Acórdão nº 08P4137 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 04 de Fevereiro de 2009

Magistrado ResponsávelFERNANDO FRÓIS
Data da Resolução04 de Fevereiro de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: No Processo Comum com intervenção de tribunal colectivo n.º 60/02.0 TAMBR, do Tribunal Judicial de Moimenta da Beira, foi o arguido: 1 - AA, identificado nos autos, condenado pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violação agravado p. e p. pelos artigos 164º-1 e 177º-4, ambos do Código Penal, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.

Inconformado com o assim decidido, o arguido interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto, pedindo a revogação do acórdão proferido e a sua absolvição.

Na respectiva motivação alega que: - Na decisão recorrida ocorrem os vícios previstos no artigo 410º-2 do CPP (erro notório na apreciação da prova; insuficiência para a decisão da matéria de facto provada); - Impugna o julgamento da matéria de facto, nos termos do disposto no artigo 412º-3 e 4, do CPP; - Foi violado o princípio "in dubio pro reo"; - Foi utilizada prova ilegalmente, designadamente depoimento indirecto.

O Tribunal da Relação do Porto proferiu acórdão em que: Rejeitou o recurso interposto pelo arguido, por o mesmo ser manifestamente improcedente.

De novo inconformado, o arguido AA interpôs o presente recurso para este Supremo Tribunal de Justiça, pugnando pela revogação do acórdão recorrido e pela sua substituição por outro que: - Determine a anulação do julgamento e a repetição do mesmo face ao erro da apreciação da prova, com a consequente absolvição do arguido; - Atenue especialmente a pena e suspenda a execução da mesma, dado a violação das regras da experiência e a desproporção da qualificação efectuada (isto, claro, para a hipótese de não se determinara a anulação do julgamento e a repetição do mesmo).

Apresentou motivação formulando as seguintes conclusões: 1 - Tendo-se verificado os vícios do artigo 410º-2 do CPP, há que determinar a anulação do julgamento para operar o suprimento dos mesmos e sua ultrapassagem.

2 - Sempre com o devido respeito por melhor opinião, o pretenso crime de violação tal como foi descrito nem sequer é susceptível de se integrar em meras possibilidades físicas ou hipotéticas.

3 - Destarte, do supra alegado decorre violação do princípio in dúbio pró reo, fundado no princípio da presunção da inocência, até transito em julgado da sentença.

4 - Pelo que deve reputar-se de juridicamente mais exacto, a não consumação do crime de violação, face à matéria probatória produzida e dada como provada.

5 - Sendo que a conclusão tirada pelo Tribunal em matéria de prova materializa-se numa decisão contra o arguido, não suportada de modo suficiente, por forma a não deixar dúvidas irremovíveis quanto ao sentido, face à prova em que assenta a convicção.

6 - Assim, deve a decisão impugnada ser substituída por uma outra que determine:

  1. Anulação do julgamento e a repetição do mesmo face ao erro da apreciação da prova, com a consequente absolvição do arguido.

  2. A tal não ser entendido, deve a pena ser especialmente atenuada e a execução da mesma ser suspensa, dado a violação das regras da experiência e a desproporção da quantificação efectuada.

O Exmº Magistrado do MºPº junto do Tribunal da Relação do Porto respondeu, pugnando: Pela não admissibilidade do recurso, face ao estatuído no artigo 400º-1-f) do CPP na actual redacção (dupla conforme condenatória: no caso, o acórdão da Relação é condenatório, confirmou a decisão da 1ª instância e esta condenou o recorrente em pena de prisão inferior a 8 anos).

O Exmº Magistrado do Mº Pº junto deste Supremo Tribunal teve vista do processo e emitiu douto Parecer no sentido de que o recurso, embora admissível legalmente, deve ser rejeitado.

Foi cumprido o disposto no artº 417º nº 2, do Código de Processo Penal, tendo o arguido apresentado resposta.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

O arguido/recorrente AA foi condenado em 1ª Instância, pela prática de um crime de violação agravado, previsto e punido pelos arts. 164º-1 e 177º-4, ambos do CP, na pena de cinco anos e seis meses de prisão.

Essa decisão da 1ª Instância foi proferida em 06 de Julho de 2007.

E tal decisão e pena foram confirmadas pelo Tribunal da Relação do Porto ao rejeitar o recurso interposto pelo arguido, por ser manifestamente improcedente.

Entende o Exmº Magistrado do MºPº junto do Tribunal da Relação do Porto que o recurso não é legalmente admissível porquanto ao arguido foi aplicada pena de prisão inferior a 8 anos, confirmada pela Relação.

Assim, estando em causa, como está, uma pena de prisão não superior a 8 anos, confirmada pela Relação, não é admissível o recurso, face ao disposto no artigo 400º-1-f) do CPP (redacção actual).

Apreciando: O arguido interpõe o presente recurso de acórdão proferido pela Relação, que confirmou a decisão da 1ª Instância.

Nos termos do artigo 432º-1-b), recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça de decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas Relações, em recurso, nos termos do artigo 400º.

Ora, nos termos do artigo 400º-1-f), do CPP, não é admissível recurso de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas Relações, que confirmem decisão de 1ª Instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos.

Prima facie o recurso não seria, portanto, admissível.

Porém, há que atentar no artigo 5º do CPP que, no seu nº 1 estatui que a lei processual é de aplicação imediata, sem prejuízo da validade dos actos realizados na vigência da lei anterior.

Todavia, o nº 2 alínea a) do mesmo preceito, excepciona o caso de, daquela aplicação imediata, resultar agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do arguido, nomeadamente uma limitação do seu direito de defesa.

Sendo assim, importa averiguar se, no caso em apreço, a aplicação imediata do artigo 400º-1-f) do CPP resulta agravamento para a situação processual do arguido, nomeadamente uma limitação do seu direito de defesa.

A propósito deste artigo 5º do CPP, Simas Santos e Leal Henriques in CPP anotado, comentando tal normativo referem que "o artigo ... joga com realidades nem sempre fáceis de compreender e caracterizar na prática" e consideram que aquela expressão "agravamento sensível" tem um sentido quantitativo e qualitativo, correspondendo a agravamento palpável, significativo, importante, com repercussão na esfera jurídica processual do arguido, enquanto a expressão "ainda evitável" significa que " a excepção aí mencionada só existe como tal se ainda for possível obviar ao agravamento da situação processual do arguido, quer actual, quer esperada (expectativas legítimas)".

Tem sido entendimento jurisprudencial que o recurso se rege pela lei em vigor à data da decisão recorrida ou, pelo menos, da sua interposição, pois o direito ao recurso só surge com a prolação da respectiva decisão (cfr. acs. deste STJ de 23.11.2007, Proc. 4459/07 - 5ª e de 30.04.2008 in Proc. 110/08 - 5ª - este, citando José António Barreiros in Sistema e Estrutura do Processo Penal Português, 1997, I, 189 " ... em matéria de recursos, o problema da lei aplicável à prática dos actos processuais respectivos haverá de encontrar-se em função da regra geral - a da vigente no momento do acto - e não em função de um critério especial, pelo qual se atenda à lei vigente no momento da interposição do recurso a qual comandaria inderrogavelmente toda a tramitação do recurso".

Também Germano Marques da Silva parece concordar com tal interpretação pois para ele, a excepção da não aplicação imediata da lei nova só se impõe "quando desta resultar, no caso concreto, diminuição do direito de defesa do arguido, frustrando as expectativas de defesa relativamente à admissibilidade de certos actos de defesa que ficariam prejudicados pela aplicação imediata da lei nova".

Como diz Cavaleiro de Ferreira (Curso de Processo Penal, I, págs. 62-63), do princípio geral da aplicação da lei processual no tempo, segundo o qual a lei aplicável é a vigente no momento em que o acto processual foi ou é cometido, resulta que se um processo terminou no domínio de uma lei revogada o mesmo mantém pleno valor; se o processo se não iniciou ainda, embora o facto que constitua o seu objecto tenha sido cometido no domínio da anterior legislação, é-lhe inteiramente aplicável a nova legislação; e, se a lei nova surge durante a marcha do processo, são válidos todos os actos processuais realizados de harmonia com a lei anterior, sendo submetidos à nova lei todos os actos ulteriormente praticados.

Em matéria de recursos tal significa, em conjugação com o princípio jurídico-constitucional da legalidade, que a lei nova será de aplicar imediatamente, sem embargo da validade dos actos já praticados, a menos que por efeito da aplicação da lei nova se verifique um agravamento da situação do arguido ou se coloque em causa a harmonia e unidade do processo. Assim, a lei nova é aplicável a todos os actos processuais futuros, com a ressalva imposta pelas als. a) e b) do n.º 2 do art. 5º.

É esta a orientação que este Supremo Tribunal tem assumido, de forma pacífica (v. Ac. deste STJ - 3ª de 20-02-2008, Proc. n.º 4838/07).

Integrando o recurso e o respectivo direito de interposição, um direito fundamental do arguido, se a lei nova lhe retirar um grau de recurso - para o STJ - que em abstracto lhe assistia face ao regime processual anterior, é de admitir o recurso interposto (Ac. STJ de 05.03.2008, Porc. 100/08).

Ora o recurso penal - que consta do artigo 2º do protocolo nº 7 à Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, aprovado, para ratificação, pela Resolução da Assembleia da República nº 22/90, de 27 de Setembro e ratificado pelo Decreto do Presidente da República nº 51/90 - é um dos direitos fundamentais do arguido.

Tal direito tem consagração no artigo 32º-1 da Constituição da República Portuguesa (após a 4ª revisão constitucional).

Sendo assim, há que salvaguardar sempre a existência de um duplo grau de jurisdição (o que não é a mesma coisa que um duplo grau de recurso).

Na verdade, o Tribunal Constitucional tem decidido...

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