Acórdão nº 08P2381 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 05 de Fevereiro de 2009

Magistrado ResponsávelARMÉNIO SOTTOMAYOR
Data da Resolução05 de Fevereiro de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.

Na comarca de Albufeira e no âmbito do proc. nº 49/06.6GDABF do 2º Juízo - 1ª Secção, foi julgado em tribunal colectivo AA e condenado, como autor material do crime qualificado do art. 131º e 132º nº 1 do Código Penal cometido na pessoa de BB, na pena de 20 anos de prisão.

Irresignado, interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Évora, suscitando, segundo a súmula a que o acórdão daquela Relação procedeu perante o elevado número de conclusões, as seguintes questões: da hipotética, por duvidosa, pretensão de impugnação da matéria de facto; de erro notório na apreciação da prova; de contradição insanável de fundamentação e entre esta e a decisão sobre a matéria de facto; de violação do princípio "in dubio pro reo"; da errada graduação da medida concreta da pena, que deveria ser fixada nos limites mínimos referentes ao tipo de crime em causa.

Tendo sido julgado improcedente o recurso, o arguido recorre ao Supremo Tribunal de Justiça, extraindo da motivação 190 conclusões com vista à revogação da decisão recorrida, de forma a ser absolvido da prática do crime de homicídio qualificado, ou, a assim não se entender, ser o processo reenviado para novo julgamento ou a pena reduzida para os limites mínimos ou próximo deles. Para tanto, suscita as questões seguintes: - impugnação de diversos factos, tidos por incorrectamente julgados; - violação do princípio in dubio pro reo, - redução da pena de prisão aplicada Na resposta, o Ministério Público começa por suscitar uma questão prévia, a de que não foi observado o disposto no art. 412º nº 1 do Código de Processo Penal, uma vez que "as conclusões com que finaliza a sua motivação limitam-se a repetir, de forma articulada a argumentação expendida na motivação, não cumprindo a função que a lei lhes imputa, qual seja a de permitir ao Tribunal Superior, conhecer de forma resumida e imediata, qual o âmbito do recurso e os seus fundamentos", entendendo que deve ser endereçado convite ao recorrente para apresentar novas conclusões sob pena de rejeição. Acrescenta que "da análise da motivação e conclusões do recurso ressalta, muito claramente, que o recorrente não assaca qualquer vício, nulidade ou violação de norma ao acórdão da Relação, antes renova os que já havia apontado ao proferido em primeira instância e cuja argumentação naufragou" pelo que o recurso deverá ser rejeitado, por manifestamente improcedente.

Remetidos os autos ao Supremo Tribunal de Justiça, o Ministério Público, no parecer que emitiu no visto inicial, embora concorde genericamente com a questão prévia suscitada na resposta, considera que o recorrente, "além de não concordar com o decidido pelo Tribunal da Relação quanto às questões sobre a matéria de facto que havia impugnado, volta a colocá-las e a pôr em causa o acórdão da 1ª instância", explicitando que "questiona sem dúvida a medida da pena que lhe foi aplicada e mantida no Tribunal da Relação, por não terem sido considerados os requisitos relevantes para a sua determinação, nomeadamente a idade, as condições pessoais, a sua personalidade, circunstâncias posteriores e os antecedentes criminais não terem a mesma natureza, defendendo que a pena deve ficar próxima do limite mínimo." Para além disso, o Ministério Público tomou a iniciativa de suscitar a questão de que, em sua opinião, o acórdão recorrido enferma de um erro típico de direito, que oficiosamente o Supremo Tribuna1 de Justiça pode conhecer, em virtude de a matéria de facto assente ser insuficiente para se considerar como qualificado o crime de homicídio. Após percorrer a matéria de facto, conclui que não resulta dos factos nenhuma das circunstâncias dos exemplos padrão, acrescentando que a actuação do arguido não se apresenta como especialmente censurável, pelo que deverá ser condenado pela prática do crime de homicídio do art. 131º do Código Penal, em pena que deverá ser fixada próxima dos 15 anos.

Foi dado cumprimento do disposto no art. 417º nº 2 do Código de Processo Penal, nada tendo sido dito pela defesa, nomeadamente quanto à suscitada questão da qualificação do crime de homicídio, de que então tomou conhecimento. Por esta razão, não se ordenou a notificação prevista no art. 424º nº 3 do Código de Processo Penal.

Uma vez que não foi requerida audiência pelo recorrente, o recurso será conhecido em conferência.

Os autos foram a vistos e encontram-se prontos para decisão.

  1. Como se referiu, o magistrado do Ministério Público no tribunal recorrido suscitou a questão prévia relativa ao não cumprimento do disposto no art. 412º nº 1 do Código de Processo Penal, por, de acordo com o seu entendimento, as conclusões não resumirem as razões do pedido.

    O art. 417º nº 3 do Código de Processo Penal, na redacção da Lei nº 48/2007, estabelece que "se a motivação do recurso não contiver conclusões ou destas não for possível deduzir total ou parcialmente as indicações previstas nos nºs 2 a 5 do artigo 412.º, o relator convida o recorrente a apresentar, completar ou esclarecer as conclusões formuladas, no prazo de 10 dias, sob pena de o recurso ser rejeitado ou não ser conhecido na parte afectada".

    O convite ao recorrente para corrigir as conclusões que formulou deve ser-lhe dirigido nos casos em que não é possível deduzir das conclusões apresentadas na motivação as indicações a que se referem os nºs. 2 a 5 do art. 412º do Código de Processo Penal. No presente caso, sendo o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça restrito à matéria de direito, apenas há que verificar se foi observado o disposto no nº 2 do mencionado artigo. E, percorrendo as conclusões, verifica-se que o recorrente nunca deixou de as indicar as normas jurídicas sempre que considerou que a decisão recorrida não observava os princípios que emanam de tais normas.

    Deste modo, e não obstante ter sido feito um uso exagerado das conclusões, repetindo nelas, ao pormenor, muito do que estava exposto na motivação, é possível conhecer o objecto do recurso, como aliás reconhece o magistrado do Ministério Público neste Supremo Tribunal de Justiça, que indica, com objectividade, quais as questões que o recorrente discute e pretende ver decididas por este Tribunal.

    Termos em que se indefere a questão prévias suscitada pelo Ministério Público.

  2. As instâncias consideraram provados os seguintes factos: O arguido encontra-se em Portugal, mais concretamente na zona de Albufeira, desde o dia 10 de Dezembro de 2000.

    Para onde veio e permaneceu, influenciado pelo seu pai e pelo compatriota BB, aquele que já estava no nosso país e este que o apoiava.

    Tendo, desde então, trabalhado sempre na área da construção civil, desempenhando funções de pedreiro.

    Sendo que, em meados de Fevereiro de 2006, o arguido exercia actividade profissional para a firma denominada I... - E... T... e I..., S.A.

    com sede na Praia..., em Albufeira.

    E tinha como local de trabalho uma obra em construção denominada Hotel ..., sita em ... - Albufeira.

    Em Fevereiro de 2006 o arguido foi despedido da empresa.

    Durante parte do tempo em que ali trabalhou, mais precisamente no período compreendido entre os anos de 2003 e de 2005, partilhou com BB o contentor onde este residia, o qual fora devidamente adaptado para esse efeito, Tal contentor situava-se num local isolado, pese embora dentro do perímetro da obra, que se encontrava vedado a toda a volta por taipais em chapa de zinco, sendo a entrada da frente controlada por elementos da S... .

    Aproveitando o facto de manter com BB uma relação de alguma proximidade, o arguido pedia-lhe, com frequência, dinheiro emprestado.

    Tendo, à data do seu despedimento, uma dívida de € 1.000,00 (mil euros) para com aquele, que não pagou até à presente data.

    Por sua vez, BB celebrara, no dia 01.06.03, um contrato de trabalho a termo incerto com a firma I... - E... T... e I..., S.A., tendo sido admitido ao serviço desta para desempenhar as funções inerentes à categoria profissional de pedreiro.

    Todavia, graças à sua competência e dedicação, rapidamente granjeou a confiança e o respeito de CC, encarregado geral de construção civil na referida empresa.

    O qual, reconhecendo-lhe aquelas qualidades, fez dele o seu "braço direito".

    Na sequência disso, BB, também conhecido pelos seus colegas de trabalho e amigos pela alcunha de "careca", passou a desempenhar funções em tudo semelhantes às de encarregado da obra do Hotel ... .

    Entre as suas atribuições contavam-se a de "marcar o ponto", ou seja, registar o número de dias e horas que cada trabalhador comparecia na obra, e a de receber os envelopes com os salários pagos pelo dono da obra e entregá-los aos oito serventes da firma subempreiteira, denominada J... F... C..., U... .

    Assim, No dia 07 de Março de 2006, cerca das l6h30m, por ser dia de pagamento, e à semelhança do que vinha acontecendo, BB recebeu os envelopes com os salários dos serventes por que era responsável Contendo, cada um deles, a quantia aproximada de € 900,00 (novecentos euros), perfazendo um total de cerca de € 7.200,00 (sete mil e duzentos euros).

    De imediato, fez a entrega dos envelopes aos respectivos trabalhadores, tendo ficado apenas com um dos envelopes na sua posse, o qual dizia respeito a um indivíduo de nome DD que, por já ali não trabalhar, lhe pedira para o guardar.

    Entre as 20h00m e as 21h00m desse dia, no final do trabalho, numa breve conversa que manteve com os colegas EE e FF, BB referiu-lhes que ia para o contentor aguardar a chegada do arguido AA, que tratava por A.... .

    O qual, no dia anterior, se havia comprometido a passar por ali a fim de saldar a dívida (no montante de cerca de € 1.000,00) que tinha para consigo.

    Depois, despediu-se dos dois colegas e dirigiu-se para o contentor que lhe servia de morada.

    Em hora não concretamente apurada, mas compreendida entre as 20h00m do dia 07 de Março de 2006 e as 00h00m do dia 08 de Março de 2006, na sequência do que havia previamente combinado com BB, o arguido deslocou-se até à obra do Hotel ..., na Quinta do ... - ...., em...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
1 temas prácticos
1 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT