Acórdão nº 08P3772 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Janeiro de 2009

Magistrado ResponsávelFERNANDO FRÓIS
Data da Resolução14 de Janeiro de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I - No Círculo Judicial de Alcobaça, no processo comum nº 660/05.6 GAACB, do 3º Juízo do Tribunal Judicial da comarca de Alcobaça, foi o arguido: AA, solteiro, desempregado, nascido a 18 de Maio de 1966, natural de São Vicente de Aljubarrota, Alcobaça, filho de F...I...de C... e de M...O...V...M..., residente na Rua Principal, nº ..., Ataíja de Baixo, São Vicente de Aljubarrota e actualmente detido no Estabelecimento Prisional Regional de Leiria; Condenado, em cúmulo jurídico, na pena única de 5 anos e 3 meses de prisão, à qual acresce, para efeitos de cumprimento, a pena de 13 meses de prisão aplicada no processo sumário nº 677/05.0 GAACB, do 1º Juízo do Tribunal Judicial da comarca de Alcobaça, determinando a pena única de 6 (seis) anos e 4 (quatro) meses de prisão.

Porém, porque a referida pena de 13 meses de prisão aplicada no dito processo sumário 677/05.0, se mostra extinta pelo cumprimento, deverá ser descontada no cumprimento da pena única aplicada.

Aquele cúmulo, realizado no dia 31 de Julho de 2008, resultou de anteriores condenações e penas parcelares que haviam já sido aplicadas ao mesmo arguido, nos processos e termos seguintes: a) no processo comum colectivo n.º 660/05.6 GAACB, do 3º Juízo do Tribunal Judicial de Alcobaça, por acórdão de 06/07/07, transitado em 20/07/07, foi julgado e condenado, por factos praticados em 02 de Fevereiro de 2006: a) como autor material, e na forma consumada, de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art.º 275º, n.º 1, do Cód. Penal, por referência ao art. 3º, nº 1, alínea g), do DL nº 207-A/75, de 17/04, na pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão, a qual ficou suspensa na sua execução pelo período de 3 anos - cf., fls. 186 a 207; b) no processo comum singular n.º 125/06.9 TAACB do 2º Juízo do Tribunal da Comarca de Alcobaça, por sentença de 14/05/07, transitada em 01/07/07, foi julgado e condenado, por factos praticados em 06/02/2006 : a) como autor material, e na forma consumada, de um crime de detenção de substâncias explosivas ou análogas, p. e p. pelo artigo 275º, nº 1, do Cód. Penal, na pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão - cf., fls. 243 a 253; b) conforme informação prestada a fls. 261, o arguido encontra-se a cumprir pena de prisão à ordem destes autos desde 02/03/2008; c) no processo comum colectivo nº 657/05.6 GAACB do 2º Juízo do Tribunal da Comarca de Alcobaça, por Acórdão de 21/05/07, transitado em 05/06/07, foi julgado e condenado, por factos praticados de 08 a 14 de Dezembro de 2005: a) como autor material e na forma consumada, de quatro crimes de condução de veículo sem legal habilitação, p. e p. no artº 3º, nº 2, do DL nº 02/98, com referência ao art.º 121º do Cód. da Estrada, na pena de 7 (sete) meses de prisão, por cada um deles; b) como autor material e na forma consumada, de um crime de desobediência, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 348º, nº 1, alínea a) e 69º, nº 1, alínea c) e nº 2, ambos do Cód. Penal, com referência ao art.º 152º, nº 1, alínea a) e nº 3, do Cód. da Estrada, na pena de 4 (quatro) meses de prisão; c) como autor material e na forma consumada, de dois crimes de desobediência qualificada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 348º, nº 2, do Cód. Penal, com referência ao art.º 154º, nº 1 e 2, do Cód. da Estrada, na pena de 7 (sete) meses de prisão por cada um deles; d) como autor material e na forma consumada, de um crime de resistência e coacção sobre funcionário, p. e p. pelo art.º 347º do Cód. Penal, na pena de 15 (quinze) meses de prisão; e) como autor material e na forma consumada de uma contra-ordenação ao disposto no art.º 4º, nº 2, do Cód. da Estrada, na coima de 200,00 €; f) em cúmulo jurídico, nos termos do art.º 77º do Cód. Penal, na pena única de 3 (três) anos de prisão (acrescida da coima de 200,00 €) - cf., fls. 282 a 304; d) no Processo Sumário nº 677/05.0 GAACB do 1º Juízo do Tribunal da Comarca de Alcobaça, por sentença de 19/12/2005, devidamente transitada em 16/01/2006, foi julgado e condenado, por factos praticados em 14/12/2005: a) como autor material, e na forma consumada, de um crime de condução de veículo sem legal habilitação, p. e p. no art.º 3º, nºs 1 e 2, do DL nº 02/98, de 03/01, na pena de 12 (doze) meses de prisão; b) como autor material e na forma consumada, de um crime de desobediência, p. e p. no artigo 348º, nº 1, do Cód. Penal, na pena de 2 (dois) meses de prisão; c) em cúmulo jurídico, nos termos do art.º 77º do Cód. Penal, na pena única de 13 (treze) meses de prisão - cf., fls. 306 a 315; d) por despacho de 12/03/2007, e nos termos do estatuído no artº 475º do Cód. de Processo Penal, foi declarada extinta, pelo cumprimento, a pena aplicada ao arguido - cf., fls. 329.

Justificando o cúmulo realizado e a pena aplicada, diz (além do mais) o acórdão em causa: " Especificando: Os crimes cometidos pelo arguido identificados sob as alíneas a), b), e c) encontram-se numa relação de concurso nos termos do artº 77º, nº 1, do Cód. Penal. Efectivamente, os factos praticados e correspondentes a tais processos foram praticados pelo arguido em datas anteriores à data do trânsito em julgado das condenações proferidas em tais processos, pelo que há que aplicar ao arguido uma única pena, em que se englobem tais penas resultantes dessas anteriores condenações. Ou seja, impõe-se a realização de cúmulo jurídico de tais penas parcelares.

Por sua vez, idêntica relação de concurso existe entre as penas parcelares aplicadas nos processos identificados sob as alíneas c) e d), (relativamente ás infracções referenciadas em a) e b), por referência à mencionada em d), existe sucessão de crimes e não concurso).

Temos, assim, que em verdadeiro e efectivo concurso com a pena aplicada nos presentes autos - alínea a) -, encontram-se apenas as infracções referenciadas em b) e c).

Ora, sendo apenas parcial o concurso de infracções, e estando-se, relativamente a outras, no domínio da reincidência, como determinar a pena única ? Numa primeira fase, o entendimento jurisprudencial dominante consagrava a admissibilidade do denominado cúmulo por arrastamento (1)..

Posteriormente, porém, passou-se a dar operacionalidade ao legalmente estatuído, ou seja, considerar apenas admissível a determinação de uma pena única quando a prática dos crimes em concurso haja tido lugar antes do trânsito em julgado da condenação por qualquer deles. Acerca de tal solução, Figueiredo Dias (2) defende a sua total compreensão pois, "sendo a prática do crime posterior - e se bem que, do ponto de vista da doutrina do crime, continue a existir uma «pluralidade» ou um «concurso» de crimes -, a hipótese já não relevará para efeitos de punição, como concurso de crimes, mas só, eventualmente, como reincidência (...)". Acrescenta o mesmo Ilustre Professor (3) ser necessário "que o crime de que haja só agora conhecimento tenha sido praticado antes da condenação anteriormente proferida de tal forma que esta deveria tê-lo tomado em conta, para efeito da pena conjunta, se dele tivesse tido conhecimento"(4) .E que, "se os crimes agora conhecidos forem vários, tendo um ocorrido antes de proferida a condenação anterior e outros depois dela, o tribunal proferirá duas penas conjuntas, uma a corrigir a condenação anterior, outra relativa aos crimes praticados depois daquela condenação ; a ideia de que o tribunal deveria ainda aqui proferir uma só pena conjunta contraria expressamente a lei e não se adequaria ao sistema legal de distinção entre punição de concurso de crimes e de reincidência".

Deste modo, a realização do cúmulo jurídico por arrastamento ignora ou despreza a relevância de uma condenação transitada em julgado, entendida esta como solene advertência ao arguido (5) , acabando por contrariar o princípio fundamental da incompatibilidade entre os conceitos de concurso de penas e da reincidência.

Fazendo a distinção entre ambas as figuras jurídicas, Eduardo Correia (6) defende que "(...) qualquer das formas apontadas de reincidência tem de particular, relativamente à simples acumulação dos crimes (...), a circunstância de que quem viveu as consequências de uma condenação encontra-se, no caso de renovação da sua actividade criminosa, numa situação inteiramente diferente daquele a quem falta essa experiência".

Ora, a solução legalmente pertinente, e que adoptamos, é a que pretende evitar que o agente beneficie (injustificadamente) da consideração conjunta de vários crimes, quando um ou mais deles tenha sido praticado já depois de ele próprio ter sido solenemente advertido com uma condenação judicial tornada irreversível com o trânsito em julgado, mas também com o sentido positivo de permitir essa mesma consideração conjunta quando o agente ainda não tenha sido objecto, por qualquer deles, de condenação transitada.

Só desta forma se dá a devida relevância a tudo o que envolve uma condenação com trânsito em julgado, como advertência solene que é. Entendimento diferente daria relevância não fundamentada ao princípio da favorabilidade do arguido, tornando-o de tal forma amplo que incluiria o que a lei quis excluir, nomeadamente o limite da condenação transitada em julgado.

Efectuada tal opção, urge considerar quais os factos ou relações de concurso a ponderar pois que, afastando a solução do cúmulo por arrastamento, somos confrontados com o facto de que também entre o(s) crime(s) que fica(m) fora do concurso se verificar uma relação dessa natureza com outro ou outros que daquele fazem parte.

Nestes casos, o critério a considerar e ponderar, por apelo ao princípio basilar neste domínio (7), é o de, na impossibilidade de se proceder ao cúmulo jurídico das penas sofridas por todos os crimes, se realizar o cúmulo que se mostre mais favorável ao arguido, em concreto (o que exigirá que sejam consideradas todas as situações, com realização dos cúmulos que para tanto se impuserem, por forma a que deles sejas escolhido e aplicado aquele que em concreto se...

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