Acórdão nº 08B3597 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 04 de Dezembro de 2008

Magistrado ResponsávelJOÃO BERNARDO
Data da Resolução04 de Dezembro de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I - AA e mulher, BB, intentaram a presente acção declarativa, em processo ordinário, contra: CC e mulher, DD.

Alegaram, em síntese, que: Os réus contraíram o mútuo que identificam; Só pagaram a primeira prestação; Eles, autores, como fiadores, tiveram que pagar o restante acrescido de juros; Para além do que, com isso, despenderam, sofreram os danos patrimoniais e não patrimoniais que detalhadamente descrevem.

Pediram, em conformidade, a condenação dos réus a pagarem-lhes € 74.351,87, acrescidos de juros vincendos, à taxa de 19,25% ao ano, desde a data de interposição da acção e até efectivo e integral pagamento.

Contestaram os estes, sustentando, no essencial e quanto ao que agora importa, que era vontade deles e dos autores contraírem ambos o mútuo, só tendo surgido a relação de devedor principal - fiadores por razões formais que pormenorizadamente referem.

II - A acção prosseguiu a sua normal tramitação e, na altura oportuna, foi proferida sentença, cuja parte decisória é do seguinte teor: " Face ao exposto, julgo a acção parcialmente procedente e em consequência condeno os RR a pagarem aos autores AA a quantia de 8.228,49 euros (oito mil duzentos e vinte e oito euros e quarenta e nove cêntimos) com juros à taxa legal a partir de 17 de Março de 1997, acrescida de juros à taxa de legal desde 17 de Março de 1997 até efectivo pagamento, absolvendo os RR do restante pedido formulado." III - Apelou o autor e fê-lo com êxito parcial, porquanto o Tribunal da Relação de Coimbra decidiu: "Por tudo quanto exposto ficou, acordam os Juízes que constituem a 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra, em julgar, parcialmente, procedente a apelação e, em consequência, condenam os réus a pagar aos autores o quantitativo, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, de 27.019,65€, acrescido de juros, em relação à importância respeitante a danos de ordem patrimonial, isto é, 25.519,65€, à razão da taxa convencionada de 19,25% ao ano, desde 20 de Dezembro de 2004, data da propositura da presente acção, e até integral cumprimento, confirmando-se, na parte remanescente, a sentença recorrida." IV - Inconformados, pedem revista os réus e os autores.

Vamos conhecer primeiro da interposta por aqueles.

Concluem eles as alegações do seguinte modo: 1. Nos termos combinados dos n.ºs 1 e 2 do art. 722.° do Código de Processo Civil, são susceptíveis de ser invocados como fundamentos da revista tanto a violação de lei substantiva como o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa, sempre que haja a violação de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova.

  1. Por seu turno, o art. 516.° do Código Civil faz presumir que os devedores solidários participam em partes iguais na dívida, sempre que da relação jurídica entre eles existente não resulte que são diferentes as suas partes, ou que só um deles deve suportar o encargo da dívida.

  2. Numa breve análise comparativa entre o que o tribunal a quo considerou como provado - nomeadamente o facto de a quantia mutuada, objecto central destes autos, ter sido depositada numa conta solidária e de a mesma ter sido solicitada por Autor e Réu, conjuntamente - e o que aqui se refere acerca da mesma questão, tem-se por certo que aquele incorreu, salvo o devido respeito, num simples, mas grave erro.

  3. É que nada do que assim resultou como provado veio precludir o prudente juízo exposto na sentença de primeira instância relativamente à questão posta nestes mesmos termos -, de tais factos serem os elementos constitutivos de uma presunção legal que não veio, nem pelo Tribunal a quo, a ser ilidida.

  4. Uma coisa sempre seria, como foi, reafirmar os pressupostos do regime da sub-rogação do fiador, na posição de credor principal, relativamente ao devedor, quando cumpridas, por aquele, as obrigações tendentes ao pagamento da dívida.

  5. Coisa bem diversa teria sido, isso sim, dar como provado que o dinheiro depositado na já mencionada conta seria propriedade exclusiva do aqui recorrente.

  6. E isso nem o douto acórdão parece ter feito, a passo algum, quer do relatório, quer da sua fundamentação.

  7. Ora, se o douto acórdão recorrido veio a dar como provado que foi aceite uma proposta de crédito no valor de 3000000$00 e que tal quantia foi depositada numa conta conjunta, cujos titulares eram, precisamente, Autor e Réu; 9. Sem esquecer, igualmente, a existência de um documento escrito assinado por ambos - e que acompanhou a proposta - em que os Autores se declararam fiadores e principais pagadores dos Réus, solidariamente entre si; 10. Resulta claro que o douto acórdão nunca podia ter obliterado parte das conclusões a que se deveria chegar, em virtude da fixação de tais pressupostos.

  8. Na verdade, se o Tribunal da Relação de Coimbra não manifestou, em lado algum da sua decisão, a sua verdadeira convicção relativamente à propriedade da quantia depositada, exclusiva pertença, ou não, de um só contraente, não podia, como fez, atribuir aos Recorridos um direito de crédito sobre os Réus que acaba até por exceder, porque reportado ao montante total, em metade aquilo a que teriam direito.

