes conclusões: "1ª- O douto Acórdão recorrido violou, por errada interpretação, o disposto nos artigos 264º, nº 2, 659º, nº 3 e 660º, nº 2, do Código de Processo Civil, sustentando-se em factos que, ou não foram alegados na acção, ou não podem considerar-se provados, e conheceu de questões que não lhe foram submetidas.

    1. - Dos elementos dos autos não resulta provado qualquer prejuízo para a segurança do edifício decorrente da colocação do equipamento de telecomunicações na sua cobertura.

    2. - Crêem mesmo os recorrentes que o facto contrário, de o peso do equipamento não afectar a estrutura do prédio, se deve ter como confirmado, não só pelo relatório do Instituto de Soldadura e Qualidade de fls. 460, como pela circunstância de não ter sido invocado nos autos, durante os...

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