Acórdão nº 08A3806 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 03 de Fevereiro de 2009
Magistrado Responsável | HELDER ROQUE |
Data da Resolução | 03 de Fevereiro de 2009 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: AA, residente no lugar de Ventoso, freguesia de Lomar, concelho de Braga, propôs a presente acção, com processo ordinário, contra BB e CC, residentes no lugar de Bocas, freguesia de Esporões, concelho de Braga, pedindo que, na sua procedência, estes sejam condenados a pagar ao autor a quantia de €45.974,05, acrescida de juros de mora, contados à taxa legal, desde a citação até efectivo pagamento, a título de indemnização, pelos danos patrimoniais e não patrimoniais, que sofreu, em consequência de um acidente de viação, por omissão do dever de vigilância sobre o seu filho menor, DD.
Na contestação, os réus arguiram, na parte que ainda interessa à apreciação do objecto da revista, a excepção da ilegitimidade passiva, porquanto o DD não é filho do BB mas apenas da CC, que se encontra desacompanhada do marido, e ainda porque a bola que, pretensamente, atingiu o autor terá sido arremessada no decurso de um jogo de futebol, em que participavam dois outros menores, EE e FF, filhos do citado BB e de GG e de HH e de II, respectivamente, sendo certo que os primeiros haviam celebrado com a "Ocidental - Companhia Portuguesa de Seguros, SA" um contrato de seguro que cobria os danos, eventualmente, causados a terceiros pelo filho, impugnando, também, a factualidade alegada pelo autor, quer no que concerne ao acidente, quer no que respeita aos danos dele resultantes.
Na réplica, o autor conclui como na petição inicial.
Admitidos os chamamentos, os intervenientes "Ocidental - Companhia Portuguesa de Seguros, SA", HH e mulher, II, GG e JJ contestaram, impugnando a matéria alegada pelo autor, tendo a "Ocidental - Companhia Portuguesa de Seguros, SA" sustentado que a sua eventual condenação jamais poderá ultrapassar a cobertura prevista no contrato de seguro, que ascendia a €2.493,99, deduzida da franquia estabelecida.
A sentença julgou a acção, parcialmente, procedente, e, em consequência, absolveu os chamados HH e II do pedido, tendo condenado os réus BB e mulher, GG, CC e marido, JJ, a pagarem, solidariamente, ao autor a quantia de €25.512,81 (vinte e cinco mil, quinhentos e doze euros e oitenta e um cêntimos), deduzindo-se ao montante a cargo dos primeiros a quantia de €2.493,99 (dois mil, quatrocentos e noventa e três euros e noventa e nove cêntimos), pela qual é responsável a chamada "Ocidental - Companhia Portuguesa de Seguros, SA", acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação e até efectivo e integral pagamento.
Desta sentença, os réus condenados interpuseram recurso, tendo a apelação sido julgada improcedente pelo Tribunal da Relação.
Do acórdão da Relação, os mesmos réus interpuseram recurso de revista, terminando as alegações com o pedido da sua revogação e substituição por outra decisão que, julgando improcedente a acção, determine a absolvição dos recorrentes do pedido, formulando as seguintes conclusões: 1ª - Os recorrentes não podem conformar-se com o douto acórdão proferido nos autos, enquanto julgou que "os Apelantes não demonstraram terem cumprido a sua obrigação legal de vigilância dos seus filhos menores, nem que os danos causados ao autor por acto dos seus filhos menores sempre ocorreria ainda que a houvessem cumprido" (cfr., p.f., pág. 8, citado douto acórdão).
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- A questão que os recorrentes ora submetem à apreciação deste Supremo Tribunal, é a de que, no entendimento destes, os factos dados como provados em 1a instância, e que o douto acórdão recorrido dá por reproduzidos, mormente a factualidade considerada provada nos pontos 3, 4 e 5 da matéria de facto provada (cfr., p.f., "Fundamentação", a pág. 3 do douto acórdão recorrido), é subsumível à previsão da 2a parte do art° 491°, do Código Civil, e não à 1a parte do citado preceito legal.
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- Entendem, pois, os recorrentes que, no caso concreto, e atendendo à matéria de facto dada como provada em 1a instância -designadamente, nos pontos 3, 4 e 5, da matéria de facto provada -, e à prova produzida na audiência de julgamento (bem como ao documento existente nos autos), a decisão a proferir nos autos, salvo o devido respeito, deveria ser a inversa, dando-se procedência à previsão contida na 2a parte do art° 491°, CC (e não à 1a parte do citado preceito legal, como o fez a douta sentença recorrida), absolvendo-se os recorrentes do pedido.
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- Assim, e salvo o devido respeito, entendem os recorrentes que o douto acórdão recorrido violou o disposto no art° 491° do Código Civil (CC).
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- Violação essa consubstanciada na procedência, perfilhada pelo douto acórdão recorrido, da "regra" contida na 1a parte do citado preceito legal (art° 491°, CC), e correspondentemente, na preterição (ou improcedência) da "excepção" contida na 2a parte do mesmo preceito legal.
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- Na sua petição inicial, o autor/recorrido baseou a sua pretensão indemnizatória na figura jurídica da culpa "in vigilando" configurando a presente acção e dirigindo-a contra os réus/recorrentes enquanto pais de menores causadores de danos a outrem.
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- A este respeito, dispõe o art° 491°, do Código Civil (disposição legal em que o autor/recorrido, aliás, expressamente baseia a sua pretensão indemnizatória), sob a epígrafe de "Responsabilidade das pessoas obrigadas à vigilância de outrem", que: "As pessoas que, por lei ou negócio jurídico, forem obrigadas a vigiar outras, por virtude da incapacidade natural destas, são responsáveis pelos danos que elas causem, salvo se mostrarem que cumpriram o seu dever de vigilância ou que os danos se teriam produzido ainda que o tivessem cumprido".
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- Pode ler-se no douto acórdão recorrido (a págs. 7 do mesmo) que"o jogo de futebol na via pública praticado pelos menores constituía uma fonte de perigo de lesão para os transeuntes e para os bens nela existentes e nas imediações da mesma, pelo que os apelantes, ao permitirem a prática de tal jogo na via pública pelos seus filhos menores, incumpriram o seu dever legal de evitar tal perigo de lesão de bens alheios e, por conseguinte, incumpriram, por acção, a sua obrigação legal de vigilância dos seus filhos menores".
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- E lê-se ainda no douto acórdão recorrido (a pág. 8) que: "(...) os apelantes não demonstraram terem cumprido a sua obrigação legal de vigilância dos seus filhos menores, nem que os danos causados ao autor por acto dos seus filhos menores sempre ocorreria ainda que a houvessem cumprido".
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- Salvo o devido respeito, os recorrentes não podem concordar com as supracitadas considerações ou conclusões - transcritas nas conclusões 8ª e 9ª supra, e constantes do douto acórdão recorrido.
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- No entendimento dos recorrentes, a matéria de facto dada, na douta sentença recorrida, como provada sob os pontos 3 e 5 da "Matéria de Facto Provada", e transcritos no douto acórdão recorrido, consubstanciam ou traduzem, precisamente, a demonstração, exigida pela 2a parte (ou, se se preferir, pela parte final) do art° 491°, CC, de que (os recorrentes) "cumpriram o seu dever de vigilância ou que os danos se teriam produzido ainda que o tivessem cumprido".
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- No entendimento dos recorrentes, e salvo o devido respeito, ao dar como provada a matéria constante dos pontos 3 e 5 da "Matéria de Facto Provada", os quais se mostram devidamente transcritos no douto acórdão recorrido, as instâncias deveriam ter-lhe(s) subsumido a parte final do art° 491°, CC; ao invés ou em vez de lhe(s) subsumir a 1a parte do mesmo preceito legal.
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- Com efeito, pode ler-se no douto acórdão recorrido (a pág. 7 do mesmo) que "no caso em apreço, os menores causadores do facto danoso ao autor, jogavam futebol, com conhecimento e com autorização dos respectivos progenitores, num arruamento público", e que "no decorrer do jogo de futebol, a bola foi cair no interior do quintal do réu BB, donde o menor DD a arremessou, com as mãos, para o menor EE, a qual, porque este não conseguiu apanhá-la, foi embater numa pedra, inverteu a trajectória e foi parar à faixa de rodagem da Estrada Nacional n°101, onde circulava o autor conduzindo o seu ciclomotor, que, devido ao súbito aparecimento daquela bola na sua semi-faixa de rodagem, se despistou, caiu ao chão e sofreu danos, bem como o seu ciclomotor".
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- E, mais adiante, pode ler-se ainda no douto acórdão recorrido (a pág. 8 do mesmo): "(...) como aliás consta da sentença recorrida, a acção dos filhos menores dos apelantes causal dos danos ao autor foi o referido arremesso da bola, efectuado nas circunstâncias descritas".
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- No entendimento dos recorrentes, a matéria fáctica contida nos trechos (constantes do douto acórdão recorrido, a págs. 7 e 8 do mesmo, transcritos e destacados nas conclusões 13ª e 14ª supra, e, bem assim, a matéria constante dos pontos 3 e 5 da "Matéria de Facto Provada" (reproduzida no citado acórdão) deveria ser interpretada - subsunção do direito aplicável à matéria de facto provada, no sentido de considerar verificada ou preenchida a "excepção" prescrita na parte final do art° 491°, CC.
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- Isto é, no sentido de se considerar demonstrado, no caso em apreço, que os recorrentes "cumpriram o seu dever de vigilância ou que os danos se teriam produzido ainda que o tivessem cumprido".
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- Aliás, este entendimento dos recorrentes mostra-se perfeitamente plasmado no teor do douto despacho de arquivamento que o Exm° Senhor Magistrado do Ministério Público proferiu no Inquérito n°000387/01.8GTBRG (que correu os seus termos pelos Serviços do Ministério Público de Braga), a propósito, precisamente, do caso ora em apreço - e que se mostra junto aos presentes autos (fls. 160 a 168 dos autos).
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- No referido despacho de arquivamento (Inquérito n° 000387/01.8GTBRG, Serviços do Ministério Público de Braga), pode ler-se que: "No caso em apreço, sendo certo que o facto de jogar à bola numa via pública cria um risco típico, susceptível de criar um acidente de viação, a verdade é que apenas é previsível que esse risco seja criado na via pública onde se pratica a infracção e não numa via paralela separada por...
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