Acórdão nº 08S2470 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 21 de Janeiro de 2009

Magistrado ResponsávelVASQUES DINIS
Data da Resolução21 de Janeiro de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1. AA instaurou, em 28 de Junho de 2005, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, a presente acção emergente de contrato de trabalho, com processo comum, contra M... A... G..., Lda.

, pedindo: - Se declare válido e em vigor o contrato de trabalho celebrado pelas partes em 9 de Setembro de 2002 e ilícito o despedimento de que foi alvo; - Se condene a Ré: - A reintegrá-lo na categoria profissional de Director de Recursos Humanos, acrescida da promoção a Director Geral (Adjunto/Subdirector Geral), tudo sem perda de quaisquer direitos ou regalias, nomeadamente, carreira profissional e antiguidade ou a indemnizá-lo conforme o Autor vier a optar; - A pagar-lhe todas as retribuições que deixou de receber desde o despedimento até à data da propositura da acção e as que, desde tal data até à decisão judicial final, normalmente receberia; - A pagar-lhe a retribuição correspondente ao trabalho prestado no mês de Setembro de 2003 e a dois dias de trabalho prestado no mês de Outubro de 2003, bem como os proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal do ano de admissão, e a retribuição correspondente a férias não gozadas do ano de 2003 e respectivo subsídio, tudo acrescido de juros, contados a partir da citação; - A regularizar a situação do Autor na Segurança Social, com a inscrição como trabalhador da Ré, com efeitos a partir da sua admissão, e com o pagamento de todas as contribuições em dívida, acrescidas de juros de mora e coimas a que houver lugar; - No pagamento de quantia não inferior a € 15.000,00, a título de indemnização por danos morais, acrescida dos juros à taxa legal desde a citação; - No pagamento, a título de sanção compulsória, na previsão de que a Ré venha a ignorar a decisão a proferir nos autos, de quantia diária a estabelecer pelo Tribunal, não inferior a € 350,00; Alegou, para tanto, que, em 9 de Setembro de 2002, foi admitido, com a categoria de Director de Recursos Humanos, para exercer a sua profissão sob a autoridade e direcção da Ré, tendo sido verbalmente acordado, entre o mais: a retribuição mensal ilíquida de € 5863,12, em 14 meses por ano, neles se incluindo os subsídios de férias e de Natal; o período normal de trabalho semanal de 40 horas e diário de 8 horas (início às 9:00 e saída às 18:00 horas, com intervalo das 12:00 às 13:00 horas), e o regime de isenção de horário de trabalho (à semelhança dos demais Directores da Ré); que a Ré impôs, como condição para o admitir que, para efeito de quitação das retribuições pagas, apresentasse facturas ou recibos verdes dos valores equivalentes às retribuições pagas, o que o Autor aceitou; que a Ré nunca o inscreveu na segurança social, nem efectuou as correspondentes contribuições e pagamentos; que exerceu as suas funções por ordem e no interesse da Ré, encontrando-se integrado na estrutura hierárquica desta, e executou as funções e tarefas que lhe foram atribuídas em conformidade com a sua categoria e cargo, tendo, a partir de 4 de Julho de 2003, passado a representar o Director Geral da Ré nas faltas e impedimentos deste; que, após uma reunião de trabalho com o Conselho de Administração da Ré, no dia 29 de Setembro de 2003, em que lhe foi transmitido que contavam com ele para integrar outra Direcção, foi confrontado, no dia seguinte, com o texto de uma comunicação interna a ser afixada para conhecimento de todos os colaboradores, na qual se anunciava que o Autor deixava de exercer as suas funções na Ré, sem qualquer outra indicação ou justificação, e, apesar de ele ter manifestado a sua discordância, tal comunicado foi afixado no dia 1 de Outubro de 2003; que, tentando resolver a sua situação, foi-lhe bloqueado o acesso ao computador que lhe estava atribuído; que, nesse mesmo dia, foi revistado, ele e o seu carro, por seguranças, a mando da administração da Ré, e, no dia 2 de Outubro de 2003, quando se apresentou nas instalações desta, foi impedido pelos seguranças de entrar, com base em instruções da Ré; que, tendo posteriormente tentado contactar por escrito a Ré, nunca obteve qualquer resposta, sendo que esta conduta da Ré configura o seu despedimento, de forma ilícita: e que a conduta da Ré causou-lhe danos morais que devem ser indemnizados em quantia não inferior a 15.000,00 euros.