  9. Se é pacífico o reconhecimento de estarem reunidos todos os aspectos caracterizadores, tanto do contrato de mútuo celebrado, como da sub-rogação que aos autores, ora recorridos, aproveita, também a. própria natureza do depósito efectuado não deveria ter implicado qualquer non liquet decisório.

  10. Deveria, pois, ter o douto acórdão recorrido exposto, de forma clara e perceptível por que razão se intuiria como mais provável e, por aí, verdadeiro, o facto de a quantia mutuada ser exclusiva pertença de, um dos titulares da conta onde foi depositada - o aqui Recorrente - do que aquele outro, seu lógico contrário, de que a mesma sempre se deveria considerar propriedade de ambos, em partes iguais, quando não objecto essencial de um qualquer contrato de suprimento que tivesse sido celebrado em favor da sociedade.

  11. Ao ter fixado a matéria de facto, nos exactos termos em que o fez, porque assim mais conforme ao seu douto entendimento e convicção, deveria tê-la analisado de acordo com os padrões de crítica exigente que até refere.

  12. Ao ter partido logo para a solução de uma sub-rogação integral dos Recorridos, na posição de credores principais, relativamente aos Recorrentes, sem nada ter dito relativamente à prova que teria sido ou não feita no sentido de ilidir a presunção já mencionada, o tribunal a quo violou, salvo o devido respeito, por um lado, todas as disposições legais concernentes à fundamentação da decisão e, por outro, aquelas outras relativas ao regime da solidariedade nos contratos de depósito irregular, previstos nos arts. 1205° e 1206°, sem esquecer a remissão para o art. 516°, todos do Código Civi1.

  13. Nunca poderá ser aceite de ânimo leve, em nome da prudência, que se deixe de reconhecer ou mesmo analisar e ponderar uma manifesta falta de prova, a mesma, a ser feita, capaz de i1idir presunções legais consagradas, para, logo de seguida, obnubilar as mesmas e prescrever uma solução que assim se mostra, precisamente, deficitária.

  14. Provar que os Recorridos pagaram a quantia mutuada - depositada em conta solidária - enquanto fiadores e assim, subsumindo-se às normas legais aplicáveis, se encontraram, pois, sem mais, na posição do credor principal, em virtude da sub-rogação legal, é ficar aquém de uma solução que contemple todos os termos da equação.

  15. Cumprir com o juízo decisório teria sido, neste caso, demonstrar e fundamentar em concreto, de acordo com o que resulta como provado, porque é que se encontrava ilidida a presunção de que a quantia mutuada seria pertença dos Recorrentes apenas em razão de metade.

  16. O que vale por perguntar: em face de tudo, pode ter-se como seguro e provado que a quantia mutuada seria realmente pertença exclusiva dos Réu, solidário co-titular da conta onde a mesma foi depositada? 20. Salvo melhor opinião, o douto acórdão a isto não deu resposta porque, obnubilou a ponderação que cabia à natureza de um contrato de depósito irregular, que, de resto, se encontra como provado ter existido.

  17. Caso tivesse levado tal aspecto em conta, teria, uma vez mais salvo o devido respeito, confirmado o entendimento que o tribunal da primeira instância consagrou: o Autor apenas teria, enquanto fiador, mas também solidário co-titular da conta onde a quantia mutuada foi depositada, direito a metade de tudo aquilo quanto pagou, no cumprimento das suas obrigações.

  18. E porquanto mais não ficou provado; mormente ser tal dinheiro emprestado pertença exclusiva do Réu.

  19. E nem se diga, por ora, que a argumentação assim expendida, relativamente aos factos deste modo expostos, no sentido de obrigar a uma reforma da decisão recorrida por este Venerando Tribunal, constituirá, de certo modo, um abuso de direito ou até mesmo, um qualquer venire contra factum proprium, já que, até este ponto, nunca a posição dos ora Recorrentes versou sobre tais aspectos.

  20. É que, tal como se encontra relatado no douto acórdão, os ora Recorrentes, mesmo em sede de resposta à apelação, pronunciaram-se pela confirmação da sentença recorrida.

  21. Manifestação de vontade a implicar a concordância com um certo entendimento de que prova suficiente não foi produzida, no sentido de ilidir a presunção de que a quantia mutuada e depositada, em conta solidária, pertencia, a Réu e Autor em partes iguais, na razão de metade.

  22. Como a divergência com tal entendimento apenas se deu no momento em que o tribunal recorrido profere decisão contrária, obnubilando a ponderação acerca da suficiência da prova fixada para ilidir tal presunção, viram-se os Recorrentes, apenas agora e no exercício de um direito - a comportar também um ónus de alegação -, na necessidade de demonstrar a bondade de uma solução com que acabaram por se conformar e quiseram ver mantida e confirmada.

  23. No que toca aos juros patrimoniais (1), quando em si mesmo considerados, sempre os recorrentes...

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