Acórdão nº 08S2055 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Janeiro de 2009

Magistrado ResponsávelVASQUES DINIZ
Data da Resolução14 de Janeiro de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1. Em acção especial emergente de acidente de trabalho, instaurada, mediante participação efectuada em 28 de Novembro de 2003, no Tribunal do Trabalho da Figueira da Foz, AA e BB demandaram "CC, Instalações Eléctricas, Lda.

" e "DD, Companhia de Seguros, SA", pedindo a condenação destas no pagamento das indemnizações e pensões, cujos montantes discriminaram no respectivo articulado, destinadas a reparar o sinistro laboral/rodoviário de que resultou a morte de JS, que vivia em união de facto com a primeira Autora e era pai da segunda, acidente esse ocorrido no dia 25 de Novembro de 2003, em Listowel, República da Irlanda, encontrando-se o sinistrado ao serviço da primeira Ré, que havia transferido a responsabilidade infortunística para segunda Ré.

Ambas as Rés contestaram.

A seguradora, a pugnar pela improcedência da acção, sustentou a descaracterização do acidente, enquanto acidente de trabalho, nos termos do artigo 7.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro (doravante, abreviadamente, LAT), aduzindo, em síntese, que o sinistro que consistiu no despiste, e colisão com uma árvore, de uma moto 4X4, que a vítima, sem possuir a necessária habilitação legal, conduzia, sem que tal lhe fosse ordenado ou autorizado pela entidade empregadora ou seu representante.

A empregadora, em suma, invocou a caducidade do direito de acção, a sua ilegitimidade (por virtude de transferência de responsabilidade operada através do contrato de seguro celebrado com a co-Ré seguradora), bem como a ilegitimidade das Autoras (por se desconhecerem os factos atinentes à condição de beneficiárias legais); impugnou o valor da retribuição indicado na petição, bem como o direito a indemnização por danos não patrimoniais; e sustentou que o acidente não pode ser qualificado como acidente de trabalho, pois ocorreu fora do tempo e do local de trabalho, não estando relacionado com qualquer serviço determinado ou consentido ou de que a contestante tirasse proveito; aduziu, finalmente, que o acidente resultou, apenas, de culpa grave e exclusiva do sinistrado, que decidiu tripular pela via pública um veiculo motorizado, sem habilitação legal e qualificação para o efeito, e sem ordem da entidade patronal nesse sentido, pelo que deve considerar-se descaracterizado, nos termos do artigo 7.º, n.º 1, alínea b), da LAT. Concluiu, "sem embargo de vir a ser absolvida da instância" - em caso de procederem as excepções dilatórias invocadas -, pela sua absolvição de todos os pedidos.

No articulado de resposta que apresentaram, as Autoras requereram a intervenção principal da empresa "CME - Construção e Manutenção Electromecânica, SA" e argumentaram no sentido da improcedência das excepções invocadas pelas Rés, finalizando como na petição.

Admitida a intervenção e citada a requerida, veio esta contestar, dizendo que o sinistrado não era seu trabalhador, tendo, outrossim, invocado a caducidade do direito de acção e alegado a descaracterização do acidente em termos idênticos aos explanados na contestação da Ré empregadora.

Proferido despacho saneador, no qual se julgaram improcedentes as excepções de ilegitimidade e da caducidade, procedeu-se à condensação, especificando-se os factos assentes e organizando-se a base instrutória.

Realizada a audiência de julgamento e lavrado o veredicto sobre a matéria de facto controvertida, foi proferida sentença em que se decidiu julgar a acção parcialmente procedente e condenar a Ré "DD" no pagamento "a) à autora AA, a pensão anual e vitalícia de 2.042,46 euros, devida a partir de 26/11/03, obrigatoriamente remível, e o subsídio por morte de 2.139,60 euros; b) à autora BB, a pensão anual de 1.361,64 euros, devida a partir de 26/11/03, bem assim como o subsídio por morte de 2.139,60 euros".

