Acórdão nº 08A3323 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 09 de Dezembro de 2008

Magistrado ResponsávelMÁRIO CRUZ
Data da Resolução09 de Dezembro de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório AA, residente em Rua ........., lote ..........., Rêgo de Água, Leiria, intentou contra o Hospital de Santo André, S.A., com sede na Rua das Olhalvas, Pousos, Leiria, a presente acção declarativa, com processo ordinário, pedindo - a condenação do R. no pagamento à A. da quantia de € 75.000,00 , acrescida de juros de mora desde a data da prática do facto que serve de causa de pedir na acção e até efectivo pagamento.

Para tanto, alegou em síntese o seguinte: Em 2001.06.21 foi operada a uma anexectomia bilateral (operação aos ovários), nos serviços do Réu, uma vez que sentia dores internas na zona em causa.

Em 2001.06.28 foi-lhe dada alta hospitalar, mas as ditas dores continuaram e era frequente ter febre.

Em 2001.08.08, porque se continuava a queixar das referidas dores, voltou ao hospital, onde foi consultada, dando conta dessas queixas.

Em 2001.08.20 a A. deslocou-se ao Sabugal, tendo-lhe aí aumentado a intensidade das dores e a febre subido, pelo que decidiu deslocar-se ao Centro de Saúde local, onde foi observada pelo médico de serviço, o qual de imediato mandou chamar uma ambulância para a transportar ao Hospital da Guarda, como sucedeu.

Já aí, e nesse mesmo dia, a A. foi submetida a uma nova intervenção cirúrgica, na qual lhe foi retirada uma compressa repleta de pus, que tinha ficado no interior do seu organismo aquando da anterior operação cirúrgica no Hospital R..

A A. correu risco de vida por tal facto e ficou internada durante uma semana no Hospital da Guarda, com um dreno aplicado.

Teve uma recuperação demorada.

Passou por imensas dores, teve um enorme desgasto físico e emocional, e foi obrigada a recorrer a terceiras pessoas para a ajudarem a desempenhar as tarefas de casa e a cuidar da sua higiene pessoal.

O R. contestou dizendo que a operação cirúrgica efectuada naquele Hospital ocorreu com a observância de todas as regras, tendo sido encerrado esse acto com a contagem de todas as compressas , e que o acto cirúrgico só foi fechado depois de obtida a total confirmação de nada faltar quer no que respeita às compressas quer quanto aos intrumentos utilizados.

O pós operatório ocorreu normalmente e o pano extraído no Hospital da Guarda tinha a cor verde, que não era utilizada nas cirurgias daquele Hospital de Leiria.

A A. juntou documento onde comprova que já havia sido submetida a uma intervenção cirúrgica de histerectomia total, em 1996, que não correra naquele Hospital de Leiria, e desde essa data até à data da cirurgia aqui posta em causa (2001.06.08) apenas se registaram em nome da A. consultas de ginecologia em 2000 e 2001.

Noutro documento junto pela A., respeitante ao relatório do acto cirúrgico realizado na Guarda em 21 de Agosto, pode ler-se que o que foi retirado foi um "pano verde, intra-abdominal".

Só na consulta externa efectuada em 4 de Setembro de 2001 se refere a extracção de uma compressa, mas esse médico que então observou a A. não a pode ter visto.

O Hospital R. utiliza panos azuis nas cirurgias, sendo certo que há outros hospitais, na zona de Leiria, que utilizam panos verdes.

Mas seja como for, quer os panos sejam verdes ou azuis, nada têm eles a ver com as compressas.

Nenhuma anomalia pode portanto ser imputada à Ré, já que não foi ali que ocorreu o evento em que assenta a causa de pedir.

Quanto aos danos, a Ré impugna, por desconhecimento, o alegado pela A., entendendo, no entanto, que, a provar-se a existência de danos não patrimoniais - o que só por mera hipótese admite - o eventual direito ao ressarcimento por tais danos terá de ser calculado com recurso a critérios de prudente equidade, que de forma alguma poderão conduzir à quantia peticionada.

Saneado, condensado e instruído o processo, veio a ser marcada oportunamente a audiência de discussão e julgamento.

Foram então dadas as respostas aos quesitos da base instrutória e proferida a Sentença que julgou a acção parcialmente procedente, vindo a condenar o Réu a indemnizar a A. no montante de € 37.500,00 , por danos não patrimoniais causados, com o acréscimo de juros de mora desde 21/06/2001 e até efectivo pagamento.

