Acórdão nº 08P3552 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 04 de Dezembro de 2008

Magistrado ResponsávelPIRES DA GRAÇA
Data da Resolução04 de Dezembro de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça ---No processo comum (tribunal Colectivo) com o nº 1127/04.5PBVIS do 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Viseu foi julgada a arguida AA, solteira, estilista, filha de BB e de CC, nascida a 09/10/64, natural de Mangualde, residente na Rua ........, nº.., no Bairro de S. João, em Mangualde, e com o B.I. nº........, emitido em 17/01/01, por Lisboa, actualmente a cumprir pena de prisão no Estabelecimento Prisional Especial de Santa Cruz do Bispo, na sequência de acusação deduzida pelo Digno Magistrado do Mº Pº que lhe imputou a prática, em autoria material e concurso efectivo, de: - sete crimes de furto, previstos e puníveis pelo art.203º, nº1, do Código Penal; - um crime de abuso de cartão de crédito, previsto e punível pelo art. 225º, nº1, do Código Penal.

- trinta e quatro crimes de falsificação de documento, previstos e puníveis, pelo art.256º, nºs 1, alínea a), e 3, do Código Penal; - um crime de falsificação de documento na forma tentada, previsto e punível pelas disposições conjugadas dos arts.22º, 23º e 256º, nºs 1, alínea a), e 3, do Código Penal; - trinta crimes de burla qualificada, previstos e puníveis pelas disposições conjugadas dos arts.217º, nº1, e 218º, nº2, al.b), do Código Penal; - dois crimes de burla qualificada, na forma tentada, previstos e puníveis pelas disposições conjugadas dos arts.22º, 23º, 217º, nº1, e 218º, nº2, al.b), do Código Penal.

--- Na qualidade de lesados e com base nos factos descritos na acusação vieram os lesados Ourivesaria ........ Lda., DD, EE, FF - Comércio Internacional de Electrodomésticos, Lda. e GG, vieram deduzir contra a arguida pedidos de indemnização civil, no montante global de € 750,66, a título de danos não patrimoniais e acrescido de juros vincendos à taxa legal, --- No decurso do julgamento vieram a ser apresentadas desistências das queixas por parte dos queixosos HH, II, JJ, KK e LL MM e NN, que foram homologadas, declarando-se, extinto o procedimento criminal instaurado nos autos contra a arguida relativamente aos seis crimes de furto em que eram ofendidos esses mesmos desistentes; e, tendo ainda, a arguida confessado os pedidos de indemnização civil contra si deduzidos nos autos, confissão essa que foi homologada, prosseguindo então o julgamento para apuramento da responsabilidade criminal da arguida referente ao restante crime de furto e demais crimes que lhe são imputados na acusação.

--- Realizado julgamento, foi proferido acórdão em 24 de Julho de 2008, que decidiu: "1. Declarar extinta a responsabilidade criminal da arguida relativamente aos nove crimes de burla referentes aos cheques por si entregues nos aludidos estabelecimentos e espaços comerciais OO, estabelecimento comercial PP - LOJA ... Farmácia ........, estabelecimento comercial QQ LDA., RR PERUMARIA LDA., SS, estabelecimento comercial TT, estabelecimento comercial LINGERIE, e UU.

  1. Ordenar o arquivamento relativamente aos factos integradores do crime de burla simples praticados na SAPATARIA VV imputados na acusação deduzida nos autos contra a arguida.

  2. Condenar a arguida AA, como autora material e em concurso real, de: - um crime de furto simples, p. e p. pelo Art. 203º Nº1 do C. Penal actualmente em vigor, na pena de 8 meses de prisão.

    - um crime de abuso de cartão de crédito, p. e p. pelo Art. 225º Nº1 do C. Penal actualmente em vigor, na pena de 18 meses de prisão; - um crime de falsificação de documento ( referente às assinaturas nos talões das compras ), p. e p. pelo Art. 256ºNº1 c) do C. Penal actualmente em vigor, na pena de 15 meses de prisão; - um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo Art. 256º Nº1 b) e Nº3 do C. Penal actualmente em vigor ( referente à falsificação do bilhete de identidade de JJ ), na pena de 10 meses de de prisão; - um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo Art. 256º Nº1 c) e Nº3 do C. Penal actualmente em vigor ( referente à falsificação da assinatura da mencionada JJ no verso do cheque da conta titulada por XX no espaço reservado à assinatura do endossante Calças ), na pena de 14 meses de prisão; - um crime de falsificação de documento, na forma continuada, p. e p. pelo Art. 256º Nº1 c) e Nº3 e 30º Nº2 do C. Penal actualmente em vigor ( referente à falsificação dos cheques da conta bancária do Montepio Geral titulada por HH ), na pena de 2 anos e 4 meses de prisão; - um crime de falsificação de documento, na forma continuada, p. e p. pelo Art. 256º Nº1 c) e Nº3 e 30º Nº2 do C. Penal actualmente em vigor ( referente à falsificação dos cheques das contas bancárias do BCP e do BPN tituladas por JJ), na pena de 3 anos e 6 meses de prisão ( pena esta que substitui as pena de 18 meses de prisão e de 15 meses de prisão que foram aplicadas à arguida no âmbito do Proc. Colectivo Nº .......0TACBR, da Vara de Competência Mista, 1ª secção, do Tribunal Judicial de Coimbra e do Proc. Comum Colectivo Nº ......4GCTND, do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Tondela pela prática de crime de falsificação de documento na forma continuada ).

