Acórdão nº 08S2460 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 25 de Fevereiro de 2009

Magistrado ResponsávelPINTO HESPANHOL
Data da Resolução25 de Fevereiro de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1.

Em 5 de Agosto de 2003, no Tribunal do Trabalho de Almada, AA instaurou a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho contra BB, S. A., pedindo que, declarada a inexistência da causa de caducidade do contrato de trabalho alegada pela ré e considerada a cessação do contrato de trabalho com esse fundamento como despedimento ilícito, fosse a ré condenada a reintegrá-lo no seu posto de trabalho ou a pagar-lhe uma indemnização substitutiva, bem como a pagar-lhe as retribuições vencidas e vincendas e a quantia de € 5.000, a título de danos não patrimoniais.

A acção, contestada pela ré, foi julgada procedente, tendo a sentença do tribunal de primeira instância declarado a ilicitude do despedimento, por não subsistir motivo para a cessação da relação laboral por caducidade do contrato de trabalho, condenando a ré a reintegrar o autor no seu posto de trabalho, sem prejuízo da sua categoria, antiguidade e retribuição, bem como a pagar-lhe «as retribuições vencidas e vincendas, desde 4 de Junho de 2003 e até efectiva reintegração, por referência ao vencimento base mensal de € 951,97, incluindo-se o subsídio de refeição (no valor diário de € 5,16) e o subsídio nocturno (valor a liquidar em execução de sentença)» e, ainda, a quantia de € 5.000, a título de indemnização por danos não patrimoniais.

  1. Inconformada, a ré interpôs recurso de apelação, que a Relação de Lisboa julgou improcedente, confirmando a decisão recorrida, sendo contra esta decisão do Tribunal da Relação que a ré agora se insurge, mediante recurso de revista, ao abrigo das conclusões seguintes, explicitadas na sequência de convite dirigido à recorrente, com vista a «reduzir, muito significativamente, o número das conclusões produzidas na alegação do recurso, apresentando, de forma sintética, os fundamentos do recurso, e a completar as sobreditas conclusões com a especificação das normas jurídicas que considera violadas e do sentido com que, no seu entender, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido aplicadas»: QUANTO À NULIDADE DO ACÓRDÃO RECORRIDO: «1. O Douto Acórdão em crise enferma de nulidade que inquina a sua regularidade e subsistência, por ser ostensiva e manifesta a contradição entre o seu sentido decisório e os seus fundamentos.

  2. Com efeito, estribando-se nos juízos científicos constantes do Relatório do IML junto aos autos, conclui-se ser o Autor APTO para o exercício da profissão de maquinista.

  3. Todavia, discute-se[,] de seguida, se a incapacidade anotada ao Autor teria natureza absoluta e definitiva.

  4. Deixando-se por fim escapar, ter sido aconselhável repetir os testes cujos resultados foram médio-negativos.

  5. Ora, a análise do carácter absoluto e ou definitivo da incapacidade pressupõe, intrínseca e axiologicamente, a sua existência, dado não fazer sentido que alguém verifique se a incapacidade de um trabalhador dado como APTO é absoluta e ou definitiva.

  6. Por outro lado, é incongruente e contraditório propender-se para a repetição de testes, quando se consigna, expressa e insofismavelmente, que o trabalhador foi considerado APTO por uma "Junta médica realizada pelo IML, entidade independente e imparcial".

  7. Deste modo, enferma o Douto Acórdão em crise de insanável contradição, o que o torna nulo, por força do disposto na alínea c) do n.º 1 do art. 668.º do Cód. Proc. Civil, uma vez que só pode estribar o seu sentido decisório numa, e numa única preposição, ou considera o trabalhador APTO, ou o considera INAPTO, mas não de forma absoluta e definitiva.

  8. E desse sentido decisão dependerá a sorte da condenação por danos morais.» QUANTO AO RESTANTE OBJECTO DO RECURSO: «1. Está documentalmente provado com força de caso julgado formal (ponto 15) que o Autor, em 2003, foi considerado INAPTO para o exercício da profissão de maquinista.

  9. Por ter resultado dos exames e testes efectuados ao Autor e melhor identificados nos autos, que o mesmo [...] não conseguiu processar (pelos estímulos sensoriais e não da visão) correctamente a informação visual, nem possuía capacidade de atenção vigilante, factores objectivamente indispensáveis para quem conduz um comboio.

  10. E não obstante se encontrar nos autos um Relatório do IML, certo é que o seu teor e as suas conclusões não foram levadas à matéria dada como assente, donde não deter qualquer valor probatório, nem dentro, nem fora do processo.

  11. Uma vez que, como constitui Doutrina pacífica, a mera fundamentação da decisão (veja-se por todos Castro Mendes, Direito Processual Civil III, 1980, AAFDL, pág. 282 e segs) não faz caso julgado.

  12. Acresce que sempre seria duvidoso que o Relatório do IML constituísse verdadeira e própria perícia, dado não terem sido efectuados quaisquer testes ou provas destinadas à aferição da específica aptidão funcional para o exercício da profissão de maquinista.