Dessa sentença interpôs recurso o Réu, recurso que foi admitido como apelação Também a A. interpôs recurso subordinado, com a mesma qualificação.

A Relação veio a proferir Acórdão em que julgou parcialmente procedente o recurso do R. e improcedente o recurso subordinado deduzido pela A., alterando o montante da condenação em que o R. fora condenado a pagar à A., que reduziu para € 25.000,00 por danos não patrimoniais, no mais confirmando a Sentença.

Nenhuma das partes se conformou com o Acórdão da Relação, pelo que ambas pediram Revista.

Ambas alegaram.

Só a A. contra-alegou.

  1. Âmbito dos recursos: Tendo em conta o disposto nos arts. 684.º-3 e 690.º-1 do CPC vamos passar a transcrever as conclusões apresentadas nas alegações recursais dirigidas a este Supremo Tribunal por cada uma das partes recorrentes, já que é através delas que se pode ver a delimitação que estas pretendem dar aos respectivos recursos: Assim: II-A) Conclusões apresentadas nas alegações da Revista da A.: 1.ª.- O douto acórdão recorrido reduziu o valor da indemnização que havia sido fixado em Primeira Instância.

    1. - A Autora poderia estar conformada com o montante fixado em Primeira Instância, mas não seguramente com a redução que ulteriormente pudesse vir a ser determinada na Relação.

    2. - Embora a Autora tivesse ficado triste por o seu pedido não ter obtido total vencimento em Primeira Instância, como pensava ser justo, preferiu entrar num novo ciclo de paz e tranquilidade, optando por não interpor recurso da sentença.

    3. - Mas, é o Réu que decide recorrer, revelando mais uma vez o seu lado insensível e desumano, insistindo numa versão simplesmente ridícula, como reconheceu o Tribunal da Relação.

    4. - Estribada na atitude do Réu, a Autora serviu-se da lei que lhe permitia interpor recurso subordinado, assim sustentando a totalidade do seu pedido.

    5. - É preciso interiorizar bem e exaustivamente o enorme sofrimento da Autora para se poder concluir que 37.500 euros não é valor exagerado, ainda que não se queira conceder que o mais justo seriam os 75.000 euros do pedido.

    6. - Uma revista e mais profunda reflexão sobre este caso, permitirá entender a razão que levou o tribunal de Primeira Instância a quantificar os 37.500 euros.

    7. - Ouvindo o depoimento prestado por médicos, enfermeiros, familiares, amigos, vizinhos e companheiras de enfermaria, o colectivo dos meritíssimos juízes daquele tribunal a quo, como que sentindo mais próximo de si a realidade dos factos, entendeu o profundo sofrimento por que passou a Autora.

    8. - Calculem-se as inúmeras horas de angústia da Autora ao longo dos vários meses que esteve sujeita a dores e febres constantes ou quase constantes, com oscilações de maior ou menor intensidade, mas sempre exposta a sintomas de mau estar.

    9. - Retenha-se o vasto período em que decorreram os tratamentos subsequentes à segunda intervenção cirúrgica, depois de mais uma anestesia geral.

    10. - Não há dinheiro que compense tanto sofrimento, mas é justo que haja uma indemnização realmente adequada ao sofrimento da Autora, para que esta possa desfrutar de algo que antes não almejava e que possa traduzir-se numa autêntica consolação que a ajude a apagar o estigma que a marcou.

    11. -Há que ter presente, também, a postura do Réu, que ao longo de todo este caso sempre se mostrou indiferente e insensível à dor humana, quando era de esperar que adoptasse uma atitude de maior responsabilidade e de respeito pelos doentes que deveria saber tratar e estimar, de acordo com as melhores técnicas empregues na medicina.

    12. - Por todos estes motivos, a Autora sente que é injusta a redução de 12.500 euros determinada no acórdão recorrido.

    13. - Seria mais justo, sem dúvida, o total do montante pedido, mas, assim não se entendendo, deveria ser mantido o quantitativo fixado em Primeira Instância, ou seja, 37.500 euros.

    Nestes termos (...) espera a Autora que a totalidade do seu pedido seja atendida e, caso assim não se entenda, que seja mantido o valor da indemnização fixado em Primeira Instância" II-B) Conclusões apresentadas na Revista da Ré: "1 - Salvo o devido respeito discorda a recorrente da decisão do Tribunal da Relação de Coimbra, na parte que não lhe é favorável, que decidiu por manter a sua condenação, porquanto considera a mesma infundada, com erros de interpretação e aplicação da Lei, como erros na determinação das normas aplicáveis ( arts. 721, n° 1 e 2, art...

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