    - um crime de burla simples, p. e p. pelos Arts. 217º Nº1 e 30º Nº2 do C. Penal actualmente em vigor ( referente à entrega do cheque da conta titulada por XX ), na pena 10 meses de prisão; - um crime de burla simples, na forma continuada, p. e p. pelos Arts. 217º Nº1 e 30º Nº2 do C. Penal actualmente em vigor ( referente à entrega dos cheques da conta bancária do Montepio Geral titulada por HH ), na pena de 2 anos de prisão; - um crime de burla simples, na forma continuada, p. e p. pelos Arts. 217º Nº1 e 30º Nº2 do C. Penal actualmente em vigor ( referente à entrega dos cheques das contas bancárias do BCP e do BPN tituladas por JJ), na pena de 2 anos e 10 meses de prisão ( pena esta que substitui a pena de 14 meses de prisão que foi aplicada à arguida no âmbito do Proc. Colectivo Nº 302/05.0TACBR, da Vara de Competência Mista, 1ª secção, do Tribunal Judicial de Coimbra, pela prática de crime de burla simples na forma continuada.

  3. Efectuar o cúmulo jurídico de tais penas, e, consequentemente, condenar a mesma arguida, na pena única de 7 anos e 6 meses de prisão.

  4. Condenar, ainda, a arguida nas custas do processo (...) 4. Declara-se perdida a favor do Estado a quantia em dinheiro apreendida nos autos.

  5. Ordena-se a restituam-se dos documentos pessoais apreendidos nos autos aos respectivos titulares, após notificação dos mesmos para procederem ao seu levantamento, nos termos previstos no Art. 186º Nºs 3 e 4 do C.P.P.

  6. Ordena-se a restituição dos demais bens apreendidos nos autos a quem provar ser legítimo proprietário dos mesmos, e, ainda, a notificação das pessoas em relação ás quais resulta, inequívoco da factualidade provada, serem proprietárias dos mesmos, para procederem ao seu levantamento, sob pena de se considerarem tais objectos perdidos a favor do Estado, nos termos previstos no Art. 186º Nºs 3 e 4 do C.P.P.

  7. Com cópia do presente acórdão, comunique ao Proc. Colectivo Nº 302/05.0TACBR, da Vara de Competência Mista, 1ª secção, do Tribunal Judicial de Coimbra e ao Proc. Comum Colectivo Nº 391/04.4GCTND, do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Tondela que as penas neles aplicadas à arguida foram substituídas pelas penas aplicadas à mesma arguida nos presentes autos.

  8. Remeta boletins à D.S.I.C.

  9. Deposite."---Inconformada, recorre a arguida para o Supremo Tribunal de Justiça, apresentando as seguintes conclusões: 1 - A arguida discorda da forma como foi aplicado o direito, no que concerne à determinação da medida da pena, bem como, a apreciação da matéria provada na fixação concreta da pena.

    2 - No crime de abuso de cartão de crédito o bem jurídico protegido é o património individual cujo tipo legal supõe um dano patrimonial, ou seja, causar prejuízo material a terceiro e para o efeito o agente do crime tem de utilizar os estratagemas que induzirão ao erro ou engano de outrem.

    3 - O crime de falsificação praticado pela arguida constituiu o meio para o cometimento do crime de abuso de cartão e a posse por furto do cartão o instrumento imprescindível para a prática daquele ilícito (abuso de cartão de crédito).

    4 - Por isso, na nossa humilde opinião, aqueles crimes, falsificação e furto, foram consumidos pelo crime de abuso de cartão de crédito e. assim, verifica-se que a prática destes crimes preenche um concurso aparente de normas, cuja relação é de consumpção e não de concurso aparente.

    5 - Entende-se que este raciocínio também tem de ser aplicado aos crimes de falsificação e de burla, ambos na forma continuada, sob pena de violação do nº 5 do art° 29° da C.R.P.

    É nosso entendimento partilhar a opinião do Ilustre Conselheiro Sá Nogueira que no seu voto de vencido do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido no processo 728/88 de Dezembro/1998, no qual foi relator, e citado no acórdão uniformizador 8/2000, que defende que a reforma de 1995 teve como principio filosófico o retomo à regra tradicional de que "no concurso de circunstâncias qualificativas agravantes, só à mais grave é dado relevo, com as consequências de fazer incluir no tipo legal da burla todos os meios usados pelo agente para cometer o ilícito no sentido de utilização de erro ou engano, o que, necessariamente, implica que a falsificação, por ser uma das formas do erro ou engano, seja incluída no tipo legal de burla. A falsificação portanto faz parte do tipo legal de burla e não pode ser autonomizada em relação à burla de que faz parte, sob pena de violação do princípio constitucional de "non bis in idem"".

    6 - Na nossa opinião é violento e juridicamente reprovável que apesar do bem jurídico protegido (património individual) ser comum aos dois crimes e que para a concretização de um deles (burla) seja imprescindível a falsificação, este não seja consumido com a prática daquele e com isso o arguido seja condenado por este ilícito, não o sendo pela burla.

    7 - Considerando o teor das declarações de fls. 2162, 2163, 2166, 21 71, 2174 e 2189, é nosso entendimento que a restituição aos...

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