Acórdão nº 08A2680 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 18 de Dezembro de 2008

Magistrado ResponsávelSEBASTIÃO PÓVOAS
Data da Resolução18 de Dezembro de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça: AA, intentou acção com processo ordinário contra Imobiliária Construtora BB, S.A, CC, e DD, pedindo a sua condenação a pagar-lhe uma indemnização no valor de 500.000,00 euros, acrescida de juros de mora à taxa legal a contar da citação até integral pagamento.

Alegou, em síntese, que os 2° e 3 RR. são administradores da 1.ª R., sendo a 3.ª R. a Presidente do Conselho de Administração; que desde 1986 a 1998, foi Fiscal Único e Presidente do Conselho Fiscal da 1.ª R; em 1998 foi também Auditor Externo da mesma sociedade; que na sequência da análise às contas da 1.ª R. do ano de 1998 e em estrita obediência aos critérios legais, teria de emitir Certificação Legal de Contas com parecer adverso e foi o que fez; que os RR. pressionaram-no para alterar o parecer adverso, mas não o fez; que os RR. prestaram declarações aos jornais afirmando falsamente que o A. não tinha feito a certificação legal de contas e dando a conhecer o teor de denúncia caluniosa que tinham efectuado contra o A.; os RR. acusaram o A. de ter emitido parecer falso e de ter recebido dinheiro de um grupo de accionistas para o fazer, visando baixar o valor das acções; que os RR. sabiam que as suas afirmações eram falsas, fazendo-o apenas para destruir o bom-nome pessoal e profissional do A. e para apagarem os efeitos do parecer adverso; Com o mesmo fito intentaram várias acções cíveis contra o A. e fizeram várias participações disciplinares na OROC, todas infundadas; que com a actuação dos RR., o A. sofreu danos de carácter não patrimonial graves, também com reflexos patrimoniais avultados, na medida em que a sua capacidade de trabalho ficou diminuída e perdeu clientes e negócio.

A 1.ª e o 2° RR. contestaram alegando, resumidamente que não foram fonte de qualquer notícia de jornal atentatória do bom-nome do A., tendo feito todas as queixas e intentando todas as acções convictos da sua razão e com motivos para tanto.

Terminam pedindo que a acção seja julgada não provada e improcedente, com a sua consequente absolvição do pedido e a condenação do A. como litigante de má fé.

A 3.ª R. também contestou impugnando os factos que lhe são imputados ou qualquer intenção da sua parte de denegrir a imagem do A.

Termina pedindo a sua absolvição do pedido.

No Tribunal Cível da Comarca de Lisboa, os Réus foram absolvidos do pedido.

Inconformado, apelou o Autor tendo a Relação de Lisboa dado parcial provimento ao recurso e condenado os Réus a pagarem ao Autor, a titulo de indemnização, a quantia de 20.000,00 euros.

Pedem, agora, os Réus e Autor revista, aqueles assim concluindo, nuclearmente: - Bem esteve o Acórdão recorrido ao decidir secundar a Decisão proferida em 1.ª instância no que diz respeito ás afirmações proferidas pelos Réus à imprensa escrita (Relativamente às «declarações à imprensa» não podemos deixar de secundar o que nesse sentido se encontra consignado na sentença objecto de censura"), ii) pela inexistência de (.) matéria fáctica que permita concluir sobre a existência de comportamento ilícito a atribuir aos Réus face à instauração das acções cíveis em causa" e iii) No que se refere às participações disciplinares à Ordem dos Revisores Oficiais de Contas (..) não é possível imputar aos Réus conduta ilícita", - No entanto, diferente foi o entendimento do Acórdão recorrido relativamente à participação criminal apresentada pelos Recorrentes contra o Recorrido, porquanto entendeu que a conduta daqueles é ilícita, que ainda que não dolosa, à necessariamente culposa e entendendo encontrar-se demonstrado "indispensável nexo de causalidade" entre os danos não patrimoniais sofridos pelo Recorrido e o comportamento ilícito dos Recorrentes, entendeu ainda o Douto Acórdão recorrido ter-se por "ajustada equitativa, viabilizando o fim a que se destina (...) a indemnização de € 20.000,00".

- Ora, mal esteve o Douto Acórdão recorrido ao decidir condenar os Recorrentes, a título de responsabilidade civil por factos ilícitos por estes - ao apresentarem uma participação criminal contra o Autor - terem violado o seu direito ao bom nome e à reputação, e não podem os Recorrentes conformar-se com tal decisão porquanto a mesma consubstancia uma clara violação do disposto nos arts. 483°, 484° e 335° do CC, arts 20° e 18° n° 2da CRP e arts 487° n° 2, 496° e 494°- todos do CC.

- O art. 484° do CC estabelece que "Quem afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom-nome de qualquer pessoa, singular ou colectiva, responde pelos danos causados", - Sendo certo que responde, desde que se verifiquem os pressupostos definidos no art. 483° do CC, ou seja (i) o facto, (ii) a ilicitude, (iii) a imputação do facto ao agente, (iv) o dano e (v) o nexo de causalidade entre o facto e o dano.

