Acórdão nº 08A2169 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 18 de Dezembro de 2008
Magistrado Responsável | HELDER ROQUE |
Data da Resolução | 18 de Dezembro de 2008 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: AA e BB propuseram a presente acção de condenação, sob a forma ordinária, contra "CC-Promoções Imobiliárias, SA", ulteriormente, alterada para "DD, Portugal, SA", pedindo que, na sua procedência, seja declarado resolvido o contrato-promessa celebrado entre os autores e a ré, e esta condenada a pagar-lhes o correspondente ao dobro do sinal prestado, acrescido de juros de mora, desde a citação.
A ré, embora, devidamente, citada, não deduziu oposição.
A sentença julgou a acção, procedente por provada, e, em consequência, declarou, validamente, resolvido o contrato-promessa celebrado entre autores e ré, condenando esta a pagar aqueles o montante de €23760,94, a que acrescem juros legais vencidos, desde a citação, e os vincendos, até integral pagamento.
O Tribunal da Relação, no recurso de apelação interposto pela ré, com fundamento na simplicidade da questão a dirimir e, atento o disposto nos artigos 700°, 701° e 705°, todos do Código de Processo Civil (CPC), proferiu decisão sumária, julgando improcedente a apelação e mantendo a sentença proferida.
Desta decisão, a ré reclamou para a conferência, tendo sido proferido acórdão que, de forma sucinta, remetendo para os fundamentos da decisão questionada, julgou improcedente a reclamação, mantendo, nos seus precisos termos, a decisão proferida.
Deste acórdão, a ré interpôs recurso de revista, terminando as suas alegações com o pedido de declaração da nulidade do acórdão ou, caso assim se não entenda, revogando-se a decisão recorrida, formulando as seguintes conclusões: 1ª - A recorrente entende que o acórdão proferido em conferência pelo Tribunal da Relação de Lisboa se encontra ferido de nulidade, nos termos do disposto na alínea b) do n°1 do artigo 668° e no artigo 716° do Código de Processo Civil.
-
- Com efeito, o Tribunal da Relação de Lisboa não cumpriu o ónus de fundamentação a que estava obrigado, nos termos do disposto no artigo 158° do Código de Processo Civil e no artigo 205° da Constituição da República Portuguesa.
-
- O primeiro parágrafo do ponto 2 do acórdão não contém qualquer fundamentação, nele se referindo apenas que ''Pelo tribunal devem ser resolvidas todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, sendo certo que o objecto do recurso é delimitado pelas respectivas conclusões" - afirmação com a qual a recorrente não concorda, não só porque estava em causa uma reclamação para a conferência, em que não há o ónus de formular conclusões, como também porque, por não se estar perante um Tribunal hierarquicamente superior, não se pode falar de recurso.
-
- O segundo parágrafo daquele mesmo ponto, por sua vez, limita-se a afirmar, de uma forma genérica, que foram especificados os fundamentos para a decisão e que a apreciação foi feita perante os factos apurados e as normas jurídicas adequadas, o que não constitui a necessária fundamentação jurídica da decisão.
-
- Ainda que se defenda que tal procedimento é autorizado ao abrigo do disposto no n°5 do artigo 713° do Código Processo Civil, esse entendimento não procede porquanto: desde logo, é discutível a aplicação deste preceito ao caso concreto (por se tratar de uma norma excepcional); de qualquer forma, daquela disposição não resulta a dispensa de fundamentação da decisão judicial - exigência com protecção constitucional, porquanto é a própria garantia do direito ao recurso e a legitimação da decisão que estão em causa.
-
- Ora, a referência abstracta que foi adoptada pelo Tribunal da Relação de Lisboa no segundo parágrafo do ponto 2 do acórdão não apresenta a densidade suficiente para que se possam dar por satisfeitos os objectivos constitucionais, nomeadamente o de permitir aos destinatários exercitar, com eficácia, os meios legais de reacção ao seu dispor e assegurar a transparência e a reflexão decisória, convencendo, e não apenas ''impondo". Efectivamente, falta uma concretização mínima, nomeadamente através da enunciação em concreto dos fundamentos que levaram à decisão do Tribunal ou em relação aos quais aquele aderiu, ainda que de uma forma cabal.
-
- Por outro lado, também quando referiu que "os argumentos invocados em sede de reclamação, mais não são do que uma manifestação de desagrado com o decidido" (parágrafo terceiro do ponto 2 do acórdão), o Tribunal a quo não enunciou as razões que o levaram a adoptar tal entendimento, estando-se, assim, mais uma vez, perante uma conclusão sem quaisquer premissas, o que torna difícil a tarefa da recorrente de exercer com eficácia o seu direito de defesa.
