Acórdão nº 06P4079 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 04 de Dezembro de 2008

Magistrado ResponsávelHENRIQUES GASPAR
Data da Resolução04 de Dezembro de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acórdão na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: 1. No processo nº 52704.4TAAGD (3º Juízo do tribunal de Águeda) foi julgado, entre outros, o arguido AA, e, a final, condenado como co-autor material de um crime de abuso de confiança fiscal, na forma consumada, p. e p no artigo 105º, nºs 1, e, 4 e 5 e 7º, nºs 1 e 3 do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), aprovado pela Lei nº 15/2000, de 4 de Junho, na pena de dois anos e três meses de prisão, e como co-autor de um crime de abuso de confiança conta a Segurança Social, na forma consumada, p. e p. pelos artigos 107º, nº 1 e 105º, nºs 1, 2, 4 e 5, na pena de um ano e seis meses de prisão.

Em cúmulo jurídico foi condenado na pena de três anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de cinco anos, sob a condição de o arguido proceder ao pagamento ao demandante cível (ISS) dos montantes em dívida.

  1. Não se conformando, recorre para o Supremo Tribunal, com os fundamentos constantes da motivação que apresentou e que termina com a formulação das seguintes conclusões: 1ª. Deve ser revogado o acórdão na parte recorrida que condenou o arguido pela prática de um crime de abuso de confiança contra a segurança social qualificado, p. e p. pelo artigo 105º, nº 5 do RGIT, ex vi do artigo 107º do RGIT, na pena de um ano e seis meses de prisão e em cúmulo jurídico na pena de três anos de prisão.

    1. Deve ser proferido acórdão que, considerando o presente recurso procedente, condene o arguido pela prática de um crime de abuso de confiança contra a segurança social simples, p. e p. no artigo 105º, nº 1 do RGIT, em pena não superior a dez meses de prisão, e em cúmulo jurídico, em pena única não superior a dois anos e seis meses de prisão.

    2. Mas sempre mantendo a suspensão da execução da pena decretada em primeira instância nos seus precisos termos.

    O magistrado do Ministério Público respondeu à motivação, e considera que assiste razão ao recorrente, acompanhando a argumentação do voto de vencido do acórdão recorrido.

  2. Na pendência do recurso, o recorrente veio invocar o disposto no artigo 95º da Lei nº 53-A/2006, de 29 de Dezembro (Lei de Orçamento), que alterou a redacção do artigo 105º, nº 4 do RGIT, considerando que a alteração consubstancia a modificação do tipo objectivo de ilícito mediante a introdução de uma nova condição de punibilidade, com a consequência da despenalização da conduta por que foi condenado.

    Foi decidido, porém, por acórdão de 21 de Março de 2007, não se tratar de caso de modificação que tivesse a ver com a definição do crime, não existindo alteração dos elementos da infracção do artigo 105º do RGIT (a não entrega da prestação tributária retida no prazo legalmente fixado) que permaneceu tal como se definia anteriormente à Lei nº 53-A/2006, de 29 de Dezembro.

    Não tendo havido eliminação do número das infracções, nem modificação dos respectivos elementos constitutivos da infracção, decidiu-se que não se configurava qualquer hipótese de descriminalização.

    Tão só se verificou a previsão de uma outra condição de punibilidade, que foi tida em consideração, na medida em que poderia integrar um "regime" que «concretamente» se mostrava mais favorável ao agente.

    A favorabilia residiu aqui em proporcionar ao recorrente a possibilidade de obstar a que se preenchesse, pois dependeria apenas de facto seu, a nova condição de punibilidade, já que o recorrente poderia ter determinado o afastamento da punibilidade por desnecessidade de aplicação de uma pena, regularizando a situação fiscal com a entrega da prestação no prazo determinado após a notificação feita.

    Em consequência, o processo voltou à Administração Fiscal para notificação do recorrente, dando-lhe a oportunidade de satisfazer o pagamento.

    Notificado nos termos legais, o recorrente não satisfez o pagamento.

    Ficou, por isso, preenchida a condição de punibilidade p. no artigos 107º, nºs 1 e e e 105º, nº 4, alínea b) do RGIT.

