Acórdão nº 08A3497 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 09 de Dezembro de 2008

Magistrado ResponsávelFONSECA RAMOS
Data da Resolução09 de Dezembro de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça Fábrica de F... e T... de E...., S.A.

intentou, em 18.9.2003, pelo Tribunal Judicial da Comarca de Valongo - 1º Juízo - acção declarativa de condenação com processo comum, na forma ordinária, contra: "SEI - S.... I...., SA", Pedindo, que na procedência da acção: a) - Se declare ineficaz em relação à Autora e se proceda à anulação do contrato de compra e venda celebrado com a Ré, no dia 18 de Agosto de 2000, por escritura pública lavrada no Segundo Cartório Notarial de Guimarães, constante do documento junto à petição inicial como nº6; b) - Se proceda ao cancelamento da inscrição G-2 (Ap.21/08092000), da descrição nº01146, da freguesia de Ermesinde, da Conservatória do Registo Predial de Valongo, relativa ao registo de aquisição da Ré.

Para tanto alega a Autora, em síntese, que: - em 16.04.1991, deteve um capital social de 60.000.000$00 distribuído por três sócios, a sociedade "P....-C.... e T..., Ldª", AA e BB; - em 24 de Março de 1999, o sócio AA dividiu a sua quota em quatro quotas que cedeu a CC, DD, EE e FF; - perdendo a sua qualidade de sócio da autora, mas manteve a sua gerência por direito especial constituído na escritura de cessão de quotas; - sendo-lhe ainda atribuída a faculdade de comprar e vender viaturas automóveis, celebrar quaisquer contratos de locação financeira, tomar de arrendamento quaisquer locais, bem como alterar ou rescindir os respectivos contratos, adquirir por trespasse quaisquer estabelecimentos comerciais ou industriais, confessar, desistir e transigir em juízo; - na assembleia-geral de 07.10.1999 foi deliberada a destituição do gerente AA, o que lhe foi imediatamente comunicado e foi averbada tal destituição na Conservatória do Registo Comercial, em 12.10.2000, tendo sido nomeados como gerentes da Autora os sócios CC e DD; - em 18.08.2000, o referido AA, actuando como sócio e único gerente da Autora, procedeu à venda à Ré, por escritura pública, do prédio sito na Rua ......., ..., ... e ..., em Ermesinde, pelo preço declarado de 100.000.000$00, que a autora nunca recebeu, tendo agido sem poderes de representação da Autora, pelo que o negócio celebrado é ineficaz para esta.

A Ré apresentou contestação, entendendo dever a acção ser julgada improcedente, por não provada, absolvendo-a do pedido.

Alegando, em síntese, que: - da certidão comercial da Autora, emitida pela Conservatória do Registo Comercial de Valongo, e da acta de 10.08.2000, consagrando a deliberação da venda e a mandatar o AA para outorgar a escritura de compra e venda, não resulta o alegado pela Autora, impugnando o alegado pela mesma, referindo, ainda, que pagou efectivamente o valor do preço da escritura de 18.08.2000; - por outro lado, a escritura de cessão de quotas de 24.03.1999 é anulável, tendo o filho consanguíneo do cedente intentado uma acção judicial para declaração da nulidade ou anulabilidade da escritura de cessão de quotas referida, a qual foi registada pela apresentação 25/990727, onde houve desistência dos pedidos formulados, tendo as cessões de quotas sido levadas a registo apenas em Outubro de 2001 e a destituição de António de Sá Pereira de gerente apenas foi levada a registo em Outubro de 2000; - resultando ainda que a Autora e os seus sócios e actuais accionistas, o seu actual conselho de administração aceitaram como válida, ratificando-se, se algum vício tivesse, a compra e venda de 18 de Agosto de 2000, na hipótese de o AA a ter outorgado sem poderes, sendo que a Ré desconhecia que, aquando da outorga da escritura de compra e venda que teve por objecto a transmissão do direito de propriedade a seu favor do prédio urbano descrito na CR Predial de Valongo sob o n.º 1146.º/Ermesinde, o AA, que a outorgou em representação da Autora, não era seu sócio-gerente; - a Autora e os seus actuais sócios e membros do Conselho de Administração aceitaram e reconheceram como válida a transmissão do prédio referido, ratificando-a pelo que, com a presente acção, excederam manifestamente os limites impostos pela boa-fé a que os obriga o artigo 334.º do Código Civil "venire contra factum proprium".

Foi elaborado o despacho saneador onde não foi apreciada a excepção de abuso de direito invocada, tendo sido organizados a matéria de facto assente e a base instrutória, mantendo-se os pressupostos de validade e regularidade da instância.

*** A final, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu e Ré dos pedidos.

*** Inconformada, a Autora recorreu para o Tribunal da Relação do Porto, que, por Acórdão de 2.6.2008 - fls. 435 a 453 - julgou a apelação improcedente e confirmou a sentença recorrida.

*** De novo inconformada, a Autora recorreu para este Supremo Tribunal e, alegando, formulou as seguintes conclusões: 1. A questão a decidir nos autos é a de saber se o vício de que padece a escritura pública de compra e venda objecto de impugnação é, ou não, oponível à Ré (adquirente do prédio transmitido).

  1. A deliberação de venda de imóveis é da competência exclusiva da assembleia-geral da sociedade.

    Assim, a resposta à questão enunciada terá de se aferir no âmbito da declaração de vontade da sociedade, plasmada na acta que instruiu a escritura pública de compra e venda de 18 de Agosto de 2000 e já não na circunstância de, naquele momento, AA se apresentar como gerente da sociedade, apesar de já destituído (mas sem que tal destituição tivesse sido levada a registo).

  2. A acta que instruiu a escritura de compra e venda - documento de fls. 58 - é subscrita por AA e por BB.

    Alegadamente reproduz o conteúdo de uma assembleia-geral de sócios, datada de 10 de Agosto de 2000, e reunida ao abrigo do disposto no art. 54º do CSC (sem a observância de formalidades prévias), estando todos os sócios presentes, os quais manifestarem o propósito de deliberar sobre a venda das instalações fabris da sociedade e a nomeação de representante da sociedade para a outorga da competente escritura pública.

  3. Em 10 de Agosto de 2000, AA não era sócio da sociedade comercial Fábrica de F.... e T... de E..., porquanto em 24 de Março de 1999 havia procedido à divisão da sua quota de vinte e um milhões de escudos em quatro quotas de cinco milhões duzentos e cinquenta escudos cada, as quais cedeu aos seus filhos CC, DD, EE e FF.

  4. O escrito em que se delibera a venda do imóvel em apreço e se mandata AA para outorgar a respectiva escritura pública de compra e venda não espelha qualquer efectiva assembleia-geral universal, porque assinado por quem já não era sócio (e porque não assinado por quem era sócio).

  5. A deliberação da assembleia-geral de venda de património imobiliário não é facto sujeito a registo.

  6. A cessão de quotas de AA para os seus descendentes produziu efeitos imediatos relativamente à sociedade (art. 228°, n°2, do CSC).

  7. O registo da aquisição de participação social é um acto pessoal, com reflexo na esfera jurídico-patrimonial pessoal do adquirente da quota e que visa, fundamentalmente, dar publicidade à sua aquisição, tornando-a, desse modo, oponível a terceiros.

  8. A sociedade comercial não dispõe de qualquer mecanismo legal que lhe permita compelir o sócio ao registo da aquisição da sua participação social.

    Do mesmo modo, desse registo não depende a produção de efeitos da cessão para com a própria sociedade.

  9. Pela não concretização de um poder/dever eminentemente pessoal (o do registo da aquisição de uma participação social) a decisão recorrida julga a sociedade recorrente vinculada a um acto que ela não quis praticar e, na realidade, nunca praticou.

  10. À sociedade não cabe promover o registo das transmissões das participações sociais dos seus sócios, razão pela qual não poderá ser afectada em actos próprios pela não realização de actos de terceiro.

  11. A partir do momento da formalização da cessão (e independentemente do respectivo registo) o órgão deliberativo da sociedade passou a constituir-se em...

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