- Ao contrário do que se decidiu no Acórdão recorrido, no caso em apreço tais pressupostos não estão reunidos, não existindo, assim, possibilidade alguma de se imputar aos Recorrentes qualquer tipo de responsabilidade civil, para efeitos de obrigação de indemnização ao ora Recorrido por alegados danos morais por este sofridos em consequência da apresentação, por aqueles, de uma participação criminal.

- De facto, a participação criminal foi apresentada pelos Recorrentes no exercício de um direito constitucional consagrado, o direito de acesso ao direito e aos tribunais (cfr. art° 20° da CRP).

- Ora, se por um lado é inegável que a personalidade moral de uma pessoa, o seu bom nome e consideração social são valores legalmente tutelados e com consagração constitucional (cfr. art°s 70°. 483° e 484° do CC e art° 26° da CRP), também é inegável que a relevância desse direito "não pode de modo algum comprimir a importância de outros direitos que, como ele, gozam de igual estatuto (direitos fundamentais) como é o caso (..) do direito de acesso ao direito e aos tribunais previsto no art. 20.º sendo certo que a Lei Fundamental não estabeleceu qualquer hierarquia entre os mesmos." - Assim, estamos claramente perante uma colisão de direitos, que deverá ser solucionada nos termos do preceituado no art. 325° do CC.

- Assim, perante as contradições e colisões normativas desses direitos deve o intérprete, caso a caso, estabelecer limites e condicionalismos de forma a conseguir uma harmonização ou concordância prática entre eles.

- È isto mesmo, aliás, que decorre do principio da proporcionalidade estabelecido no n° 2 do art. 18° da CRP que expressamente dispõe que ‘a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos nos casos expressamente previstos na Constituição devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegido".

- A este propósito importa ter em atenção que um dos direitos em colisão é o de acesso á justiça e aos tribunais, exercido através da entrega pelos Recorrentes de uma participação criminal contra o Recorrido onde, tal como acontece na maioria das denúncias criminais que são apresentadas, o acusado se vê confrontado com afirmações que, de uma maneira ou de outra, o ofendem.

- Ora, é precisamente por essa razão que a nossa Lei Fundamental, no seu art. 32°, n°2, corroborada pelos dispositivos da Lei Processual Penal, assegura e garante, a todos aqueles que são alvo de queixas e acusações, o princípio da presunção de inocência até trânsito em julgado da sentença condenatória.

- Torna-se, pois, necessário um juízo de ponderação e coordenação "entre os direitos em colisão, tendo em conta a situação em concreto, de forma a encontrar e justificar a solução mais conforme ao conjunto dos valores constitucionais, encarando as limitações aos respectivos direitos tão só enquanto necessárias para salva guarda do «outro» direito constitucionalmente protegido, com respeito aos princípios da proporcionalidade da adequação e necessidade, juízo esse que não foi, no caso em apreço, efectuado pelo Douto Acórdão recorrido.

- Ora, o direito de acesso à justiça não pode ser restringido, nos termos em que o foi pelo Acórdão recorrido.

- Os Recorrentes exerceram o direito fundamental de acesso à justiça, na plena e verdadeira convicção de que o fizeram em nome de interesses maiores como o dever de protecção dos interesses dos accionistas da Recorrente Imobiliária Construtora BB, o dever de respeito pela verdade e o dever de denunciar uma actuação criminosa.

- Ora, o exercício de um direito é causa justificativa suficiente para afastar a ilicitude de um determinado facto (neste sentido veja-se Adriano Vaz Serra, in BMJ 85, página 87, ponto 23 ‘o acto danoso não é antijurídico quando praticado no exercício de um direito, pois, se o agente tem o direito (o de o praticar, não actua contra a ordem jurídica" e ainda o Acórdão do STJ. de 27 de Novembro de 2001 in CJSTJ, ano IX -2001, Tomo III, pág. 122: "A afirmação ou divulgação de um facto não pode ser ilícita se corresponder ao exercício regular de um direito, faculdade ou dever.

- Importa reiterar que no caso em apreço os Recorrentes exerceram o direito fundamental de acesso à justiça, i) plenamente convictos que as situações por si denunciadas tinham ocorrido, ii) agindo em nome de interesses maiores, iii) a denúncia criminal era o meio que se afigurava necessário à realização dos fins pretendidos e juridicamente aprovados, e iv) só foi levada a efeito pelos Recorrentes como última ratio.

- O exercício do direito de acesso à justiça foi assim exercido pelos Recorrentes de uma forma séria, ponderada e responsável, pelo que a eventual ilicitude do facto se encontra claramente afastada.

- Ao considerar que a conduta dos Recorrentes é ilícita, nomeadamente por não se ter apoiado "em elementos absolutamente seguros", o Acórdão recorrido não resolveu o conflito entre os dois direitos constitucionalmente garantidos nos termos do art° 335°. n° 1 do CC, pois não procedeu à harmonização ou concordância pública dos interesses em jogo, de forma a atribuir a cada um deles a máxima eficácia possível, em obediência ao princípio...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT