Acórdão nº 08P2807 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 18 de Fevereiro de 2009

Magistrado ResponsávelSIMAS SANTOS
Data da Resolução18 de Fevereiro de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)
  1. O Ministério Público interpôs recurso, extraordinário para uniformização de jurisprudência, do acórdão, de 20.5.2008, do Tribunal da Relação de Lisboa (proc. n.º2472/08-5), invocando como fundamento o acórdão da Relação de Coimbra de 7.3.2007 (proc. n. º 15/04.OGAVGS.C1).

    Por acórdão de 8.10.2008, da 5.ª Secção, teve este Supremo Tribunal de Justiça por verificada a oposição operativa de julgados quanto à questão da qualificação jurídica da conduta daquele que, tendo sido nomeado depositário de um veículo automóvel, apreendido ao abrigo do disposto no art. 162.º, n.º 2 al. f) do Código da Estrada, o conduz: crime de desobediência qualificada do art. 22°., n.º 2 do DL n° 54/75, de 12 de Fevereiro ou crime de desobediência simples do art. 348.º, n.º 1, al. b), do C. Penal.

    Cumprido o disposto no art. 442.º do CPP, veio o Ministério Público neste Tribunal produzir detalhadas alegações escritas em que concluiu: 1. Entendendo-se que o aresto recorrido deverá ser revogado e que o conflito que se suscita há-de resolver-se fixando-se jurisprudência no sentido do decidido no aresto fundamento.

  2. Propõe-se, para tal efeito, a seguinte redacção: "O depositário que utiliza um veículo automóvel, apreendido por falta de seguro obrigatório, comete, verificados os respectivos elementos constitutivos, o crime de desobediência simples do art. 348.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal, por não ser tal conduta enquadrável nas disposições contidas no art. 22.º, n.ºs 1 e 2, do Dec-Lei n.º 54/75, de 12 de Fevereiro".

    Colhidos os vistos e realizada a conferência em Plenário das Secções Criminais, cumpre conhecer e decidir.

    2.1.

    E conhecendo.

    Continua a entender-se, como decidiu o acórdão da secção sobre a questão preliminar, que se verificam os necessários pressupostos da uniformização de jurisprudência, designadamente a oposição de julgados quanto à mesma questão de direito de direito: se o depositário que utiliza um veículo automóvel, apreendido ao abrigo do disposto no art.162º, n.º 2, al. f) do Código da Estrada, comete o crime de desobediência qualificada, previsto no art. 22.º, n.º 2 do DL n.º 54/75, de 12 de Fevereiro ou um crime de desobediência simples do art. 348.º, n.º 1 al. b) do Código Penal, por não ser tal conduta enquadrável nas disposições contidas naquele art. 22.º, n.ºs. 1 e 2.

    Com efeito, ambos os acórdãos (fundamento e recorrido) se pronunciam sobre a questão já identificada em termos opostos.

    O acórdão fundamento (de 7.32007 da Relação de Coimbra, proc. n.º 15/04.OGAVGS.C1), publicado na íntegra na respectiva base de dados, tem aí o seguinte sumário: «I - As disposições contidas no art. 22.º do DL n.º 54/75 têm aplicabilidade no âmbito específico do registo de propriedade de veículos e respectivos documentos, não abrangendo as situações de falta de documentos que titulem a existência de seguro obrigatório.

    II - Quem circular com veículo apreendido por não ter apresentado, no prazo legal, os documentos relativos ao seguro obrigatório comete o crime de desobediência simples e não o de desobediência qualificada.» E, na verdade, escreve-se nesse aresto: «Contudo, não estabelece qualquer cominação, designadamente a de desobediência qualificada para a circulação do veículo apreendido.

    Por sua vez o art. 162.º n.º 1. al. f). do Cód. Estrada, na redacção do DL n.º 265-A/200l, de 28 de Setembro, dispõe que o veículo deve ser apreendido pelas autoridades de investigação criminal ou fiscalização ou seus agentes quando não tenha sido efectuado seguro de responsabilidade civil nos termos da lei.

    Depois o n.° 4, deste artigo, limita-se a prever que o proprietário pode ficar, como ocorreu nos autos, como fiel depositário do veículo apreendido, não estabelecendo também qualquer cominação.

    No sentido de que quem conduzir ciclomotor apreendido por falta do respectivo seguro de responsabilidade civil comete o crime de desobediência simples nos termos acima apontados, decidiram o Ac. da Rel. do Porto, de 19/11/2003, Tomo V, pág. 225 e Ac. Rel. de Lisboa, 7/12/2004, Tomo V, pág. 142. Assim sendo, pelos motivos acima mencionados, deve concluir-se que não existe norma que estabeleça a cominação, designadamente de desobediência qualificada e que por isso bem andou o tribunal recorrido, na sua douta e bem fundamentada sentença ao condenar o arguido pela prática de um crime de desobediência simples, p. e p. pelo art. 348.º, n.º 1, al. b), do CP.» Já no acórdão recorrido (da Relação de Lisboa 20.5.2008, proc. n.º 2472/08-5), foi decidido, diversamente, que o depositário que utiliza um veículo automóvel, apreendido ao abrigo do disposto no art. 162.º, n.º 2, al. f) do Código da Estrada, comete um crime de desobediência qualificada, por se encontrar tal conduta contemplada no art. 22.º, n.º 2 do DL n.º 54/75, de 12 de Fevereiro.

    Finalmente, no intervalo da prolação dos dois acórdãos, não ocorreu modificação legislativa que interfira directa ou indirectamente na resolução da questão controvertida.

    Importa, pois, entrar na questão controvertida, com vista à desejada uniformização de jurisprudência.

    2.2.

    Essa questão, a de saber se aquele que, tendo sido nomeado depositário de um veículo automóvel, apreendido ao abrigo do disposto no art. 162.º, n.º 2 al. f) do Código da Estrada, o conduz, comete um crime de desobediência simples ou de desobediência qualificada, tem tido desencontradas soluções por parte dos Tribunais Superiores.

    Assim, No sentido de que comete o crime de desobediência simples, do art. 348.º, n.º 1 al. b) do C. Penal, pronunciaram-se os seguintes acórdãos: - Da Relação do Porto: acórdãos de 16-4-1997, proc. n.º 9740164 (1), de 19-11-2003, proc. n.º 4510/03, de 6-4-2005, proc. n.º 0510023, de 19-10-2005, proc. n.º 0511904.

    - Da Relação de Coimbra: acórdãos de 7-3-2007, proc. n.º 15/04.0GAVGS.C1 (2).

    , de 7-11-2007, proc. n.º 676/06.5TAGRD.C1, de 9-1-2008, proc. n.º 711/06.7TAACB.C1, e o acórdão fundamento de 7.3.2007, proc. n. º 15/04.OGAVGS.C1.

    - Da Relação de Lisboa: acórdãos de 13-10-1998, proc. n.º 0038485 (3), de 7-10-2004, proc. n.º 4883/04 e de 18-1-2005, proc. n.º 7988/04-5.

    - Da Relação de Évora: acórdão de 19-12-2006, proc. n.º 1752/06-1 (4).

    Já no sentido de que esse comportamento corporiza o crime de desobediência qualificada, do art. 22.º, n.º 2 do DL n.º 54/75, de 12 de Fevereiro, pronunciaram-se os seguintes acórdãos: - Da Relação do Porto: acórdãos de 17-6-1998, proc. n.º 9840440 (5), de 21-10-1998, proc. n.º 9810715 (6), de 5-4-2000, proc. n.º 9941372 (7), e de 12-7-2000, proc. n.º 0040286 (8).

    .

    - Da Relação de Coimbra: acórdão de 16-7-2008, proc. n.º 480/07.3GAMLD (9).

    - Da Relação de Lisboa: acórdãos de 25-1-1994, proc. n.º 0021345 (10), e de 26-2-2004, proc. n.º 10196/03-9 (11) e o acórdão fundamento, de 20.5.2008.

    Este Supremo Tribunal de Justiça foi chamado a pronunciar-se no acórdão de 26-4-1989, proc. n.º 39903 (12).

    e fê-lo no primeiro sentido: «Comete o crime de desobediência simples - art.ºs 43.º, § 2 do Código da Estrada, e 388.º, n.º 1 do Código Penal - aquele que conduz na via pública um veiculo que fora apreendido por intervenção num acidente sem que nessa data estivesse seguro, embora posteriormente a apreensão o arguido tivesse procedido ao seguro do veiculo, uma vez que tal apreensão ainda não tinha sido levantada pelo tribunal.» 2.3.

    Isto posto, analisemos, então, a disciplina legal a atender, ou seja, o regime do seguro obrigatório de responsabilidade civil, os art.ºs 150.º e 162.º do Código da Estrada, o art. 348.º do Código Penal e o art. 22.º do DL n.º 54/75, de 12 de Fevereiro 2.3.1.

    A obrigatoriedade do seguro de responsabilidade civil automóvel e o respectivo regulamento foram estabelecidas pelo DL n.º 165/75 e pelo Decreto n.º 166/75, ambos de 28 de Março, diplomas que, no entanto, viram a sua entrada em vigor adiada e, depois, a própria execução adiada sine die (13).

    Só com o DL n.º 408/79, de 25 de Setembro, que entrou em vigor em 1.1.1980, foi realmente instituído o seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel: um sistema de transição que estabelecia a obrigatoriedade do seguro da responsabilidade civil que pudesse resultar da sua utilização para os veículos terrestres a motor, seus reboques e semi-reboques, que circulassem na via pública, ou em locais públicos ou privados abertos ao público ou a certo número de pessoas com o direito de os utilizar (art. 1.º) Previu-se então, no domínio da fiscalização e penalidades, a obrigatoriedade de exibição, pelos condutores ou pessoas abrangidas pelo seguro, do documento comprovativo da efectivação do seguro sempre que solicitado pelas autoridades competentes (art. 23.º), implicando a falta da sua exibição (certificado de seguro ou cartão de responsabilidade civil) no prazo de 5 dias a imediata apreensão do veículo, a manter-se enquanto não fosse feita prova de ter sido efectuado o seguro obrigatório (art. 24.º). A circulação do veículo sem seguro de responsabilidade civil constituía...

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