  13. E nem mesmo o exame efectuado pelo Hospital Miguel Bombarda abala esta conclusão, dado que o mesmo se limitou a concluir, como é hábito em exames de patologia forense, que o Autor não padecia de enfermidade psíquica ou psicológica impossibilitante.

  14. Não para aferir das valências específicas para o exercício da profissão de maquinista, decorrentes, que[r] da circunstância do trabalhador desempenhar sozinho essas funções, como por operar uma máquina, o que torna essa actividade perigosa, tudo isto aliado ao facto de, em certos períodos, se transportarem milhares de pessoas.

  15. Em qualquer caso, afigura-se desconforme a condenação da Recorrente em indemnização por danos morais, a menos que se defenda, contra os mais sagrados cânones[,] tratar-se de responsabilidade objectiva[.] 9. Com efeito, a INAPTIDÃO procedeu de razões técnico-científicas, do resultado objectivado de exames e testes realizados por profissionais academicamente habilitados e de acordo com cânones dessa área de conhecimento.

  16. Motivo pelo qual, o juízo de INAPTIDÃO do Autor não procede de um comportamento doloso e querido como tal da Recorrente, por lhe faltar a livre determinação de vontade, pressuposto imprescindível para qualquer juízo de imputação subjectiva, incluindo a mera negligência.

  17. Aliás, está documentalmente provado (vide factos 14 e 92) que a Recorrente, não só não interveio em nenhuma fase da efectivação desses exames e testes, como aceitou incondicionalmente o seu resultado, mesmo que se traduzisse, como se traduziu, em julgar APTOS outros 16 maquinistas.

  18. E mesmo que se entenda que a Recorrente deve indemnizar por não ter configurado a possibilidade de reconversão, ainda assim se afigura resultar dess[e] facto uma considerável diminuição da eventual reprovabilidade da sua conduta.

  19. Resulta assim manifesto, quanto à primeira questão objecto do presente recurso, achar--se demonstrada a caducidade do contrato de trabalho do Autor, por ter ficado documentalmente provado que o mesmo é INAPTO para o exercício da profissão de maquinista, infringindo a decisão em crise o disposto no artigo 4.º, alínea b), do Dec. Lei 64-A/89 (actual artigo 387.º, alínea b), do Cód. do Trabalho) por preterição desse facto, com violação ostensiva do disposto no artigo 342.º do Cód. Civil e no artigo 672°, do Cód. Proc. Civil.

  20. E quanto à segunda, não ter a Recorrente agido sem culpa [sic], requisito indispensável para gerar a obrigação de indemnizar, fazendo-se tábua rasa do disposto no artigo 483.º do Cód. Civil, devendo por essas razões e[,] em consequência, revogar-se o Douto Acórdão proferido e substituído por outro, que julgando procedente o presente recurso, decida pela total improcedência da acção e absolva a Recorrente dos pedidos, doutro modo será postergada a observância da lei e poderá afirmar-se, de forma indubitável, não ter sido feita JUSTIÇA!» O autor contra-alegou, defendendo a confirmação do julgado.

    Neste Supremo Tribunal, em sede de exame preliminar do relator, tendo-se considerado que não se podia conhecer do objecto do recurso de revista na parte em que se invocava a nulidade do acórdão recorrido, determinou-se a audição das partes para que se pronunciassem, querendo, sobre tal questão prévia (artigo 704.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), não tendo as partes respondido àquele convite.

    Subsequentemente, a Ex.ma Procuradora-Geral-Adjunta pronunciou-se pela improcedência da revista, parecer que, notificado às partes, não suscitou resposta.

  21. No caso vertente, as questões colocadas são as que se passam a enunciar, segundo a ordem lógica que entre as mesmas intercede: - Nulidade do acórdão recorrido, por oposição entre os seus fundamentos e a decisão [conclusões 1) a 8) da parte da alegação do recurso de revista atinente à invocada nulidade do acórdão recorrido]; - Se ocorreu erro na apreciação das provas e na fixação da matéria de facto [conclusões 1) a 7) e 13), na parte atinente, da alegação do recurso de revista pertinente ao restante objecto do recurso]; - Se se verifica a caducidade do contrato de trabalho por impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva do autor para o exercício da profissão de maquinista [conclusões 13) e 14), ambas na parte atinente, da alegação do recurso de revista pertinente ao restante objecto do recurso]; - Se há lugar à condenação em indemnização por danos não patrimoniais [conclusões 8) a 12) e 14), na parte atinente, da alegação do recurso de revista pertinente ao restante objecto do recurso].

    No corpo da alegação do recurso, a ré aduz que «[p]rocedendo o juízo de inaptidão do Autor, improcederá, naturalmente a condenação no pagamento de indemnização a título de danos morais. Todavia, ainda assim se dirá que tal montante sempre seria desajustado e desproporcionado à culpa concreta da entidade patronal.» E, no corpo da dita alegação, a ré admite que «poderá ser objecto de censura por não ter mandado repetir esse procedimento a uma outra Empresa, contudo, tal omissão não parece justificar, por si só, o exagerado e...

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