Acórdão nº 08P2057 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 25 de Fevereiro de 2009

Magistrado ResponsávelSOUSA PEIXOTO
Data da Resolução25 de Fevereiro de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: 1. M...-Cash & Carry Portugal, S. A.

, por apenso à execução para pagamento de quantia certa contra si instaurada por AA (em que este reclama a quantia de € 63.791,39, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos sobre € 62.950,52, montante este alegadamente não pago de transacção judicial celebrada entre as artes), veio deduzir oposição à execução, nos termos do art. 91.º do CPT, pedindo: a) a extinção da execução e o levantamento da penhora efectuada sobre o seu depósito bancário; b) a condenação do exequente a pagar-lhe uma indemnização pelos danos causados pela propositura da execução, correspondentes ao custo de imobilização do saldo penhorado na referida conta bancária, o qual, de outro modo, teria sido transferido em 31.07.2006 para conta onde iria auferir juros à taxa de 3,75% por ano, cujo valor, na data, foi computado em € 260,78, e ainda dos juros que se vencerem até ao levantamento da penhora, bem como no pagamento de multa correspondente a 10% da quantia exequenda, nos termos do disposto no art. 819º do CPC; c) a condenação do exequente no pagamento de multa por litigância de má fé, e indemnização à executada, compreendendo as despesas no processo, incluindo os honorários dos seus mandatários.

Alegou, em síntese, que cumpriu integralmente o acordo celebrado com o exequente em sede de transacção, dado que estava legalmente obrigada a reter na fonte e entregar à Administração Fiscal, como fez, a quantia que descontou na verba ajustada na transacção, tendo-lhe, por isso, pago o que lhe devia.

O exequente/requerido respondeu nos termos constantes de fls. 63 e seguintes, sustentando que a quantia acordada não estava sujeita a retenção de IRS na fonte, que essa quantia (€ 285.000,00) era a que, efectivamente, devia receber e que a executada litigava de má fé.

O exequente concluiu no sentido da improcedência da oposição e pediu a condenação da executada/oponente a pagar-lhe: 1. O montante de € 22.031,57, acrescido das eventuais despesas e prejuízos que venha a ter até final do processo e dos juros de mora que se vencerem até ao efectivo e integral pagamento a título de indemnização originada por responsabilidade civil; 2. O valor de € 2.091,50 e dos juros de mora que se vencerem até ao efectivo e integral pagamento, a título de indemnização por litigância de má fé.

Foi proferida sentença, a fls. 305/307, que: (i) julgou procedente a oposição à execução e, em consequência, declarou extinta a execução e ordenou o levantamento imediato da penhora efectuada a fls. 21/22 da execução; e (ii) absolveu do pedido ambas as partes quanto ao mais.

Inconformado, apelou o exequente, pedindo a revogação dessa decisão, com a improcedência da oposição à execução e a condenação da executada no que havia peticionado na resposta à oposição.

A oponente/executada apresentou contra-alegações, defendendo a improcedência da apelação do exequente. E interpôs recurso subordinado, em que pediu a condenação do exequente nos termos que peticionara em b) e c) do requerimento de oposição, acima referidos.

Por seu douto acórdão, a Relação do Porto: - julgou parcialmente procedente o recurso interposto pelo exequente AA e revogando, nessa parte, a decisão recorrida, julgou improcedente a oposição à execução; - manteve quanto ao mais tal decisão; - julgou prejudicado o conhecimento do recurso subordinado interposto pela executada/oponente.

Inconformada com a decisão, a executada dela interpôs recurso de revista, tendo nas alegações apresentadas formulado as seguintes conclusões: A. Na transacção realizada em sede de audiência de partes a recorrente obrigou-se a proceder ao pagamento do montante de € 285.000,00 (duzentos e oitenta e cinco mil euros), a título de compensação de natureza global pela cessação do contrato de trabalho, montante que incluiria o valor do pedido por danos não patrimoniais, cuja quantificação não foi objecto de acordo.

  1. Não resulta da letra do termo de transacção, nem da acta da audiência de partes, a intenção de salvaguardar e garantir que o ora recorrido iria receber a título de danos não patrimoniais o montante de € 230.000,00 e o montante de € 55.000,00 pela cessação do contrato de trabalho.

  2. Em conformidade com o disposto no artigo 99.º, n.º 1 do Código do IRS, a recorrente, enquanto entidade devedora de rendimento do trabalho dependente, estava obrigada a reter o imposto no momento do seu pagamento ou colocação à disposição, sendo a determinação do montante a reter efectuada mediante a aplicação da taxa constante da tabela de retenção na fonte aplicável.

  3. Nos termos do disposto no artigo 2.º, n.º 4, do Código do IRS, relativo aos rendimentos da categoria A (trabalho dependente), o montante da compensação de natureza global pela cessação do contrato de trabalho está sujeito a tributação na parte que exceda o valor correspondente a uma vez e meia o valor médio das remunerações auferidas pelo trabalhador nos últimos 12 (doze) meses, multiplicado pelo número de anos correspondentes à antiguidade.

