Acórdão nº 09P0110 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Fevereiro de 2009

Magistrado ResponsávelARMÉNIO SOTTOMAYOR
Data da Resolução12 de Fevereiro de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.

No proc. nº 589/06.0GAPTL do 1º juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Ponte de Lima, foram julgados os arguidos AA e BB, tendo sido condenados, pelo tribunal colectivo, como autores materiais de quatro crimes de roubo, p. e p. pelo art. 210°, n° 1 e n.° 2, alínea b), por referência ao disposto no artigo 204°, n.° 2, alínea f), do Código Penal, de quatro crimes de sequestro, p. e p. pelo artigo 158°, n.° 1 do Código Penal e de um crime de simulação de crime, p. e p. pelo artigo 366°, n.° 1 do Código Penal, nas seguintes penas: o primeiro em 4 penas de prisão de 4 anos e 6 meses pelos quatro crimes de roubo, 4 penas de um ano de prisão pelos crimes de sequestro e 8 meses de prisão pelo crime de simulação de crime e, efectuado o cúmulo, na pena de 8 anos e 6 meses de prisão; o arguido BB, pelos crimes de roubo em duas penas de 4 anos e em duas penas de 4 anos e 6 meses de prisão, em 4 penas de um ano de prisão pelos crimes de sequestro e em 8 meses de prisão pelo crime de simulação de crime e, em cúmulo, na pena única de 8 anos de prisão.

Inconformados, recorreram ambos para o Tribunal da Relação de Guimarães que se declarou incompetente por estarem em causa recursos limitados à matéria de direito, vindo os recursos a ser conhecidos pelo Supremo Tribunal de Justiça.

Por acórdão de fls. 609, foi decidido anular a decisão do tribunal colectivo, no segmento da fundamentação de facto, na parte em que é omissa quanto à alegada reparação efectuada pelo arguido BB aos ofendidos CC e DD.

Baixados os autos, o tribunal colectivo cumpriu minimamente o que lhe foi ordenado, tendo apenas acrescentado à matéria de facto uma alínea na qual dá como provado que o arguido BB ressarciu os ofendidos CC e DD, tendo mantido em tudo o mais a decisão anulada, nomeadamente quanto às penas, quer parcelares, quer únicas.

Continuando irresignado, o arguido BB interpôs novo recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, de cuja motivação extraiu as conclusões que se transcrevem: I -O Recorrente BB foi condenado pela prática de quatro crimes de roubo previsto e punido pelo art. 210°, n.º 1 e n.º 2, alínea b), por referência ao disposto no artigo 204°, n.º 2, alínea f), do Código Penal na pena de 4 (quatro) anos pelos dois crimes de roubo de valor inferior e quatro anos e seis meses por cada um dos dois restantes crimes de roubo, pela prática de crime de sequestro, previsto e punido pelo artigo 158°, n.º 1 do Código Penal na pena de um ano de prisão por cada um dos crimes levados a cabo e pela prática de crime de simulação de crime, previsto e punido pelo artigo 366°, n.º 1 do Código Penal, na pena de oito meses de prisão, e em cúmulo, na pena única de oito anos de prisão II - O crime de roubo reúne os elementos do tipo furto e outros elementos de crimes contra as pessoas, sendo certo que o fim procurado por quem pratica o crime de roubo é a apropriação ilegítima de bens, constituindo a violência associada ao modus operandi do agente apenas um meio, que não a finalidade à qual se dirige a conduta.

III - O crime de roubo é um crime complexo, sob o ponto de vista da variedade de bens jurídicos protegidos que atribuem aos factos a dignidade penal, na medida em a sua prática ofende, por um lado, bens jurídicos patrimoniais (por exemplo, o direito de propriedade), mas ofende também bens jurídicos pessoais - a liberdade individual de decisão e acção (em certos casos, a própria liberdade de movimentos) e a integridade física, surgindo a ofensa destes últimos bens jurídicos pessoais como o meio de lesão de bens patrimoniais.

IV - Protegendo o tipo legal do crime de roubo vários bens jurídicos, há que delimitar as situações em que este consome outros tipos legais que também tutelam algum ou alguns desses bens.

V- Nos casos em que os factos provados integrem simultaneamente as previsões dos crimes de roubo e de sequestro e exista uma só resolução criminosa por parte do agente, haverá lugar à autonomização do sequestro se este se mantém para além do necessário à consumação do roubo; pelo contrário, se o sequestro é usado apenas como meio para subtrair coisa alheia ou constranger à sua entrega, será consumido pelo roubo.

VI - Pelo que, consagrando o n.º 1 do artigo 30° do C. Penal - concurso de crimes e crime continuado - o chamado critério teleológico para distinguir entre unidade e pluralidade de infracções, de acordo com o qual o número de crimes se determina nomeadamente pelo número de tipos preenchidos, apenas afastado quando se verifiquem situações de especialidade, consumpção, subsidiariedade ou alternatividade entre as normas nas quais se enquadram os factos, e protegendo o tipo legal do crime de roubo vários bens jurídicos, há que delimitar as situações em que este consome outros tipos legais que também tutelam algum ou alguns desses bens.

