Acórdão nº 08S2573 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Fevereiro de 2009

Magistrado ResponsávelVASQUES DINIS
Data da Resolução12 de Fevereiro de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1.

AA instaurou, em 3 de Janeiro de 2006, no Tribunal do Trabalho do Porto, a presente acção emergente de contrato de trabalho, com processo comum, contra BB - Produtos Eléctricos, S.A.

, pedindo a condenação desta a reconhecer a legitimidade da "rescisão do contrato de trabalho" operada pela Autora e a pagar-lhe a importância de € 19.727,04, a título de indemnização de antiguidade e proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, bem como juros de mora, à taxa legal, a contar da data da cessação do contrato.

Alegou, para tanto, em síntese, que, em 30 de Março de 1989, foi admitida ao serviço da Ré, para exercer as funções de "caixeira encarregada" no estabelecimento que a Ré possui na Rotunda da Boavista, na cidade do Porto, e que, tendo-lhe sido comunicado, por carta datada de 13 de Outubro de 2005, que o seu local de trabalho passaria, a partir de 17 de Novembro de 2005, a ser na loja da Covilhã, informou a Ré dos graves prejuízos de ordem pessoal e familiar que a transferência lhe causava, mas a Ré reafirmou a ordem de transferência, pelo que, em 23 de Novembro de 2005, resolveu o contrato, invocando prejuízo sério.

Na contestação, a Ré, a pugnar pela improcedência da acção, alegou, no essencial, que, quando a Autora, em 1 de Julho de 1991, passou a integrar os quadros da empresa (então "CC - Produtos Eléctricos, Lda."), foi celebrado um contrato de trabalho, nos termos do qual a Autora aceitou ser deslocada "dentro do território do Continente para qualquer dos estabelecimentos que pertençam" à empregadora (cláusula 6.ª), pelo que carece de fundamento a resolução do contrato; que, ainda assim, diligenciou pela obtenção de um apartamento condigno, na Covilhã, para os trabalhadores transferidos, suportando a Ré todas as despesas inerentes à mudança do local de trabalho e o próprio alojamento, pelo que não haveria qualquer prejuízo sério; e que, aquando da cessação do contrato, em acerto final das suas contas laborais, pagou à Autora a quantia ilíquida de € 2.111,62.

Na 1.ª instância, a acção foi julgada totalmente improcedente.

  1. A Autora apelou, com êxito, pois o Tribunal da Relação do Porto revogando a sentença, declarou legítima a resolução do contrato e condenou a Ré a pagar-lhe a indemnização no valor de € 12.470,00 (calculada com base em 30 dias de retribuição por cada ano completo de antiguidade e fracção), com juros de mora à taxa legal, decisão contra a qual a Ré se veio insurgir em recurso de revista, de cuja alegação extraiu as seguintes conclusões: 1. A BB é uma empresa com implantação nacional, dispondo actualmente de mais de 100 lojas, espalhadas pelo Continente e pelas Ilhas Autónomas.

  2. É um facto notório que desenvolve a sua actividade na venda a retalho de produtos eléctricos e de electrodomésticos.

  3. Por outro lado, constam de diversos Acórdãos que "... na construção civil, «local de trabalho» é o da situação da obra...

    ", bem como que "o local de trabalho de uma empresa de obras públicas que concorre e labora em todo o território é todo esse território." 4. Ora, apesar da actividade comercial da BB não ser a de construção de obras, pode-se entender que o seu local de trabalho é precisamente os vários locais onde dispõe de lojas abertas ao público.

  4. Daqui se retira que, dentro do circunstancialismo próprio da actividade de certas e determinadas empresas, um caixeiro pode ser tão móvel como por exemplo um motorista.

  5. Por outro lado, em 1 de Julho de 1991, a Recorrida celebrou com a recorrida o contrato de trabalho, junto aos autos.

  6. Dispõe o artigo 24.° da LCT que "a entidade patronal, salva estipulação em contrário, só pode transferir o trabalhador para outro local de trabalho se essa transferência não causar prejuízo sério ou se resultar da mudança, total ou parcial, do estabelecimento onde aquele presta serviço".

  7. Ora, então (artigo 21.°, n.° 1, al. e) da LCT) e tal como acontece actualmente (artigos 122.°, al. f), 315.° e 316.° todos do Código do Trabalho), a regra é a da inamovibilidade do trabalhador, ou seja, a transferência é possível se houver acordo, ou não o havendo, se a mesma se fundar num interesse da empresa e se não causar prejuízo sério ao trabalhador.

  8. De entre as (escassas) possibilidades que prevêem a entidade patronal poder indicar outros locais de trabalho para o trabalhador está precisamente o acordo celebrado entre as partes, consubstanciado no contrato de trabalho, conforme acima ficou indicado.

  9. Isto significa que a determinação do local de trabalho está na plena disponibilidade das partes, o que quer dizer que o trabalhador pode afastar, segundo as regras da liberdade contratual, a protecção da inamovibilidade que a antiga LCT lhe conferia, ainda hoje prevista no Código do Trabalho.

  10. Ao ter livremente assinado o contrato de trabalho, a Recorrida precludiu o direito de poder alegar o conceito de prejuízo sério, porquanto deu expressamente o seu consentimento para uma futura ou hipotética transferência.

  11. "O local de trabalho é, por outro lado, caracteristicamente, objecto de estipulação no contrato de trabalho.

    As partes podem dar-lhe a amplitude que quiserem: e, ainda que expressamente o não façam, poderá ser inferido da natureza da actividade, dos comportamentos das partes, e até da regulamentação laboral aplicável, um espaço mais ou menos vasto de mobilidade". (António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, Décima Edição, Almedina, pág. 374.).

  12. Conclui este Professor ao afirmar que "O que constitui uma preocupação central do legislador é evitar que o empregador manipule o local de trabalho à margem do contrato e sem o acordo superveniente do trabalhador. De uma tal manipulação é que resultariam consequências intoleráveis (os «prejuízos sérios» prevenidos pelo legislador): as inerentes à frustração das expectativas de estabilidade geográfica ancoradas no contrato.

    Mas a situação altera-se profundamente se a mobilidade constitui uma regra convencionada para o desenvol-vimento das relações de trabalho, com o afastamento das restrições do art. 24.°. Entendemos, pois, de resto com a jurisprudência dominante, que a ressalva contida no art. 24.°/1 reflecte o carácter supletivo do regime aí estabelecido, o que significa que pode ser acordado, entre o empregador e o trabalhador, no contrato inicial ou por estipulação superveniente, um regime de mobilidade mais ou menos restritivo do que o legal." (António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, Décima Edição, Almedina, pág 375.).

  13. Desta forma, não se pode deixar de concluir que a Recorrida sabia o risco que estava a assumir, pelo que a mesma não teve razão ao ter rescindido o contrato de trabalho com a BB.

  14. Acresce, por outro lado, que o artigo 53.° da Constituição não tem qualquer aplicação para o presente caso.

  15. Com efeito, aquele artigo visa apenas a negação de despedimentos sumários ou discricionários, sem o procedimento disciplinar competente, bem como a limitação do período experimental, a suspensão do contrato de trabalho, a redução do horário de trabalho, a suspensão da prestação de trabalho e no direito à organização interna do trabalho.

  16. Acresce ainda que, tendo em conta a natureza da actividade da BB - venda a retalho de material eléctrico e de electrodomésticos, através de uma rede vasta de lojas abertas ao público, "... no território do Continente Português e Ilhas Adjacentes...

    " - era impossível e ilógico para a BB estar a dizer para qual das lojas é que a Recorrida poderia ser deslocada.

  17. Por outro lado, inexiste qualquer prejuízo de ordem familiar, pois apenas 200 Km separam a Covilhã do Porto, pelo que pode a Recorrida fazer esse percurso todos os dias ou, pelas menos, nos fins de semana.

  18. Os filhos têm ambos 24 anos e deverão, seguramente, ser auto-suficientes.

  19. Caso a Recorrida não pretenda fazer a viagem diária Porto/Covilhã e Covilhã/Porto, pode sempre ficar na habitação (digna) que a BB lhe pôs à disposição, sendo que o marido pode pedir a transferência para a Covilhã.

  20. Esta ordem mais não representa que simples transtorno para a Ré, que não pode prevalecer sobre interesse empresarial sério e justificado da BB.

  21. Pelo que inexiste, assim, qualquer vício que torne nulas as cláusulas do contrato de trabalho, bem como o prejuízo sério em face da concordância da Recorrida em poder vir a ser transferida num (eventual) futuro, mais ou menos próximo.

    Terminou pedindo que, na revogação do acórdão impugnado, se julgue legítima a ordem de transferência da BB e ilegal a resolução contratual operada pelo Recorrida, ou, caso assim não se entenda, se reduza, em face do nulo grau de ilicitude da BB, para o mínimo legal de 15 dias o montante da indemnização a pagar à Recorrida.

    A recorrida não contra-alegou.

    Neste Supremo Tribunal, a...

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