  1. Tendo apelado a Ré seguradora e as Autoras, o Tribunal da Relação de Coimbra negou provimento ao recurso da demandada e julgou procedente o das demandantes, em consequência do que fixou em € 3.142,44 e € 2.094,96, as pensões devidas, respectivamente, à primeira e segunda demandantes, confirmando em tudo o mais a sentença.

    Do acórdão da Relação interpôs a mesma Ré o presente recurso de revista a solicitar que se considere descaracterizado o acidente, absolvendo-se a recorrente do pedido.

    Terminou a respectiva alegação com as conclusões assim redigidas: 1ª- Dão-se por reproduzidas as conclusões constantes das alegações efectuadas no recurso de apelação; 2ª- O falecido JS não se encontrava legalmente habilitado a conduzir; 3ª- A lei não permite a condução na via pública de moto-quatro sem que o condutor se encontre legalmente habilitado para o efeito; 4ª- A autorização legal para conduzir constitui uma presunção legal de que o titular desse título se encontra apto a desempenhar o exercício da condução; 5ª- A não existência de habilitação legal para conduzir constitui uma presunção legal "juris et de jure" de que o condutor, nessas circunstâncias, não possui conhecimentos nem habilitação para fazê-lo; 6ª- Tal presunção "juris et de jure" não pode ser elidida por prova em contrário; 7ª- Não se encontrando legalmente habilitado a conduzir, o JS violou sem causa justificativa as condições de segurança previstas na lei para quem conduz na via pública; 8ª- E, por força de igual presunção, já que se presume não estar em condições de conduzir veículos na via pública, o acidente que vitimou o JS ocorreu por sua exclusiva e grosseira negligência; 9ª- Para além das disposições legais já explicitadas nas alegações no recurso de apelação, foi também violado o disposto no artigo 8.º do código civil.

    As recorridas contra-alegaram, para defenderem a confirmação do julgado.

    No mesmo sentido se pronunciou, neste Supremo Tribunal, a Exma. Magistrada do Ministério Público, em parecer a que as partes não reagiram.

    Face ao teor das conclusões da revista, a questão a dilucidar é a de saber se o acidente em causa não dá direito a reparação, o que passa por averiguar se o evento ocorreu em consequência de conduta da vítima violadora, sem causa justificativa, de condições de segurança legalmente estabelecidas e/ou ficou a dever-se exclusivamente a negligência grosseira do sinistrado [artigo 7.º, n.º 1, alíneas a) e b), da LAT].

    Corridos os vistos, cumpre decidir.

    II 1. Os factos materiais da causa foram, sem crítica das partes, fixados nos termos que se transcrevem: 1. JS sofreu, em 25/11/2003, pelas 12h30m, um acidente que lhe causou lesões (ferimentos da cabeça) que lhe determinaram, directa e necessariamente, a morte - A); 2. O acidente referido na alínea A) dos factos assentes ocorreu em Listowell, na República da Irlanda - B); 3. Em 25/11/2003, JS trabalhava em Listowell, sob autoridade, direcção e fiscalização da ré ‘CC', que o tinha contratado para trabalhar na Irlanda, designadamente em Listowell, exercendo aquele as funções de ajudante de electricista, tudo no âmbito da execução de uma obra de que a interveniente CME era uma das empreiteiras, sendo a ré ‘CC' subempreiteira da CME - C); 4. O acidente referido na alínea A) dos factos assentes ocorreu quando, sem a necessária habilitação legal para o fazer, JS conduzia pela via pública uma moto-quatro que, 300/400 metros após o início da respectiva marcha, entrou em despiste, saiu fora da estrada onde circulava, indo embater num obstáculo fixo - D); 5. Em Novembro de 2003, a ré ‘CC' tinha transferida para a ré ‘DD', a responsabilidade civil emergente de acidente de trabalho que vitimasse, ao seu serviço, o referido JS, pela remuneração anual de 10.474,80 Euros, através de contrato de seguro titulado pela apólice nº...

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