VII - Entre aqueles crimes contra as pessoas relativamente aos quais pode existir concurso aparente ou real conta-se o crime de sequestro, através do qual se protege o bem eminentemente pessoal da liberdade de locomoção ou ambulatória ("a liberdade física ou corpórea de mudar de lugar, de se deslocar de um sítio para o outro).

VIII - Sobre este ponto, permita-se-nos a referência a uma breve passagem do Comentário Conimbricense ao Código Penal, na qual se refere que "(...) a violência é prevista como meio típico da realização de uma multiplicidade de crimes. Tal é o caso, p. ex. do roubo (...). Também é evidente que esta violência pode traduzir-se na privação da liberdade de movimento. Ora esta consideração é decisiva para a questão do concurso; para resolver, em muitos casos, a questão da unidade ou pluralidade de crimes: Com efeito, sempre que a duração da privação da liberdade de locomoção não ultrapasse aquela medida naturalmente associada à prática do crime-fim (p. ex., o roubo (...) e como tal já considerada pelo próprio legislador na descrição típica e na estatuição da pena, deve concluir-se pela existência de concurso aparente (relação de subsidiariedade) entre o sequestro ("crime-meio") e o crime-fim: roubo (...), respondendo o agente somente por um destes crimes (...). Já haverá um concurso efectivo, quando a privação da liberdade de movimento ultrapassa aquela medida." Cfr. "Comentário Conimbricense ao Código Penal", Tomo II, pág. 415.

IX - Da análise dos factos provados decorre que a conduta do Recorrente se enquadra na privação da liberdade necessária à execução do crime-fim (o roubo, que era, claramente, o crime que o Recorrente e o seu parceiro decidiram cometer e para cuja concretização tiveram de privar da liberdade as suas vítimas, sendo certo que elas possuíam os bens objecto de apropriação, tendo, por conseguinte, interesse em opor-se à actuação do Recorrente e do co-arguido BB, sendo necessário vencer ou evitar a resistência que opusessem ou pudessem vir a opor) sem que se detecte excesso relevante.

X - Revertendo as considerações supra expendidas ao caso sub judice, inequívoco se torna para o Recorrente que nos factos dados como provados não se encontram desenhados os contornos imprescindíveis à autonomização dos crimes de sequestro relativamente aos crimes de roubo, bem pelo contrário.

XI - Com efeito da análise dos factos provados - cfr. O douto acórdão recorrido decorre precisamente que a conduta dos arguidos se enquadra na privação da liberdade necessária à execução do crime-fim (o roubo, que era, claramente, o crime que o Recorrente e o seu parceiro decidiram cometer e para cuja concretização tiveram de privar da liberdade as suas vítimas, sendo certo que elas possuíam os bens objecto de apropriação, tendo, por conseguinte, interesse em opor-se à actuação do Recorrente, sendo necessário vencer ou evitar a resistência que opusessem ou pudessem vir a apor) sem que se detecte excesso relevante.

XII - Aliás, é o próprio acórdão recorrido que refere, quanto aos factos apurados no que concerne ao primeiro assalto, a circunstância de ter sido a privação da liberdade o modo de actuação escolhido para prosseguir o fim único de furtar os bens referenciados, "após o que (os arguidos) os mandaram embora (às vítimas), dizendo-lhes que fossem devagar e que encontrariam o Citroen na carreira de tiro" .

XIII - Por outro lado, no que concerne ao segundo assalto, o Tribunal a quo, embora referindo que este foi interrompido pela proximidade do carro-patrulha da GNR, aponta para um modus operandi em tudo idêntico ao do primeiro assalto, ficando claro que os arguidos abandonaram o local logo após ter conseguido os seus intentos de se apoderarem ilicitamente dos bens em questão.

XIV - Não se verificou, portanto, um prolongamento temporal da duração dos sequestros em relação à duração dos roubos que justifique a autonomização do primeiro crime.

XV - Não se verificou também um excesso de violência que tivesse extravasado o propósito de salvaguardar qualquer possibilidade de resistência das vítimas ao crime-fim. que foi o roubo e nenhum outro.

XVI - Pelo que entende o Recorrente que a privação da liberdade foi apenas o meio escolhido para os arguidos levarem a cabo o roubo, sendo este último o único crime que, em co-autoria com o arguido AA, decidiu cometer. A privação da liberdade foi usada apenas como meio para subtrair coisa alheia ou constranger à sua entrega, sendo consumido pelo roubo (integrado no meio "pôr na impossibilidade de resistir" ou na própria violência ou ameaça, dependendo da situação concreta).

XVII - Ora, no caso em apreço, o sequestro serviu como se tem vindo a referir, como meio para obter a subtracção dos bens, pelo que estamos perante um concurso aparente de infracções, porquanto, apreciando o facto da privação da liberdade de que os ofendidos foram objecto, se poderá ou não consubstanciar um crime de sequestro, entendendo o Recorrente que se está perante uma relação de consumpção entre este e o crime de roubo, pois o tempo que os ofendidos foram privados da sua liberdade não excedeu o período estritamente necessário para que...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT