Acórdão nº 08P2507 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 04 de Dezembro de 2008

Magistrado ResponsávelRAÚL BORGES
Data da Resolução04 de Dezembro de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

No âmbito do processo comum com intervenção de tribunal colectivo nº 123/06.2GAMTR, do Tribunal Judicial de Montalegre, integrante do Círculo Judicial de Chaves, foi submetido a julgamento o arguido AA, divorciado, agricultor, nascido a 02/02/1940, filho de BB e de CC, natural da freguesia de Sarraquinhos, concelho de Montalegre, residente na Rua do .......... n° ., ............, Sarraquinhos, Montalegre, actualmente detido no E.P. de Chaves.

Por acórdão do Colectivo de Montalegre, de 5 de Novembro de 2007, foi o arguido condenado pela prática, em concurso real de crimes, de um crime de detenção ilegal de arma, p. e p. pelo artigo 6.º, n.º 1, da Lei n.º 22/97, de 27 de Julho, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de 6,00 € e pela prática de dois crimes de homicídio qualificado, na forma consumada, p. e p. pelos artigos 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, alínea g) - actual alínea h) -, todos do Código Penal, na pena de 16 anos de prisão por cada um desses crimes.

Em cúmulo jurídico foi condenado o arguido na pena única de 19 anos de prisão e 100 dias de multa à razão diária de 6,00 €.

Foi ainda julgado parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pelo demandante DD, filho dos falecidos, sendo o demandado condenado a pagar ao demandante a título de indemnização a quantia global de 133.140,00 €, sendo 130.000,00 € a título de danos não patrimoniais, e a quantia de 3.140,00 €, a título de danos patrimoniais, sendo absolvido o demandado do demais peticionado.

Mais foi deliberado que: Relativamente à indemnização pelos danos patrimoniais, a condenação em juros de mora reporta-se à data da citação para o demandado contestar o pedido de indemnização formulado pelo demandante e no que concerne à quantia arbitrada a título de danos não patrimoniais, apenas se vencerão juros a partir da data da decisão, à taxa legal, nos termos do disposto nos arts. 805.º, n.º 3, 2.ª parte, 806.º, n.º 1 e 2, 804.º, n.º 1 e 559.º, todos os Código Civil e ainda Portarias sucessivamente em vigor.

Inconformado, o arguido interpôs recurso do acórdão abrangendo a totalidade da decisão (partes criminal e cível), apresentando a motivação de fls. 819 a 863, a que respondeu o Mº Pº, de fls. 884 a 919 e o demandante cível de fls. 921 a 940.

O Tribunal da Relação do Porto, por acórdão datado de 2 de Abril de 2008, negou provimento ao recurso, confirmando na íntegra o acórdão de 1ª instância.

De novo irresignado, o arguido interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, abrangendo a totalidade do acórdão recorrido (parte criminal e cível), apresentando a motivação de fls.1094 a 1102, que remata com as seguintes conclusões: 1ª - A folhas 25 do Acórdão, 3º parágrafo, consta que foi dado como provado que as vítimas se dirigiram ao arguido, munidas cada uma de seu gadanho, entrando a EE no terreno do arguido onde ele se encontrava com a máquina ceifeira e o FF vindo nas proximidade da esposa, seria necessário para boa decisão da causa apurar-se que ideias moviam as vítimas, pois de certeza que não apareceram ali com intenções de o ajudar nem para o abraçar, acrescendo o facto de o FF ter dito, momentos antes, que ia haver confusão.

O Tribunal de 1ª Instância não se pronunciou sobre o assunto, cujo conteúdo constitui uma circunstância atenuativa integrada na contestação quando se refere o merecimento da audiência.

  1. - A folhas 31, penúltimo parágrafo, dando isso como certo, fala-se que as testemunhas, GG, HH e II, as únicas presencias, mentiram e omitiram ao Tribunal factos relevantes, sendo ordenada a extracção de certidão para fins de Inquérito Judicial.

    Face à pena aplicada, esses dados não foram necessários para a condenação, seriam-no então para a defesa.

    Sobre o conteúdo dessas mentiras e omissões não houve qualquer pronúncia.

  2. - A folhas 28, 2º parágrafo, diz-se que o arguido, quando se deslocou para o local dos Autos, já ia preparado de arma no bolso para qualquer eventualidade, pois o desentendimento com o irmão e com a cunhada, vinha de há 30 anos.

    Não se tendo pronunciado nem tentado averiguar se o arguido sabia que as vítimas estavam nesse local, não é razoável, sem mais, tirar-se aquela conclusão que uma vez aceite, influiu no resultado final.

  3. - A folhas 31, dá-se como certo, que o II viu a EE a esfregar a testa após ser atingida com o projéctil, mas se este disparo foi efectuado a menos de 70 cm, a testemunha não poderia deixar de avistar também o arguido, até porque se encontrava em cima da máquina ceifeira.

    A averiguação desta mentira seria importante para a defesa, pois essa testemunha está senhora de tudo o que se passou e havia necessidade de o Tribunal de Ia Instância averiguar e pronunciar-se sobre esse facto.

  4. - A folhas 22, últimas linhas, deu-se como assente que o FF, com voz autoritária, disse "eu não sego e quem sega é o AA, vem para aqui com a pistola, pensa que mete medo a alguém", recomendando ao maquinista que não ceifasse a seara dele, porque se não ia haver confusão.

    Uma vez que, logo a seguir, ocorreu a cena dos tiros, parece evidente a ligação entre os dois momentos.

    Havia necessidade e interesse para a boa decisão da causa que o Tribunal de Ia Instância se tivesse pronunciado sobre o teor da "confusão" que ia na cabeça da vítima FF.

  5. - O relatório da autópsia (folhas 92 e seguintes do processo) do FF refere diversas patologias de que ele era portador designadamente, hipertrofia prostática, dois volumosos sacos herniários, ventre dilatado, coração e peso fora do normal, doenças sobre as quais o Tribunal de 1ª instância não se pronunciou, dizendo apenas que era uma pessoa robusta e saudável.

    Esses elementos seriam essenciais para o cálculo do montante da indemnização.

    Todas estas seis matérias, constituindo como constituem, ou pelo menos, podendo constituir circunstâncias atenuativas do crime, merecem a devida pronúncia, reenviando-se o processo, para esse efeito, ao Tribunal competente e anulando-se o Acórdão respectivo.

  6. - Não sendo assim entendido, a qualificação dos crimes dos Autos deverá ser outra, pois: O simples uso de uma pistola 6,35 mm, mesmo não registada e manifestada, só por si, não leva necessariamente a que o homicídio por ela cometido seja qualificado.

    Como regra, o homicídio é simples.

    Para que seja qualificado, o acto criminoso terá de ser acompanhado de circunstâncias capazes de atribuir ao seu autor uma especial censurabilidade ou perversidade, uma pistola que, ao manobrar-se, é uma arma de fraca precisão (a não ser nas mãos de um perito), e por isso, o seu uso não se torna mais censurável ou perverso que tantos outros instrumentos com características letais.

    Apesar de estar incluída numa das alíneas do n.° 2 do Artigo 132° do Código Penal (alínea h)), isso não significa que a sua utilização na morte de outrem seja logo de imediato suficiente para ter esse crime como homicídio qualificado.

    Não basta ser susceptível de censurabilidade ou perversidade especial, é necessário que o acto seja rodeado ou acompanhado de factores que revelem uma censurabilidade ou perversidade especial.

    No caso presente, remetendo-se com a devida vénia, para a opinião do Ilustre Procurador Geral Adjunto do Venerando Tribunal da Relação do Porto, cujos termos aqui se dá por reproduzidos, vê-se que na acusação apenas consta que o uso da pistola 6,35 mm, citando a alínea g), hoje h), do n.° 2 do Artigo 132° do Código Penal, se integra na previsão de um crime de perigo comum.

    Não menciona qualquer outra circunstância referente ao modo como o arguido agiu, a não ser que disparou contra as vítimas.

    Refere até que as coisas aconteceram em circunstâncias que não foi possível esclarecer com segurança bastante no decurso da investigação.

    Os tiros foram todos disparados de frente para as vítimas. Estas já sabiam da existência da arma e, mesmo assim, dirigiram-se para o arguido, munidas cada um de seu gadanho, chegando a EE a entrar no terreno dele (e não era para o ajudar ou abraçar) e o FF, tendo dito, momentos antes, que até ia haver confusão.

    Não se vislumbra a existência da tal especial censurabilidade ou perversidade.

    Todos os actos posteriores, os quais, como se disse, não fazem parte da acusação, não respeitam às vítimas. Diz-se que as abandonou, mas isso até se justifica para, estando elas mortas, vir apresentar-se às autoridades (como efectivamente sucedeu) e para evitar, que, aparecendo o demandante ou alguém do seu lado, tivesse de haver outros conflitos de violência.

    O crime dos Autos merece ser subsumido na previsão do Artigo 131° do Código Penal.

    Atendendo a que o arguido se apresentou voluntariamente às autoridades (podia ter fugido para o estrangeiro onde estivera como emigrante), colaborou de modo relevante com as autoridades (o que seria se ele se remete ao silêncio?), ter tido bom comportamento, estar integrado socialmente, já ter 66 anos de idade e viver sozinho, cozinhando e lavando e amanhando a própria roupa, e sobretudo, ter sido enfrentado pelas vítimas, conforme atrás se disse, a sanção a aplicar deverá situar-se no seu mínimo, fixando-se em oito anos cada uma das penas parcelares e, seguindo-se o critério e proporção do Tribunal da 1ª Instância, em nove anos e seis meses, como medida proveniente do cúmulo jurídico.

  7. - Se outro for o entendimento, considerando-se provado tudo o que, como tal, foi escrito no Acórdão proferido no Tribunal de 1ª Instância, tendo em conta as atenuantes invocadas na anterior conclusão 7ª, a pena porque, face à idade do arguido, é desumanizada, deve baixar para doze anos em relação a cada crime e, em cúmulo jurídico, para catorze anos e três meses, de harmonia com o critério e proporção já citados.

  8. - A indemnização, por se terem esquecido as patologias descritas no relatório da autópsia do FF, designadamente, os volumosos sacos herniários, a hipertrofia prostática, o volume anormal do coração, do ventre e do peso, não haver referência à situação económica do demandado, confrontando-a com a do demandante, por não se ter aludido ao mau...

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