Acórdão nº 08S2576 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Janeiro de 2009

Magistrado ResponsávelSOUSA PEIXOTO
Data da Resolução14 de Janeiro de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: 1. Relatório O Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil, Madeiras, Mármores e Pedreiras do Distrito de Viana do Castelo veio demandar, ao abrigo do disposto no art.º 14.º da Lei n.º 17/86, de 14 de Junho, a AA S. A.

, a BB - Sociedade Imobiliária, L.da e a CC, L.da, pedindo: i) que seja anulado o acto titulado pela escritura de compra e venda celebrado entre a 1.ª e a 2.ª rés, em 16 de Julho de 2002; ii) que seja anulado o acto titulado pela escritura de compra e venda celebrado entre a 1.ª e a 3.ª rés, em 30 de Julho de 2002; iii) que seja ordenado o cancelamento de todos os actos e registos efectuados com base nas referidas escrituras.

Fundamentando a sua pretensão, o autor alegou que a 1.ª ré vendeu à 2.ª e 3.ª rés os imóveis identificados nas respectivas escrituras de compra e venda unicamente para se furtar ao pagamento dos créditos laborais devidos aos seus trabalhadores, a título de salários em atraso, diferenças salariais de vários anos e indemnização por rescisão do contrato de trabalho com base em salários em atraso, os quais não deverão ser inferiores a € 1.200.000,00, sendo que os contratos referidos foram celebrados nos seis meses anteriores à situação de salários em atraso e deles resultou uma drástica diminuição da garantia patrimonial dos ditos créditos, uma vez que os bens em nome da 1.ª ré se circunscrevem a seis prédios rústicos de diminuto valor e a um prédio urbano, todos eles com altos encargos sobre si incidentes.

A 1.ª ré (AA S. A.) e a 2.ª ré (BB - Sociedade Imobiliária, L.da) contestaram, pugnando pela improcedência da acção.

No início da audiência de discussão e julgamento, as partes chegaram a acordo quando à matéria de facto alegada na petição inicial que consideravam provada e prescindiram da prova testemunhal. E, de seguida, o M.mo Juiz deu a palavra aos seus mandatários para alegações, que dela usaram, e designou data para a leitura da matéria de facto.

Na data aprazada, aberta a audiência, sem que ninguém estivesse presente, o M.mo Juiz apresentou em mão o despacho referente à matéria de facto e deu por encerrada a audiência.

Posteriormente, foi proferida sentença julgando a acção totalmente procedente.

As 1.ª e 2.ª rés recorreram da sentença, mas sem qualquer êxito, uma vez que o Tribunal da Relação do Porto confirmou integralmente a decisão da 1.ª instância.

Mantendo o seu inconformismo, a 1.ª e a 2.ª rés interpuseram recurso de revista, mas só a 1.ª alegou, tendo formulado as seguintes conclusões: 1 - Nos termos do disposto no artigo 712.º, n.º 1, alínea a), do CPC: "A decisão do tribunal da 1.ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação: se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa (...)".

2 - Entre outros factos, ficaram provados os créditos dos trabalhadores no montante global de € 800.000,00 sobre a recorrida (ponto 24 dos factos provados) e que as vendas declaradas anuladas foram realizadas nos seis meses anteriores ao reconhecimento dos salários em atraso.

3 - Não obstante, não é menos verdade que também ficou provado que, à data da instauração da presente acção, a recorrente era proprietária dos seguintes bens, já depois de ter alienado aqueles cujos contratos se pretendem ver anulados com a presente acção: - Artigo 211 - Freguesia de Alvarães, terreno de mato com 4.700 m2 e o valor tributável de 1.185$00, com o ónus de penhora à Fazenda Nacional e hipoteca ao Centro Regional de Segurança Social do Norte - Serviço Sub-Regional de Segurança Social de Viana do Castelo, - Artigo 212 - Freguesia de Alvarães, terreno de mato e pinheiros, com a área de 1337 m2 e o valor tributável de 303$00, penhorado à Fazenda Nacional e hipotecado ao Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, Delegação de Viana do Castelo, - Artigo 1682 - Freguesia de Alvarães, terreno de mato com 364 m2 e o valor tributável de 101$00, penhorado à Fazenda Nacional e hipotecado ao Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, Delegação de Viana do Castelo, - Artigo 698 - Freguesia de Vila Fria, leira de mato e pinheiros com a área de 1.755 m2 e o valor tributável de 908$00, com hipoteca para garantia do pagamento de contribuições respeitantes ao período de Dezembro de 1993 a Dezembro de 1996 e juros de mora calculados até Maio de 1998, ao Centro Regional de Segurança Social do Norte - Serviço Sub-Regional de Segurança Social de Viana do Castelo, com sede na Rua da Bandeira, n.º 600, - Artigo 783 - Freguesia de Vila Fria, terreno de mato e pinheiros com 14.254 metros quadrados e o valor tributável de 6.275$00, penhorado à Fazenda Nacional e com hipoteca para garantia do pagamento de contribuições respeitantes ao período de Dezembro de 1993 a Dezembro de 1996 e juros de mora calculados até Maio de 1998, ao Centro Regional de Segurança Social do Norte, Serviço Sub-Regional de Segurança Social de Viana do Castelo, com sede na Rua da Bandeira, n.º 600, - Artigo 797 - Freguesia de Vila Fria, terreno de mato, com 1250 m2 e o valor tributável de 504$00, penhorado à Fazenda Nacional e com hipoteca para garantia do pagamento de contribuições respeitantes ao período de Dezembro de 1993 a Dezembro de 1996 e juros de mora calculados até Maio de J 998, ao Centro Regional de Segurança Social do Norte - Serviço Sub-Regional de Segurança Social de Viana do Castelo, com sede na Rua da Bandeira, n.º 600, Forno n.º 1 Forno n.º 2 Equipamento queima forno n.º 1 Equipamento queima forno n.º 2 Secador n.º 1 Secador n.º 2 Equipamento de carga secador n.º 1 Equipamento de carga secador n.º 2 Empacotadeira de enforna forno n.º 1 Empacotadeira de enforna forno n.º 2 Cintadeira de Paletização n.º 1 Cintadeira de Paletização n.º 2 Ponte Rolante de 7 T Ponte Rolante de 5 T Ventiladores Chaminé 1 e 2 Grandes ventiladores dos secadores (12) Equipamento de fornalha n.º1 Equipamento de fornalha n.º 2 Telas transportadoras, motores e outros equipamentos Quadros gerais eléctricos Postos de transformação Camiões, máquinas escavadoras e empilhadores Duas linhas de fabrico da fábrica.

4 - Como se poderá constatar da contestação, o valor global dos imóveis acima referidos, propriedade da recorrida, estima-se em € 634.854,99 (vide artigo 51.º da contestação), enquanto que o valor do equipamento, maquinismos, utensílios, veículos pesados e linha de fabrico não é inferior a € 5.308.716,01 (vide artigos 53.º; 54.º; 55.º e 56.º da contestação).

5 - E, em audiência de discussão e julgamento, o recorrido sindicato aceitou a existência desses equipamentos, maquinismos, utensílios, veículos pesados e linhas de fabrico, fazendo referência aos sobreditos artigos da contestação, ou seja, sem pôr em causa o valor aí atribuído, resultando, assim, que à data da instauração da presente acção, já depois de realizadas as vendas que se pretendem anular, a recorrente manteve um património no valor de € 5.943.571,00, enquanto que o valor dos créditos dos trabalhadores representados pelo sindicato recorrido na presente acção é apenas de € 800.000,00 por arredondamento.

6 - Face ao mencionado objecto do recurso, impunha-se à Relação reapreciar as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em atenção o conteúdo das alegações da recorrente, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados (art. 712°, n.os 1 e 2 do C.P.C.).

7 - É entendimento da recorrente que a Veneranda Relação estava, sem dúvida, de posse dos mesmos elementos probatórios de que dispunha a 1.ª instância, para se poder substituir a esta e proceder à reapreciação completa da decisão da matéria de facto impugnada, sem quaisquer limitações, a não ser as impostas pelas regras de direito probatório material, como permitido pelo art. 712°, n.º 1, alínea a) e n.º 2 do C.P.C.

8 - No caso in iudicium, o apuramento do valor do património da recorrente é indispensável à boa decisão da causa, não obstante tal valor ter sido expressamente alegado pela recorrente aquando da sua contestação e ter sido admitido, ainda que tacitamente, pelo recorrido.

9 - Nos termos do disposto o artigo 217.º, n.º 1, do Código Civil: "A declaração negocial pode ser expressa ou tácita: é expressa quando feita por palavras, escrito ou qualquer outro meio directo de manifestação da vontade; é tácita quando se deduz de factos que, com toda a probabilidade, os revelam", e dir-se-á que ela tem lugar sempre que a um comportamento seja atribuído um significado legal tipicizado, sem admissão de prova em contrário (cfr. Mota Pinto in "Teoria Geral", 1967, pág. 174).

10 - "Está dentro dos poderes do Tribunal da Relação ad quem, nos termos dos artigos 713.º, n.º 2 e 659.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, conhecer de factos admitidos por acordo, ainda que oportunamente não especificados, nem considerados na sentença recorrida." - cfr. Ac. do STJ, de 22.11.1994; BMJ, 441° - 297 -, daí que, tenha errado a Relação quando interpretou o disposto no artigo 712.º do CPC no sentido de considerar que não seria de o aplicar, por não constarem dos autos todos os elementos de prova que serviriam de base à decisão de introduzir nos factos provados o valor dos bens que eram ainda propriedade da recorrente à data dos factos em discussão ...

11 - Mas, mesmo que o Tribunal da Relação entendesse que o valor dos bens supra identificados não está provado, uma vez que tal facto foi alegado nos artigos 51.º, 53.º, 54.º, 55.º, 56.º, 57.º e 58.º da contestação, deveria tal matéria ser levada a julgamento para se apurar o alegado valor dos bens em apreço, fazendo uso do poderes que tinha ao seu dispor nos termos do previsto no artigo 712.º, n.º 4 do C.P.C., designadamente através da formulação de novos quesitos, nos termos da alínea f) do artigo 650.º do mesmo Código, pelo que deveria o Venerando Tribunal a quo ter anulado a decisão da...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT