Acórdão nº 08B4010 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Março de 2009

Magistrado ResponsávelSANTOS BERNARDINO
Data da Resolução12 de Março de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.

AA e mulher BB intentaram em 04.02.98, no Tribunal Judicial da comarca de Gondomar, contra T... - P... E..., S.A.

e K... DE P... - S... de E... e C... I..., L.da, acção com processo ordinário, pedindo que as rés sejam solidariamente condenadas a pagar-lhes o montante indemnizatório de 4.700.000$00, com juros de mora à taxa legal desde a citação.

Alegaram, para tanto, que no prédio urbano de que são donos, e onde residem, sito na Travessa do ...., lugar de B..., M..., Gondomar, foram produzidos danos vários, que especificam, em consequência de fortíssimos rebentamentos com explosivos, entre Março e Setembro de 1995, em terrenos a menos de 500 metros de distância, onde a 2ª ré, sob a supervisão e fiscalização da 1ª, dona da obra, levava a efeito a construção da denominada "Central T... de C... C... da T... do O...". Os custos da reparação dos danos ascendem a 3.200.000$00, tendo a habitação sofrido uma desvalorização não inferior a 500.000$00; e, para além desses danos, também a tranquilidade e o bem estar físico e psíquico dos autores, que são pessoas idosas, foram fortemente abaladas ao longo dos sete meses em que ocorreram os rebentamentos, o que constitui dano não patrimonial, que deve ser indemnizado com quantia não inferior a 500.000$00, devendo ainda ser indemnizados por igual montante, pelos gastos que a presente acção lhes acarretará.

As rés contestaram.

Defendeu-se a primeira, excepcionando a sua ilegitimidade e impugnando a matéria de facto alegada pelos autores, sustentando, em síntese, que não existe relação de causa-efeito entre as detonações e as anomalias no prédio destes, sendo também inexistentes quaisquer danos não patrimoniais com gravidade bastante para merecerem a tutela do direito.

Requereu ainda a intervenção acessória das seguintes sociedades, membros do consórcio construtor da Central: - S... A..., - S..., S.A., e - K... T... GMBH.

A segunda ré alegou que as obras de construção da Central foram realizadas por empresas especializadas no sector, com quem celebrou contratos de empreitada, e que foram as responsáveis pela execução dos diversos trabalhos de construção civil inerentes à implantação da dita Central, não tendo ela, ré, qualquer intervenção nas concretas operações de detonação, mas sabendo que estas foram realizadas no estrito cumprimento das normas legais e regulamentares em vigor na matéria, não podendo os alegados danos no prédio dos autores ter sido causados por tais detonações.

Requereu ainda a intervenção acessória das sociedades que executaram os trabalhos, a saber - SOMEC - S... M... de C..., S.A., e - Sociedade de E... A..., S.A.

O chamamento requerido pela primeira ré foi indeferido; mas a intervenção requerida pela segunda foi admitida, tendo sido ordenada a citação destas duas sociedades, agora referidas, nos termos do n.º 1 do art. 332º do CPC.

Na sequência da operada citação veio a chamada Sociedade de E... A..., S.A.

apresentar contestação, em que alega ter usado de especiais cautelas na execução dos trabalhos, designadamente dos que envolveram o recurso a explosivos, sempre feito com rigorosa observância das normas legais de utilização dos mesmos e dos procedimentos de segurança nelas exigidos. Impugnou os factos alegados pelos autores, e requereu a intervenção acessória da COMPANHIA DE SEGUROS I..., com a qual diz ter celebrado um contrato de seguro de responsabilidade civil do ramo "Montagem - Construção - Máquinas", tendo por objecto os trabalhos da empreitada que levou a cabo.

Também contestou a SOMEC - S... M... de C..., S.A.

, alegando, antes de mais, que, por sentença transitada em julgado, homologatória de deliberação da Assembleia de Credores que aprovou a providência de recuperação de empresa, requerida, em processo próprio, pela chamada, foi estabelecido o modo de pagamento, aos credores, dos respectivos créditos - pelo que, a vir a ser condenada na presente acção, deverá, quanto ao pagamento do crédito dos autores, observar-se o caso julgado formado pela dita sentença. Acrescentou que os rebentamentos a que procedeu não foram aptos a provocar os danos alegados pelos autores, e foram levados a cabo com estrita observância das normas existentes.

Foi proferido, de seguida, despacho judicial, indeferindo a requerida intervenção acessória da Companhia de Seguros I... - decisão de que a requerente do chamamento interpôs recurso de agravo, que foi admitido, com subida imediata e em separado, mas a que foi negado provimento.

Os autores apresentaram ainda respostas às contestações, e, no seguimento normal do processo, veio a ser proferido o despacho saneador - no qual, além do mais, foi julgada improcedente a excepção de ilegitimidade da ré T..., bem como a excepção de caso julgado invocada pela SOMEC - e operada a selecção da matéria de facto, com a indicação dos factos assentes e os inseridos na base instrutória.

Em 28.04.2003, já na fase de produção da prova (pericial), os autores vieram requerer a intervenção principal das sociedades - SOMEC - S... M... de C..., S.A. e Sociedade de E... A..., S.A. - já admitidas como partes acessórias. Tal requerimento foi indeferido, por despacho judicial que reputou extemporânea a dedução do incidente.

Os autores agravaram desse despacho, e o recurso foi admitido, com subida imediata e em separado, e com efeito meramente devolutivo.

Efectuada a audiência de julgamento, foi proferida sentença julgando a acção improcedente, por não provada, com a consequente absolvição das rés do pedido.

Os autores interpuseram, da sentença, o pertinente recurso de apelação.

Sem êxito o fizeram, já que a Relação do Porto, em acórdão oportunamente proferido, julgou improcedente o recurso, confirmando a sentença recorrida.

Ainda inconformados, os autores trazem agora a este Supremo Tribunal recurso - de revista - do acórdão da Relação.

E, no remate das respectivas alegações de recurso, formulam, em síntese, as seguintes conclusões: 1ª - Existe uma conexão segura entre a produção dos danos provados e os rebentamentos ocorridos, como flui dos factos provados (respostas aos quesitos n.os 14, 15 e 18), sendo ainda certo que, em três outros processos com a mesma causa de pedir, foi tal conexão estabelecida e a ré K... condenada a indemnizar os lesados; 2ª - A ré K... está obrigada a indemnizar os autores, pelos danos causados no imóvel (€ 7.210,00 mais IVA), já que, verificando-se presunção legal de culpa, nos termos do art. 493º/2 do Cód. Civil, a ré não ilidiu tal presunção; 3ª - Foi à ré K... que foi confiada a área de construção civil da Central T... da T... do O..., dentro do consórcio contratado com a ré T..., como dona da obra, com vista a posteriormente iniciar a sua actividade de produção de energia eléctrica. E, conforme ficou provado nos aludidos processos com a mesma causa de pedir, a ré K... fiscalizava toda a obra e tinha intervenção no processo de rebentamentos, ultrapassando, em muito, o que integra o poder de fiscalização do empreiteiro, mantendo, a todo o momento, os poderes de controlo e direcção; 4ª - Os recorrentes provaram ter adquirido o prédio onde ocorreram os danos - provaram não só a aquisição derivada (por sucessão mortis causa), mas também a aquisição originária do domínio por parte do antecessor; 5ª - Ademais, o objecto principal da acção não incide sobre o direito de propriedade dos autores, e se havia irregularidade do articulado deveria ter o juiz convidado ao seu suprimento, nos termos do n.º 2 do art. 508º do CPC; 6ª - A ré K... deve ser condenada a pagar a indemnização peticionada a título de danos não patrimoniais, no valor de € 2493,98, face aos factos dados como provados, dos quais decorre que, durante sete meses, 3 a 4 vezes por dia, os recorrentes tiveram de suportar as fortes explosões levadas a cabo, o seu ruído e vibrações inerentes, o que lhes causou um mal-estar físico e psíquico, um estado de ansiedade e de intranquilidade permanente; 7ª - E deve ser ainda condenada nos juros de mora desde a citação, à taxa legal.

Em contra-alegações, a ré K... DE PORTUGAL - Serviços de E... e C... I..., L.da pugna pela improcedência do recurso.

Corridos os vistos legais, cumpre agora decidir.

  1. Vêm, das instâncias, provados os factos seguintes: 1) A "T... - P... E..., S.A." é dona da Central E... a G... N... da T... do O..., em construção no lugar de B..., M..., em Gondomar (Alínea A) dos Factos Assentes); 2) A "T..." contratou com terceiros a construção da central com vista a, depois de concluída e recebida a obra, iniciar a actividade de produção de energia eléctrica (Alínea B) dos Factos Assentes); 3) A construção está a cargo de um consórcio de empresas, entre as quais a 2ª ré (Alínea C) dos Factos Assentes); 4) Assim, à segunda ré cabia o desenvolvimento dos trabalhos de construção civil necessários à instalação da central termoeléctrica (Alínea D) dos Factos Assentes); 5) Para a execução dos trabalhos de construção civil, a ré "K... de P..." celebrou contratos com empresas especializadas em construção civil (Alínea E) dos Factos Assentes); 6) Concretamente, a "K... de P..." contratou a interveniente "Somec" para que esta realizasse as obras inerentes à ensacadeira, edifício da tomada de águas e estruturas de rejeição do sistema de arrefecimento (Alínea F) dos Factos Assentes); 7) E contratou a interveniente "Sociedade de E... A..., SA" para que esta executasse todo o desmonte da rocha e escavações para a constituição das plataformas e implantação da Central (Alínea G) dos Factos Assentes); 8) A "Somec" e a "Sociedade de E... A..." desempenharam a sua actividade no âmbito de contratos celebrados com a ré "K..." entre 08.02.95 e 30.11.95 (Alínea H) dos Factos Assentes); 9) Na realização dos trabalhos para cuja realização foi contratada a "Somec", foram efectuados quebramentos de rocha submersa com detonações dentro da água (Alínea I) dos Factos Assentes); 10) Pelo menos depois de finais do Verão de 1995 a "Sociedade de E... A..." iniciou a execução dos...

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