Acórdão nº 08A3673 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 18 de Dezembro de 2008

Magistrado ResponsávelFONSECA RAMOS
Data da Resolução18 de Dezembro de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça AA, intentou, em 23.6.2005, pelo Tribunal Judicial da Comarca de Ponte de Lima, com distribuição ao 1º Juízo - acção declarativa de condenação com processo ordinário - contra: BB Pedindo que se declare: a) - Que é dono e possuidor do usufruto do prédio urbano que descreve no seu articulado.

  1. - Que se condene a Ré a reconhecer tal direito, abstendo-se da prática de quaisquer actos que o violem ou perturbem.

  2. - A entregar de imediato o prédio desembaraçado de pessoa e bens.

  3. - A pagar ao Autor € 250,00 desde Janeiro de 2002 até entrega do prédio, a título de prestação mensal.

    Em reconvenção, a Ré pediu, para o caso de improcedência da excepção de abuso de direito do Autor, quanto ao pedido de restituição do prédio urbano, a condenação dele a pagar-lhe € 75.000,00, a título de restituição do enriquecimento sem causa para ele advindo das obras de construção, ampliação e melhoramento por ela feitas e pelo seu cônjuge no prédio urbano restituendo e por eles pagas, acrescida de juros à taxa legal, desde a data da notificação da reconvenção, a reconhecer-lhe o direito de retenção do prédio urbano até ao pagamento daquela quantia e dos respectivos juros.

    O Autor replicou, pugnando pela improcedência.

    Posteriormente ao despacho saneador não ocorreram excepções ou nulidades, ou quaisquer questões que obstassem ao conhecimento do mérito.

    *** A final foi proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, e improcedente o pedido reconvencional, em consequência: 1 - Declarou que o Autor é dono e legítimo possuidor do prédio urbano, composto por casa de habitação, de rés-do-chão, com a área coberta de setenta metros quadrados, e logradouro, com a área de trezentos metros quadrados, sito no lugar da Boavista, freguesia de Anais, Ponte de Lima, a confrontar do Norte com caminho público, do sul e do poente com AA, e do nascente com caminho público, omisso na Conservatória do Registo Predial de Ponte de Lima e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 192º.

    2 - Condenou a Ré a reconhecer tal direito e a desocupar o referido imóvel, entregando-o ao autor livre e desembaraçado de pessoas e bens sua pertença, no prazo de 90 dias.

    - No mais absolveu a Ré do pedido.

    - Absolveu o Autor da acção do pedido reconvencional.

    *** Inconformados, recorreram a Ré, a título principal, e o Autor, a título subordinado, para o Tribunal da Relação de Guimarães, que, por Acórdão de 5.6.2008 - fls. 297 a 324 - decidiu: a) [...] b) - Julgar a apelação da Ré parcialmente procedente quanto à decisão sobre a matéria de facto e, em consequência, alterá-la nos sobreditos termos, e totalmente improcedente quanto às questões sobre o mérito da sentença recorrida nela suscitadas; c) - Julgar a apelação do Autor improcedente, quanto à decisão sobre a matéria de facto, e parcialmente procedente quanto às questões sobre o mérito da sentença recorrida nela suscitadas e, em consequência, condenar a Ré a pagar-lhe a indemnização que se vier a liquidar pelo dano da privação do uso e da fruição da parte do prédio urbano em litígio por ela ocupada, desde a data da citação até efectiva restituição dela ao Autor, revogando nesta parte a sentença recorrida.

  4. - corrigir os lapsos omissivos manifestos existentes nos números 1 e 2 do dispositivo da sentença recorrida, que passam a ter a redacção subsequente: 1 - Declaro que o autor é dono e legítimo possuidor do usufruto do prédio composto por casa de habitação, de rés-do-chão e 1º andar, com a área coberta de setenta metros quadrados, e logradouro, com a área de trezentos metros quadrados, sito no lugar da Boavista, freguesia de Anais, Ponte de Lima, a confrontar do Norte com caminho público, do sul e do poente com AA, e do nascente com caminho público, omisso na Conservatória do Registo Predial de Ponte de Lima e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 192°; 2 - Condeno a Ré a reconhecer tal direito e a desocupar a parte do referido imóvel por ela ocupada, entregando-a ao autor livre e desembaraçada de pessoas e bens sua pertença, no prazo de 90 dias; e) - Manter a sentença recorrida no demais por ela decidido - [...]".

    *** Inconformada, recorreu a Ré para este Supremo Tribunal e, alegando, formulou as seguintes conclusões: 1. O acórdão recorrido viola o artigo 334° do Código Civil ao não interpretar os factos provados, bem ainda a particularidade do empréstimo bancário realizado pela Ré e respectivo cônjuge para custear as obras de ampliação de parte da casa onde habitavam e ao qual se vincularam ao pagamento pelo período de 16 anos, ao ter ajuda do Autor e cônjuge, que a tal não eram obrigados, como criador da expectativa de que o Autor e cônjuge não exerceriam o seu direito de usufruto.

    1. Se é verdade que o Autor e cônjuge eram obrigados a consentir nas obras, não eram obrigados a ajudar a realizar o referido empréstimo; 3. Acresce que a Ré, cônjuge e os seus dois filhos viviam na parte da casa, construída após a realização do empréstimo, o que demonstra que aí instalaram a sua casa de família; 4. Qualquer pessoa mediana, perante tais factos, cria a expectativa de que jamais o usufrutuário pedirá a desocupação do local; 5. Aliás, a situação descrita é habitual nos nossos meios rurais, sendo a actuação do Autor vista como actuação contra os bons costumes e práticas nos meios rurais.

    2. Facto mais óbvio quando até existiam duas unidades económicas independentes no prédio, usadas para habitação respectiva e independente das partes envolvidas, ou seja, quando é notório que a segunda unidade habitacional foi feita e custeada para a habitação da Ré e agregado familiar.

    3. Não é de aceitar e serem vistos como factos supervenientes e determinantes da mudança da vontade do Autor a sua viuvez e o desentendimento de Ré e cônjuge.

    4. Tais factos ocorreram anos antes de ter sido intentada a presente acção, respectivamente 4 e 6 anos antes.

    5. Não resulta da prova produzida que o Autor tenha interpelado a Ré para deixar o local em litígio antes de ter intentado a presente acção.

    6. Além disso, tais factos não foram alegados pelo Autor como demonstrativos dessa mudança, pelo que, salvo melhor opinião, não poderá o tribunal a quo fazê-lo.

    7. Também ocorre a violação do artigo 1137º, nº1, do Código Civil.

    8. Resulta dos factos trazidos para os autos, que a parte do prédio em litígio era utilizada pela Ré e agregado familiar para uso determinado: a habitação própria (como tal é referido na escritura de mútuo e hipoteca junta aos autos).

    9. O Autor não provou que esse uso determinado cessou, pelo que não basta interpelar a Ré para pedir a restituição da coisa.

    10. O Autor não provou igualmente que não foi convencionado qualquer prazo para o uso da coisa.

    11. A Ré não tem direito a pedir indemnização pelas obras realizadas mas o Autor tem direito a ser indemnizado pela privação do local, que pretende destinar ao arrendamento.

    12. O nosso ordenamento jurídico não pode tutelar tal má fé por alguém que até ajudou a fazer um empréstimo bancário para realizar obras em local destinado à habitação daquele agregado para depois permitir que ele pretenda ganhar dinheiro (com o arrendamento) à custa da boa fé de outrem que continua durante 16 anos a pagar um empréstimo para obras de beneficiação da casa...

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