Na contestação, a Ré, impugnando os fundamentos da acção, alegou, no essencial, que entre as partes foi estabelecida uma relação comercial de prestação de serviços, em regime de outsourcing, mediante o pagamento mensal de € 5.863,12 acrescido de IVA à taxa legal de 19%, através da sociedade "P... - C..., U..., Lda.", da qual o Autor é sócio-gerente e cujo objecto social é, entre outros, a consultoria de gestão; que, em Julho de 2003, Autor e Ré tentaram alargar o âmbito da prestação de serviços, mas tal experiência terminou nesse mês, sendo que, numa reunião que teve lugar em 29 de Setembro do mesmo ano, o Autor e a Administração da Ré acordaram fazer cessar imediatamente o dito relacionamento comercial.

Lavrado despacho saneador e elaborada a condensação, realizou-se a audiência de discussão e julgamento, vindo a ser proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente: 1. Declarou o tribunal incompetente em razão da matéria para apreciar o pedido relativo à regularização da situação do Autor na Segurança Social; 2. Declarou ilícito o despedimento do Autor levado a cabo pela Ré e condenou-a a pagar-lhe: a) A quantia total de € 337.505,59, a título de retribuições, férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, vencidos até à data da sentença, acrescida das quantias que se vencerem até trânsito em julgado da sentença; b) A quantia de € 35.178,72, a título de indemnização por antiguidade; c) Uma indemnização por danos morais no montante de € 15.000,00; d) Juros de mora vencidos e vincendos, às respectivas taxas legais em cada momento em vigor para créditos civis, desde a data do vencimento de cada uma das prestações quanto às retribuições, desde a data da citação relativamente à indemnização por antiguidade, e desde a data da prolação da sentença relativamente aos danos não patrimoniais.

  1. Condenou, ainda, a Ré a pagar ao Autor e ao Estado Português, em partes iguais, uma sanção pecuniária compulsória no montante diário de € 350,00, por cada dia de atraso no cumprimento do pagamento das mencionadas quantias, após trânsito em julgado desta decisão." 2.

    A Ré apelou, arguindo a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, e impugnado-a, quanto à qualificação do contrato que vigorou entre as partes como contrato de trabalho e quanto à existência de fundamentos para a condenação em indemnização por danos não patrimoniais e ao respectivo montante, apontando à mesma decisão "falta de equidade".

    Tendo a Relação de Lisboa confirmado integralmente a sentença, veio a Ré pedir revista, cuja alegação rematou com as seguintes conclusões, posteriormente completadas, a convite do relator, com a indicação de terem sido violadas as normas dos artigos 4.º, 1152.º e 1154.º, todos do Código Civil: «1 - O caso sub judice reconduz-se à questão de saber se a relação jurídica estabelecida entre as partes assume a natureza de um contrato de prestação de serviços, ou de um contrato de trabalho; 2 - Os elementos que verdadeiramente distinguem o contrato de trabalho do contrato de prestação de serviços são a subordinação e a autonomia; 3 - Não existe nenhuma fórmula que pré-determine o doseamento necessário dos índices de subordinação, porque cada um desses índices pode assumir um valor significante muito diverso de caso para caso; 4 - No caso concreto as partes ajustaram um contrato de prestação de serviços remunerado por um valor elevado, acrescido de IVA, pago à sociedade unipessoal de que o Recorrido é sócio-gerente e que emitiu mensalmente os inerentes recibos de quitação; 5 - Em face dos factos dados como assentes, o Tribunal "a quo" deveria ter decidido que o contrato celebrado verbalmente entre o Recorrente e Recorrido foi um contrato de prestação de serviços de consultoria de gestão, reformulação e optimização de processos aplicado aos recursos humanos; 6 - Só após a entrada da acção em Tribunal é que o Recorrido passou a reivindicar a qualidade de trabalhador subordinado e a falar em despedimento ilícito; 7 - O relacionamento comercial entre Apelante e Apelado durou apenas 1 ano e 23 dias; 8 - Pela cessação desse relacionamento o Tribunal "a quo" determinou a condenação da Recorrente a pagar ao Recorrido a quantia de € 387.684,31 (ou seja em moeda antiga 77.723 contos); 9 - Não pode deixar de chamar-se a atenção do Tribunal "ad quem" para a falta de equidade da presente situação; 10 - O Recorrido sustentou o seu pedido da indemnização por danos morais num conjunto de afirmações meramente conclusivas; 11 - Não foram juntos aos autos quaisquer relatórios clínicos, nem quaisquer documentos comprovativos de despesas médicas ou medicamentosas, assim como não foi arrolado qualquer médico como testemunha ou solicitada perícia médica, que comprovassem o alegado pelo Recorrido; 12 - O Recorrido apenas contraiu um empréstimo bancário após o início da colaboração comercial entre as partes, cuja prestação mensal era só de € 54,46; 13 - Os factos dados como provados não são idóneos a fundamentar a condenação da Recorrente em indemnização por danos morais e - muito menos - no elevadíssimo valor fixado; Termos em que dando V. Exas. provimento ao recurso, deverá a...

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