-
- Importa referir que, na decisão singular que proferiu, o Mmo. Juiz Desembargador Relator trouxe uma nova fundamentação jurídica em relação à adoptada pelo Tribunal da 1ª instância e à apresentada pelas partes nas suas alegações. Consequentemente, ao reclamar para a conferência, a recorrente teve o cuidado de expor as razões jurídicas que justificam, em termos de direito, a sua discordância e de apresentar jurisprudência e doutrina conformes ao seu entendimento, sendo certo que qualquer forma de impugnar uma decisão tem subjacente a existência de um desagrado pela parte que por ela se vê prejudicada. Em face do exposto, a recorrente entende que o acórdão proferido em conferência encontra-se ferido de nulidade, nos termos do disposto na alínea b) do n°1 do artigo 668° e no artigo 716° do Código de Processo Civil, o que implica a baixa do processo, a fim de se proceder à reforma da decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, conforme o disposto no n°2 do artigo 731° do mesmo Código.
-
- Ainda que assim não se entenda, o que não se concede e apenas por mero dever de patrocínio se admite, a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa violou as normas constantes dos artigos 432°, 433°, 405°, 442°, e 798° a 808° do Código Civil.
-
- O Tribunal a quo entendeu que, no recurso interposto, são duas as questões a dirimir: a de saber se o contrato-promessa foi incumprido, por violação do prazo para celebração da escritura; e a de saber se era devida ou não a restituição do sinal em dobro.
-
- A cláusula em causa nos presentes autos, a cláusula 3a do contrato-promessa celebrado entre a recorrente e os recorridos, tem a seguinte redacção: "1. A escritura pública de compra e venda será celebrada no prazo de 40 dias após a emissão pela Câmara Municipal da Moita da respectiva licença de utilização, ou do preenchimento dos pressupostos que, nos termos da lei, permitam a outorga da escritura sem a referida licença, em Cartório Notarial, Banco ou outra Instituição, dia e hora, escolhidos pela CC que comunicará ao Cliente por carta registada com aviso de recepção enviada com pelo menos 15 dias de antecedência. 2. Caso a escritura pública, por causa não imputável ao CLIENTE, não seja outorgada no prazo de 24 meses contados a partir da data do presente contrato-promessa, o CLIENTE tem direito a resolver o presente contrato-promessa sendo-lhe restituídas todas as quantias que, em cumprimento do disposto na cláusula 2., já tenham sido pagas à CC." 12ª - Quanto à primeira questão, o Tribunal a quo considerou que ocorreu um incumprimento definitivo e culposo do contrato-promessa pela recorrente. Para fundamentar tal decisão, configurou o prazo previsto no n°2 da cláusula 3a do contrato-promessa como um prazo de cumprimento, com carácter de prazo-imite ou absoluto.
-
- Salvo o devido respeito, o Tribunal a quo não tem razão. O único prazo para cumprimento do contrato sub judice, e que traduz uma obrigação para a recorrente, é o que se encontra consagrado no n°1 da cláusula 3a do contrato-promessa. Com efeito, deste preceito resulta que a recorrente estava obrigada a celebrar a escritura de compra e venda no referido prazo de 40 dias. Só o incumprimento desse prazo é susceptível de configurar uma situação de falta, presumivelmente, culposa por parte da recorrente ao cumprimento de uma obrigação, nos termos do disposto nos artigos 798° e seguintes do Código Civil.
-
- No n°2 da cláusula 3a não está em causa o prazo de cumprimento do contrato, uma vez que dele não se pode retirar a obrigação da recorrente a celebrar a escritura de compra e venda naquele prazo. Obrigação que, se não existir a licença de utilização, traduz uma prestação legalmente impossível. Na verdade, o prazo aí mencionado é um prazo contratualmente estabelecido em benefício do cliente, o qual lhe confere tão só a possibilidade de se desvincular do contrato em virtude do mero decurso do tempo e com efeitos retroactivos, independentemente de se verificar um incumprimento por parte da recorrente.
-
- Ou seja, na cláusula 3ª do contrato-promessa sub judice estão em causa duas situações distintas.
-
- Ora, dos factos considerados assentes pelo Tribunal da 1a instância, não consta o facto essencial para se concluir ter havido incumprimento do contrato-promessa pela recorrente por violação do prazo para escriturar: o decurso do prazo de 40 dias previsto no n°1 da cláusula 3a do referido contrato-promessa.
-
- Nem se diga que esta é uma questão nova. Em primeiro lugar, porque o que está em causa é a interpretação do n°2 de uma cláusula contratual, a qual, tendo em conta as regras gerais relativas à interpretação, só pode ser feita analisando, igualmente e em paralelo, o âmbito de aplicação do n°1 dessa mesma cláusula - cujo teor aliás, consta da matéria dada como provada. Em segundo lugar, ao chamar à colação o argumento da licença de utilização, a recorrente pretende apenas demonstrar que não incumpriu o contrato.
-
- Não sendo o prazo previsto no n°2 da cláusula 3a um prazo de cumprimento, não é possível caracterizá-lo como um prazo-limite ou absoluto. Na verdade, como acima se referiu, nesse preceito contratual não está em causa o prazo previsto para a celebração do contrato prometido (isto é, para o cumprimento de uma obrigação), o único susceptível de ser caracterizado como prazo...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO