Acórdão nº 08P3978 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Janeiro de 2009

Magistrado ResponsávelSANTOS MONTEIRO
Data da Resolução27 de Janeiro de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam em conferência na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça : No 2º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Beja, processo n.º 317/07. 3PBBJA, foi julgado em processo comum, com intervenção de Tribunal Colectivo, o arguido AA, tendo sido condenado, pela prática em autoria material de um crime de homicídio, previsto e punível pelo artigo 131º do Código Penal, na pena de treze anos de prisão ; mais foi condenado a satisfazer a BB a quantia de setenta mil euros a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a notificação para contestar até integral pagamento, na procedência parcial do pedido indemnização cível que aquela deduziu .

I. Inconformado o arguido interpôs recurso para a Relação de Évora que lhe negou provimento , de novo interpondo o arguido recurso para este STJ , apresentando na motivação as seguintes conclusões : Não são inteligíveis as razões pelas quais os meios de prova , genericamente indicados , serviram para formar a convicção do tribunal e os motivos que levaram o julgador a credibilizá-los , podendo estar-se perante uma insuficiência intolerável de motivação , onde as perguntas ao arguido deviam ter partido não de um juízo de culpabilidade mas de presunção de instância .

O arguido indicou claramente os pontos de facto que entendeu indevidamente dados como provados e quais os que deviam figurar em seu lugar , pelo que a Relação devia ter examinado toda a factualidade dada como provada .

Inexiste in casu erro notório na apreciação da prova e insuficiência da matéria de facto para a decisão de direito .

Na verdade , e apesar de o tribunal não o considerar relevante , a versão do arguido é confirmada pela maioria das testemunhas, apenas uma delas , CC, apresenta uma versão que mereceu a credibilidade do tribunal , pese embora o tribunal não referir as razões por que deu crédito a tal testemunha e não às restantes , particularmente ao depoimento de DD .

Este disse ter visto o falecido EE em tom ameaçador e a curta distância da vítima , com um pau na mão esquerda , para agredir o arguido , como o próprio acórdão consigna mas sem lhe atribuir qualquer relevância.

Outra das testemunhas alega mesmo ter visto o falecido EE com um pau , no interior do armazém .

Na mão da vítima foi achado um canivete facto a que o tribunal não deu qualquer relevo e nem para ele encontrou explicação .

O depoimento daquela testemunha não foi apoiado por qualquer outro meio de prova .

O facto de todos se acharem alcoolizados não significa que se extraia maior credibilidade de um depoimento em detrimento de outros .

O princípio da livre convicção probatória foi levado longe demais .

O tribunal não tem que dizer o que a testemunha declarou mas as razões ou motivos por que os depoimentos respectivos se mostraram credíveis no espírito do julgador , não satisfazendo a essa exigência a mera referência genérica aos meios de prova produzidos , sem referência concreta a cada .

Questiona o recorrente a distância a que o tiro foi disparado , sendo que o tribunal concluiu por uma distância de 5 metros , apontando o exame médico-legal nas suas conclusões que o tiro foi disparado a curta distância , considerando a distância que vai do local da porta do armazém até ao local onde o corpo foi encontrado, cerca de 3 a 4 metros .

O disparo a longa distância , em termos médico-legais , engloba todos os disparos a uma distância excedente a 1 metro .

Nas conclusões médico-legais alude-se à circunstância de a direcção do trajecto seguido pelo projéctil foi de frente para trás , de fora para dentro e num plano horizontal ou nos planos que têm uma inclinação ligeiramente para cima .

Tal circunstância vem fundamentar a ideia de que ambos se achavam a curta distância um do outro , podendo mediar pouco mais de um metro , sendo a distância a que o tribunal chegou claramente exagerada , servindo para fazer cair a tese da defesa , relativamente aos pressupostos da legítima defesa .

Não se percebe como o tribunal concluiu que foi o falecido a sair primeiro do armazém , seguido do arguido , virando-se e ficando de frente para o arguido e este junto à porta do armazém , pois o croquis de fls . 25 não esclarece , não se percebendo com que base o tribunal chegou a esta conclusão .

Dúvidas que houvesse estas levariam ao funcionamento do princípio " in dubio pro reo " .

O relatório da autópsia diz que a vítima revelou a presença de álcool no sangue na permilagem de 2, 84 grs . , o que segundo o diagnóstico médico-legal de " provavelmente influenciado pelo álcool" pode explicar alguns dos seus comportamentos .

O arguido apresentou um relatório médico , uma TAC das órbitas , onde apresenta um corte facial com 3 mm de espessura e fotografias da agressão que sofreu por parte do EE, ambas juntas em sede de contestação antes do desenlace fatal e que não mereceram qualquer impugnação .

O próprio " croquis " de fls . 25 refere salpicos de origem hemática , reforçando a inspecção ao local igual conclusão , como o relatório de autópsia alude a pequenas escoriações na mão direita , consequência da luta , sinal de que nela se achava o canivete .

Donde o erro notório na apreciação da prova .

Pela imagem global dos factos e prova que acabou por ser produzida , nomeadamente as declarações do arguido e reforçada pela testemunha DD , existiu iminente agressão à agressão física do arguido , não provocada por este .

A defesa foi circunscrita aos meios precisos , necessários , para fazer cessar a agressão , paralisando a actuação do agressor, pela impossibilidade de recorrer à força pública em tempo útil , não sendo de exigir uma rápida e minuciosa valoração dos bens em jogo .

Verifica-se " animus defendendi" , o intuito de defesa , o meio necessário de defesa , mostrando-se concorrentes os pressupostos de legítima defesa e violados os art.ºs 32.º , do CP , 21.º in fine , da CRP e 337.º n.ºs 1 e 2 , do CC.

Admitindo-se poderem estar em concurso os pressupostos enunciados no art.º 33.º , do CP , em consequência deve aplicar-se ao arguido uma pena especialmente atenuada .

Deve , pois , proceder-se a uma requalificação jurídico-penal dos factos , tomando em conta que o crime teve lugar por razões não completamente esclarecidas , em circunstâncias em que o falecido teve comportamento decisivo .

O próprio tribunal de 1.ª instância desqualificando o crime considerando que o meio usado não seria particularmente perigoso , parece questionar-se se o arguido agiu ou não com intenção de matar .

O tribunal não fez uma apreciação arbitrária , discricionária ou caprichosa de toda a matéria dos autos , porém o que o julgador poderia ter feito , era atingir um grau seguro de convicção na formação do juízo de valoração , não de forma subjectiva e emotiva , mas fundamentada objectiva e racionalmente , de forma a susceptibilizar o controle .

Na determinação da medida concreta da pena , nos termos dos art.ºs 71.º n.ºs 1 e 2 e 40.º, do CP , deve ponderar-se , também , a reintegração do agente na sociedade , a sua ressocialização , a sua reabilitação , não tendo por base uma política administrativa de segurança , pois deverá atender-se a critérios equitativos de análise e adequação sociológica para uma situação singular .

O Tribunal , estando o arguido com residência fixa , deverá , se assim o entender , em alternativa , aplicar o sistema de vigilância electrónica , pois , antes dos factos , e de detido , habitava com a mãe e filho mais novo , em Beja e , também , fora , podendo cumprir as propostas que apresenta em Ferreira do Alentejo , onde vive a sua filha mais velha .

A pena é desajustada bem como a indemnização arbitrada ( o arguido revelou parcos rendimentos ) .

A condenação em 13 anos de prisão conduzi-lo-à , de vez , para o sumundo do crime , além de lhe hipotecar completamente o seu futuro a nível profissional , pois vive na companhia de seus pais , com um filho , facto a que o tribunal não parece ter dado qualquer relevo .

Apesar de ter cumprido prisão há mais de 30 anos não possui qualquer averbamento no seu CRC, sendo o arguido que tal mencionou , não se percebendo a relevância do facto , até perante a gravidade do crime .

Foi dado como provado que confessou parcialmente os factos , contribuindo para a descoberta da verdade , ajudando a uma valoração global do facto em moldes mais favoráveis à sua personalidade , que no EP mantém um comportamento dentro das regras regulamentares , sendo responsável pelo grupo coral .

Deve , no entanto , em caso de condenação , ser -lhe aplicada uma pena muito inferior à média entre o mínimo e máximo , entre os 8 e os 12 anos de prisão .

Parece , assim , estarem violados os art.ºs 374.º n.º 2 , 97.º n.º 4 , pois nada se diz quanto às razões de ciência das testemunhas , com a consequência nulidade prevista no art.º 379.º n.º 1 a) , do CPP e , ainda , os art.ºs 410.º n.ºs 1 e 2 , 428.º , 430.º n.º 1 e 432.º n.º 1 a) , também daquele diploma.

Deve , pois , ser revogado o acórdão recorrido .

II . O Colectivo deu como assente o seguinte complexo factual : a) O arguido é conhecido por " Toy Calhostras " . aq EE( que por facilidade de exposição passaremos a tratar por EE) era conhecido por " Securas " .

b) O arguido e o EE conheciam-se há cerca de 30 anos e mantinham relacionamento de amizade .

c) De forma não regular o EE auxiliou o arguido na actividade de exploração de bares de alterne que este desenvolveu .

d) No dia 9 de Junho de 2007 , cerca das 13h30 , no seu veículo automóvel da marca Toyota , modelo Land Cruiser , com a matrícula 00-00 -MP , o arguido deslocou-se a um armazém abandonado sito na Rua ..., em Beja , local que sabia frequentado pelo EE e outros indivíduos que conhecia . Pretendia o arguido contactar EE. O arguido tinha em seu poder um revólver de calibre 22, com capacidade para oito ou nove munições . Esta arma não se encontrada registada e nem manifestada .

e) Chegado ao armazém , o arguido encontrou no seu interior o EE, o CC , o JS , o FA , o AB e o PR...

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