Acórdão nº 08B2972 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Março de 2009

Magistrado ResponsávelSERRA BAPTISTA
Data da Resolução12 de Março de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

1 ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: AA veio intentar acção, com processo ordinário, contra BB, "O ....... GLOBAL, EDIÇÃO DE PUBLICAÇÕES PERIÓDICAS, S.A." e CC, pedindo: a) a condenação solidária da 1ª e da 2ª ré no pagamento da quantia de € 60 000, a título de danos não patrimoniais sofridos; b) a condenação solidária da 2ª e da 3ª ré no pagamento da quantia de € 40 000, a título de indemnização por danos não patrimoniais sofridos; c) a condenação das rés no pagamento de juros vencidos e vincendos, desde a data da publicação das notícias em apreço.

Alegando, para tanto, e em suma: No dia 8/2/2002, o jornal O ....... publicou na primeira página uma manchete intitulada "J....... com queixa crime ...", com impressão da fotografia do autor, tendo a Ré BB, na qualidade de jornalista e directora do mesmo periódico, na página 2, na secção de política, redigido e assinado um artigo de desenvolvimento da referida notícia, com utilização, também aí, de fotografia do autor.

Nele fazendo ao autor, então Secretário de Estado da Administração Marítimo-Portuária, imputações falsas quanto à pendência de investigação criminal relativa a factos em relação aos quais o mesmo estaria envolvido.

Sendo aí descrito pela 1ª ré como pessoa desonesta, agente de actos criminosos, não qualificado para ocupar cargos políticos.

Bem sabendo tal ré da falsidade dessas imputações.

A 2ª ré é a proprietária do jornal O ........

No dia 1/3/2002, o mesmo jornal, publicou na 3ª página um artigo intitulado "Irmãos J..... unidos nos portos", escrito e assinado pela 3ª ré CC, jornalista, apresentado numa caixa do canto superior esquerdo da 1ª página, com o título"AA deu ao irmão DD um estudo de 42 mil contos, através da AIP, sem concurso".

Tais títulos criam uma suspeita de favorecimento imputável ao autor, que não corresponde ao sentido dos factos descritos no texto.

Sabendo a 3ª ré que assim induzia em erro o leitor comum, gerando uma ideia errada sobre o autor, que, também por isso, se sentiu ofendido na sua honra, consideração pessoal, dignidade e respeito, enquanto pessoa e titular de cargo político.

Citadas as rés vieram contestar, sustentando a verdade dos factos relatados na notícia de 8/2/2002, os quais revestem interesse público, não existindo por parte da 1ª ré qualquer intenção de ofender o autor na sua honra e bom nome, mas tão só relatar factos que pelo seu interesse público e enquanto jornalista tinha o dever/direito de relatar.

Não tendo a ré apresentado o autor como pessoa corrupta, desonesta, agente de actos criminosos e não qualificada para ocupar cargos políticos.

Desconhecendo a 3ª ré quem foi o responsável pelos títulos da notícia que subscreveu e que foram insertos na 1ª página.

Versando a notícia sobre factos verdadeiros, sem qualquer intenção de insinuar favorecimento de parte do autor em relação ao irmão.

Não tendo, também, o A. alegado efectivos prejuízos, nem estabelecido nexo de causalidade entre os mesmos e o artigo pela 1ª ré escrito.

Replicou o autor, com fundamento no "alegado exercício de um direito" por banda das rés e "em alegadas excepções peremptórias não especificadas separadamente".

Mantendo a pretensão de condenação das rés nos termos peticionados.

Foi proferido despacho saneador, tendo sido fixados os factos tidos por assentes e organizada a base instrutória.

Na sequência da declaração de falência da 2ª ré "O .......", foi a instância julgada extinta quanto à mesma, por inutilidade superveniente da lide.

Realizado o julgamento foi decidida a matéria de facto da base instrutória pela forma que do despacho de fls 997 a 1007, rectificado a fls 1009, junto aos autos consta.

Foi proferida a sentença, na qual, na parcial procedência da acção, foi a ré BB condenada a pagar ao autor a quantia de € 25 000, a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros, contados desde a data de tal decisão. Nela se absolvendo a ré CC do pedido.

Inconformada, veio a ré BB interpor recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, o qual, na sua procedência, revogou a sentença de 1ª instância, na parte em que a condenou, também a absolvendo do pedido.

Agora irresignado, veio o autor pedir revista para este STJ, formulando, na sua alegação, as seguintes conclusões: 1ª - A decisão recorrida concedeu provimento ao recurso interposto pela ora Recorrida, revogando a decisão que a havia condenado ao pagamento de uma indemnização no montante de € 25.000, a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros à taxa legal de 4% desde a data da sentença e até integral pagamento.

  1. - Embora o Tribunal recorrido tenha considerado indubitavelmente verificada a prática de um facto ilícito pela Recorrida que consistiu na publicação de uma notícia falsa sem que tivesse usado da diligência que era exigível no caso concreto para aferir da sua fidedignidade, decidiu que não estava comprovada a existência de danos não patrimoniais na esfera jurídica do Recorrente que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.

  2. - Face à matéria de facto dada como provada não pode o ora Recorrente conformar-se com tal decisão.

  3. - Muito embora a decisão recorrida encerre uma irrepreensível análise doutrinária e jurisprudencial da questão da ressarcibilidade do dano decorrente da lesão ilegítima e ilegal dos direitos de personalidade, a verdade é que, quando aferiu da aplicabilidade de tal doutrina ao caso concreto da violação dos direitos de personalidade do Recorrente, o Tribunal "a quo" efectuou uma errada subsunção do Direito aplicável aos factos considerados provados.

  4. - Na verdade, está considerado provado, não tendo nem a ora Recorrida nem o Tribunal recorrido exprimido qualquer juízo de censura face a tal circunstância, que "O Autor sentiu-se ofendido na sua honra, consideração pessoal, dignidade e respeito (ponto 20) uma vez que, na qualidade de titular de cargo político, foi alvo de imputações falsas de intensa gravidade (ponto 21). As imputações do artigo referido, acompanhadas da imagem do Autor, permitem a identificação imediata da pessoa do Autor como o agente dos factos descritos em tal artigo (ponto 22). A 1ª Ré, no artigo referido, imputa ao Autor, no exercício do cargo político de que era titular, a responsabilidade sobre a falência da ......... (ponto 24), A 1ª Ré, através das referidas imputações, descreveu - implicitamente - o Autor como uma pessoa corrupta (ponto 25), desonesta (ponto 26), agente de actos criminosos e não qualificada para ocupar cargos políticos (ponto 27)." 6ª - Os direitos do Autor/Recorrente que foram violados pela actuação ilícita da Ré/Recorrida reconduzem-se à categoria genérica de Direito de Personalidade, sendo que esta categoria de direitos tem assento constitucional, na lei ordinária interna e ainda supranacional.

  5. - De facto, a nossa Constituição erige como fundamento, anterior e superior da legitimação da República soberana que é Portugal, a dignidade da pessoa humana (art. 1°).

  6. - Sendo que no Capítulo da Lei Fundamental reservado aos Direitos, Liberdades e Garantias, a inviolabilidade da integridade moral e física das pessoas (art. 25°, nº 1) é proclamada imediatamente após a inviolabilidade da vida humana (artº 24°).

  7. - Tal como referem Gomes Canotilho e Vital Moreira em anotação ao artigo 26° da CRP "o direito ao bom nome e reputação (n. °1) consiste essencialmente no direito a não ser ofendido ou lesado na sua honra, dignidade ou consideração social mediante imputação feita por outrem, bem como no direito a defender-se dessa ofensa e a obter a competente reparação" (sublinhado do recorrente).

  8. - Já ao nível da lei ordinária rege nesta sede o disposto no artº 70° do Código Civil que assegura a tutela legal contra qualquer "ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral. " 11ª- Tutela esta também reconhecida pela Declaração Universal dos Direitos do Homem (art. 12°) e pela Convenção Europeia dos Direitos do Homem (art. 8°).

  9. - Ou seja, a tutela da honra, consideração pessoal, dignidade e respeito de uma pessoa é indiscutível e assume particular relevância no que aos direitos de personalidade concerne.

  10. - No cerne da categoria geral de direitos de personalidade, a tutela da honra é erigida como particularmente importante: "Entre os bens mais preciosos da personalidade moral tutelada no art. 70° CC figura também a honra, enquanto projecção da consciência social do conjunto de valores pessoais de cada indivíduo, desde os emergentes da sua mera pertença ao género humano até aqueloutros que cada indivíduo vai adquirindo através do seu esforço pessoal".

    "O direito à honra é uma das mais importantes concretizações da tutela e do direito de personalidade.

    A honra é um preciosíssimo bem da personalidade. A honra é a dignidade pessoal pertencente à pessoa enquanto tal, e reconhecida na comunidade em que se insere e em que coabita e convive com as outras pessoas... (sublinhado do recorrente).

  11. - Tal como se pode ler na decisão recorrida a ofensa que o Autor/Recorrente sofreu, e que se encontra sobejamente comprovada nos autos, situa-se ao nível do "sentimento individual de honra própria à honra interna".

  12. - Acolhendo a decisão recorrida a distinção doutrinariamente construída entre a honra externa e a honra interna.

  13. - A honra na vertente externa pode ser definida como a consideração de que uma pessoa goza ou merece no seio da comunidade em que se insere e a honra na vertente interna traduz-se no respeito e consideração que cada pessoa tem por si própria.

  14. - Porém, e após constatar que o Autor/Recorrente foi ofendido, lesado na sua honra, o Tribunal recorrido considerou que "ora, ter-se o A./recorrido, sentido ofendido, nada nos diz quanto à dimensão da correspondente turbação ou sofrimento psicológico porventura padecidos, designadamente no que respeita à sua intensidade e persistência.

    Poder-se-á ter tratado de um sentimento mais ou menos ligeiro, passageiro, rapidamente ultrapassado.

    (. . .) Ou poderá não ter tal sentimento...

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