Acórdão nº 08S3442 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 18 de Fevereiro de 2009

Magistrado ResponsávelBRAVO SERRA
Data da Resolução18 de Fevereiro de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

I 1.

No Tribunal do Trabalho do Funchal instaurou AA contra M... - S... P... M. & M., SV, Ldª, acção de processo comum, peticionando a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de € 13.335,72, a título de diferenças salariais, e a quantia de € 3.420, a título de indemnização pela resolução do contrato de trabalho que vinculava a autora à ré, resolução essa operada pela primeira e baseada em justa causa.

Para tanto, e em síntese, invocou: - - que, em 22 de Abril de 2004, ela, autora, entrou ao serviço da ré, sendo-lhe atribuída a categoria profissional de «escriturária-estagiária» de 2º ano, sendo remunerada com € 406,50 mensais; - porém, desde o início do contrato, a autora exerceu funções não correspondentes àquela categoria, pois que desempenhava tarefas de assessoria da direcção da ré, cabendo-lhe, designadamente, preparar os contratos com clientes, fazer facturação, organizar mapas de portarias e de horários de trabalho, orientar as cobranças aos clientes, fazer controlo de fornecedores, organizar a correspondência e arquivo, tendo a responsabilidade pelos recebimentos e pagamentos, passando, inclusivamente, a constar do organigrama da ré como «secretária de gerência»; - por isso, deveria a autora ter recebido a remuneração mensal superior à que lhe era paga, estando, assim, em dívida a quantia de € 13.041,72; - a ré começou a pagar à autora retribuições com significativo atraso, nomeadamente só lhe pagando o subsídio de Natal de 2005 em Fevereiro de 2006, o vencimento de Fevereiro de 2006 em 9 de Março seguinte, e o vencimento de Março de 2006 em 29 de Maio de 2006; - que, perante essa situação, a autora veio a operar a resolução do contrato de trabalho.

Contestou a ré, impugnando os factos aduzidos pela autora, sustentando, em súmula, que as funções exercidas pela autora eram as inerentes à sua categoria profissional e que os salários pagos à autora o foram com algum atraso, motivado pelas dificuldades financeiras sentidas pela ré.

Prosseguindo os autos seus termos, veio, em 9 de Março de 2007, a ser proferida sentença, por via da qual foi a ré condenada a reconhecer que a autora, a partir do início do ano de 2005, tinha a categoria profissional de «secretária de gerência», e a pagar-lhe € 1.666, a título de diferenças salariais, e € 2.842,62, a título de indemnização devida pela resolução do contrato de trabalho.

Dessa sentença apelou a ré para o Tribunal da Relação de Lisboa, arguindo ainda a nulidade daquela peça processual.

Igualmente a autora interpôs recurso subordinado, restrito à questão de a sentença da 1ª instância ter negado o direito ao pagamento à mesma autora das diferenças salariais anteriores a 1 de Janeiro de 2005, computadas em € 4.054,28, sustentando que, de acordo com o instrumento de regulamentação colectiva de trabalho para o ano de 2002, quanto à categoria de «escriturária-estagiária» de 2º ano, previa um vencimento superior ao que lhe era pago pela ré e que, a partir de 22 de Abril do ano seguinte ao da sua entrada ao serviço, não deveria ser considerada «escriturária-estagiária» de 2º ano.

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Aquele Tribunal de 2ª instância, por acórdão de 14 de Maio de 2008, concedeu provimento ao recurso da ré, consequentemente absolvendo-a dos pedidos formulados, e negou provimento ao recurso subordinado da autora.

  1. Irresignada, vem a autora pedir revista, rematando a alegação adrede produzida com o seguinte quadro conclusivo: - "1.º - A decisão recorrida, e, no que diz respeito às funções desempenhadas pela A. após 1/1/07, não teve em consideração o confessado nos arts. 15.º, 18.º[,] 25.º, 26.º e 27.º da contestação da R. que podem e devem ser atendíveis no presente momento, por força do disposto no art.º 722, n.º 2, do C.P.C.

    2.º - E, a A., ora-recorrente, não podia ter suscitado anteriormente esta questão, porque tal não constava das conclusões da anterior apelação que tinha sido interposta pela R.

    3.º - Face ao exposto, não corresponde à verdade, nem é processualmente admissível, a conclusão a que chegou o Acórdão recorrido relativamente a um alegado carácter ‘esporádico' das tarefas exercidas pela A. a partir do inicio de 2005.

    4º - Sendo a própria R. quem, expressamente, reconheceu que, a partir dessa data, a A. exercia funções que podiam corresponder à categoria de ‘Secretária de Gerência', bem andou a 1.ª instância ao condenar a R. no pagamento das respectivas diferenças salariais.

    5º - Quer a R., quer a decisão da 1.ª instância, reconhecem que a A., em 2003 e 2004, exerceu as funções correspondentes à categoria profissional de ‘Técnico Administrativo'.

    6.º - E, ao contrário do que foi decidido pela 1.ª instância, era patente que os salários comprovadamente pagos à A. eram de valor inferior àqueles que se achavam estabelecidos para aquela categoria pelos IRT' s que o Tribunal e as partes pacificamente entenderam que seriam aplicáveis às relações que deram origem à presente lide.