  3. Há assim, que prosseguir com o conhecimento do recurso.

    Colhidos os vistos, o processo foi à conferência, cumprindo decidir.

  4. São os seguintes os factos provados: 1. - A arguida "BB, Lda." dedica-se à compra e venda de imóveis e tudo o que se relacione com esta actividade, incluindo o arrendamento e revenda dos adquiridos para esse fim, construção civil e obras públicas, reparação e restauro de imóveis por administração directa ou empreitada.

  5. - Os arguidos CC e AA foram os seus sócios, desde o início da sua actividade (1979) e até 8 de Abril de 2004, sendo o arguido AA quem exercia, sozinho, a respectiva gerência.

  6. - No período compreendido entre Dezembro de 2002 e Fevereiro de 2004, a sociedade arguida atravessou diversas dificuldades económicas.

  7. - Por tal motivo, o arguido AA, em representação e na qualidade de sócio-gerente da sociedade arguida, decidiu não proceder à entrega ao Estado de diferentes montantes, recebidos de clientes a título de I.V.A. e retidos a título de I.R.S. no tocante aos vencimentos dos trabalhadores; 5.- e, bem assim, decidiu não entregar os valores referentes às cotizações devidas à Segurança Social.

  8. - Destarte, lograria tal arguido conservar tais montantes e utilizá-los em benefício próprio da sociedade por si gerida.

  9. - Em data não concretamente apurada do ano de 2002, altura em que a sociedade arguida apresentava problemas económicos e financeiros, o arguido AA, actuando em representação e no interesse da aludida sociedade e no quadro dos poderes que lhes estavam atribuídos, decidiu não fazer a entrega nos cofres do Estado de montantes, recebidos de clientes a título de IVA e retidos a título de IRS.

  10. - Em termos de I.V.A.. a sociedade arguida encontrava-se enquadrada no regime normal mensal.

  11. - Assim, entre Dezembro de 2002 e Março de 2003 e no mês de Maio de 2003, o arguido AA decidiu tributar o I.V.A. referente a diversos serviços prestados pela sociedade arguida, I.V.A. esse que seria, como efectivamente foi, pago directamente pelos clientes da "BB, Lda." ou por esta recebido no seguimento de cobranças a clientes efectuadas por sociedades de "factoring".

  12. - Mais decidiu que não entregaria ao Estado tal imposto, ficando com os valores a esse título recebidos para a sociedade por si gerida.

  13. - Na execução dessa decisão, o arguido AA , na qualidade de gerente da sociedade arguida, decidiu enviar ao Serviço de Administração do I.V.A. as declarações mensais periódicas referentes àquele período temporal, mas não as fez acompanhar dos respectivos meios de pagamento.

  14. - Durante o citado período, a sociedade arguida recebeu os seguintes montantes a título de I.V.A., por parte dos seus clientes e das aludidas sociedades de "factoring": - Dezembro de 2002: 212.160,58 euros; - Janeiro de 2003: 187.489,74 euros; - Fevereiro de 2003: 79.864,59 euros; - Março de 2003: 86.866,51 euros; - Maio de 2003: 173.093,79 euros.

  15. - Os arguidos "BB, Lda." e AA receberam assim um valor total de I.V.A. no montante de 739.475,21 euros.

  16. - No entanto, tais arguidos nunca procederam à entrega aos Serviços de Administração do I.V.A., de tais importâncias recebidas a título de I.V.A., o que, como os mesmos arguidos bem sabiam, estavam legalmente obrigados a fazer mensalmente.

  17. - No que respeita ao I.R.S.. a sociedade arguida procedeu a diversas retenções de imposto relativo a rendimentos das categorias A (rendimentos do trabalho dependente), B (rendimentos empresariais e profissionais), F (rendimentos prediais), pagos ou colocados à disposição dos trabalhadores ou titulares, nos meses de Julho, Agosto, Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro de 2003. No entanto, o arguido AA decidiu, sempre na qualidade de sócio-gerente da sociedade arguida, não proceder à entrega de tal imposto retido ao Estado, até ao dia 20 do...

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