  4. O artigo 2.°, n.º 4, do CIRS expressamente qualifica como rendimento do trabalho dependente "qualquer indemnização resultante da constituição, extinção ou modificação da relação jurídica laboral", sendo que, nos termos do acordo alcançado, o valor da indemnização a título de danos não patrimoniais está incluído na compensação global pela cessação do contrato de trabalho.

  5. O Acórdão recorrido refere que o artigo 9.°, n.º 1, al. b) do CIRS dispõe que "constituem incrementos patrimoniais, desde que não considerados rendimentos de outras categorias as indemnizações que visem a reparação de danos não patrimoniais, exceptuadas as fixadas por decisão judicial ou arbitral ou resultantes de transacção, de danos emergentes não comprovados e de lucros cessantes, considerando-se neste último caso como tais apenas as que se destinem a ressarcir os benefícios líquidos deixados de obter em consequência da lesão".

  6. No entanto, este mesmo artigo limita a sua aplicação a factos tributários "não considerados rendimentos de outras categorias", tendo assim a categoria de norma residual.

  7. Também o artigo 12.° do CIRS, relativo à delimitação negativa da incidência, refere, expressamente, que tal delimitação não se aplica "sempre que neste Código se disponha de forma diferente".

    I. A quantia paga está abrangida pela previsão do artigo 2.°, n.º 3, al. e) e n.º 4 do CIRS, o qual não ressalva a aplicação preferencial de outras normas do Código, constituindo assim lex specialis relativamente aos referidos artigos 12.° e 9.°, n.º 1, al. b).

  8. Nestes termos, a recorrente pagou integralmente a quantia acordada na transacção homologada em audiência de partes, tendo apenas efectuado os descontos legais a que se encontrava obrigada, correspondentes à retenção na fonte do imposto devido, no montante de € 60.473,52 (sessenta mil quatrocentos e setenta e três euros e cinquenta e dois cêntimos).

  9. Em cumprimento do disposto no artigo 98.°, n.os 2 e 3, do Código do IRS, a quantia retida pela recorrente foi entregue nos cofres do Estado em 17 de Março de 2006.

    L. A não retenção e consequente não entrega de imposto retido sobre a compensação paga, poderia ser considerada pela Administração Fiscal como uma situação de fraude à lei, com o que a transacção poderia mesmo ser anulada nos termos do artigo 38.°, n.º 2 da Lei Geral Tributária, para além das cominações decorrentes da não retenção, como responsabilidade subsidiária e juros indemnizatórios.

  10. Não se vislumbra que do texto da transacção se possa retirar ser líquida (em termos tributários, os que aqui importam) a quantia a pagar pela recorrente: desde logo, porque esta expressão não é ali utilizada.

  11. O próprio Supremo Tribunal de Justiça entendeu já que as indemnizações por danos não patrimoniais no âmbito de contratos de trabalho são créditos laborais, aos quais se aplicam os prazos prescricionais da responsabilidade contratual, com o que não se vislumbra como podem ter um tratamento fiscal diferenciado.

  12. Note-se que a liquidez tributária é um plus relativamente à realidade de uma dada quantia, e não uma característica geral inerente a todas as quantias, indiscriminadamente. Assim, a liquidez tributária teria de ser expressamente referida pelas partes pelo que, na ausência de menção especial, a vontade destas foi a da aplicação do regime geral.

  13. As normas jurídicas tributárias impõem-se às normas de direito privado, não podendo ser acordado o seu afastamento em simples contratos: apenas nos contratos fiscais feitos directamente com o Estado se admite esta possibilidade.

  14. A recorrente, ao proceder como fez, acautelou sempre o cumprimento da lei, não prejudicando o recorrido, uma vez que este sempre poderia obter a devolução do montante retido em excesso, o que certamente terá feito.

  15. Era intenção da recorrente não defraudar a Lei, pelo que entendeu reter e entregar ao Estado o imposto, à taxa legal, de modo a ser a Administração Fiscal a fazer a qualificação daqueles rendimentos, devolvendo-os ou não ao recorrido conforme entendesse tratar-se ou não de rendimentos do trabalho, com o que a resolução da questão ficaria com aqueles a quem verdadeiramente interessa - o recorrido e a Administração Fiscal - sem que consequências negativas pudessem ser imputadas à recorrente.

  16. De facto, a retenção na fonte tem a natureza de pagamento por conta do imposto devido a final, ou seja: caso não houvesse lugar ao pagamento de qualquer imposto, tal montante seria integralmente devolvido ao recorrido por força do mecanismo do reembolso de imposto.

  17. Com efeito, se o recorrido está convicto de que o seu rendimento está sujeito a isenção fiscal - uma excepção, note-se, e não a regra - porque não solicita o reembolso à Administração Fiscal? Para tanto, bastará não declarar na sua declaração anual de rendimentos a quantia recebida da ora recorrente, com o que a Administração Fiscal fará automaticamente o ajustamento do imposto...

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