    7.º - A A., na sua P.I., pretendia que lhe fosse paga a quantia de € 13.335,72 respeitante a diferenças salariais, e, no recurso subordinado que anteriormente interpôs, o valor total dessas diferenças salariais foi reduzido para € 5.464,68, não se percebendo como é que foi possível que o Acórdão recorrido tivesse entendido que a A., no seu recurso subordinado, formulava um pedido diferente e superior àquele que constava da P.I.

    8.º - Sendo inquestionável que o excesso de pedido não pode prejudicar a (parcial) procedência da acção, também se julga ser inquestionável que, na nossa prática judicial, não é usual, nem é exigido, que o A. formule todas as hipóteses que lhe sejam favoráveis e que sejam monetariamente inferiores ao pedido principal e que resultem dos seus pressupostos.

    9.º - Tal como, aliás, foi reconhecido pelo Acórdão recorrido, não é admissível a mecânica equiparação ent[r]e o conceito de justa causa que é exigido para o despedimento por iniciativa da entidade empregadora e o conceito de justa causa referente à rescisão por iniciativa do trabalhador.

    10.º - Nomeadamente, porque, para o trabalhador, não existe qualquer exigência no[ ] sentido de ser forçado a manter o contrato de trabalho.

    11.º -. E, portanto, não faz qualquer sentido que lhe seja exigida a demonstração de que não era exigível a sua manutenção.

    12.º - Por outro lado, enquanto o trabalhador por conta de outrem é[,] indubitavelmente, uma pessoa humana, a empresa é apenas uma organização empresarial, com finalidades, regra geral, de ordem meramente económica.

    13.º - Tal significa que[ ] a justa causa para o despedimento assenta, inevit[a]velmente, em comportamentos subjectivos da pessoa-trabalhador, enquanto que a justa causa para a rescisão apenas se pode referir às situações objectivas que se verifiquem a nível da empresa.

    14.º - No caso dos autos, e face à factualidade que foi apurada, toma-se forçoso concluir que a A. não tinha qualquer segurança quanto ao momento em que a R. iria pagar os salários que lhe eram devidos.

    15.º - [É] inquestionável o carácter alimentício das retribuições.

    16.º - O que significa, inelutavelmente, que a sobrevivência da A. estava posta em causa pelo comportamento da R.

    17.º - Comportamento esse que, volta a referir-se, foi considerado como sendo culposo pelo Acórdão recorrido.

    18.º - Sendo absurdo que se exigisse à A. que continuasse a trabalhar sem ter a certeza de que iria receber a correspondente retribuição, também é ilógico que se considere que a um comportamento culposo e lesivo dos direitos do outro contraente não corresponda qualquer compensação indemnizatória.

    19.º - Tendo a decisão recorrida feito errada interpretação das normas legais atrás citadas, e, nomeadamente, do disposto nos arts. 441 n.º 2, al. a) e 443 do Código do Trabalho".

    A ré não respondeu à alegação da autora.

    A Ex.ma Magistrada do Ministério Público neste Supremo exarou «parecer» no qual sustentou a parcial procedência da revista no que concerne a ter a autora, a partir do início de 2005, direito a ser classificada como «secretária de gerência», e que foi fundada em justa causa, por atraso no pagamento do subsídio de Natal de 2005 e das retribuições de Fevereiro e Março de 2006, a resolução do contrato pela mesma autora; por outro lado, propugnou pela improcedência da questão atinente ao direito, reclamado pela autora, das diferenças salariais respeitantes ao período compreendido entre 22 de Abril de 2002 e 31 de Dezembro de 2004, já que esse problema apenas foi suscitado no recurso de apelação, não tendo sido objecto de impostação no petitório.

    Notificado esse «parecer» às partes, nenhuma delas, sobre o mesmo, veio a efectuar pronúncia.

    Corridos os «vistos», cumpre decidir.

    II 1.

    O acórdão impugnando deu por assente a seguinte matéria de facto: - - a) a autora foi admitida ao serviço da ré em 22 de Abril de 2002, mediante a celebração de contrato de trabalho a termo certo, que veio a ser objecto de duas renovações, ao fim das quais o contrato converteu-se em contrato sem termo; - b) a autora foi admitida com a categoria de «escriturária-estagiária» de 2º ano, com uma remuneração base de € 406,50, acrescida de € 99,76 a título de subsídio de alimentação; - c) à autora competia, pelo menos até ao final do ano de 2004, receber e tratar a correspondência, atendimento telefónico, arquivar documentos, processar a informação relativa a clientes e fornecedores, entregar cheques previamente assinados pelo gerente a fornecedores e/ou trabalhadores (salários), auxiliar por vezes na emissão de facturas, organizar em capa os documentos a enviar para a contabilidade, receber e transmitir recados de clientes e/ou de trabalhadores, contactar clientes com vista à obtenção de pagamentos, prestar auxílio, quer ao gerente, BB, quer ao director de recursos humanos, CC, nas funções que a estes incumbiam, quer ainda aos supervisores DD e EE; - d) a autora, durante o período em que trabalhou para a ré, auferiu os seguintes vencimentos: - - € 406,50 até 31.12.2002; - € 454,88 até 31.12.2003; - € 614,00 até 31.12.2004...

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