Acórdão nº 08A3501 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 25 de Novembro de 2008

Magistrado ResponsávelSEBASTIÃO PÓVOAS
Data da Resolução25 de Novembro de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: AA - depois substituída em incidente de habilitação sequente à sua morte, pelo único herdeiro "Centro de Solidariedade Cristã MARANATHA" - intentou acção, com processo ordinário contra o "Instituto de Gestão de Crédito Público (IGPC), "Banco CC, SA"e BB.

Pediu a condenação do 1º Réu a pagar-lhe 32.607.137$00 acrescidos de juros, ou caso assim não fosse entendido, a mesma condenação da 2ª Ré ou, finalmente, e se assim não se entendesse, a condenação do 3º Réu, nos mesmos termos.

Em qualquer dos casos, pediu a condenação do 3º R. a entregar-lhe as suas jóias, cartão Multibanco e chaves do seu andar.

Em síntese, alegou ter subscrito certificados de aforro, série B, no montante de 17.218.500$00, correspondentes a 34.437 unidades e que tais certificados de aforro só podiam ser pagos a ela própria, ou a um seu representante com procuração; que não indicou ninguém como 2º titular que pudesse proceder à movimentação dos certificados, sendo que a 1ª R. pagou os mesmos ao 3º R.

Mais disse que este se aproveitou da confiança que nele depositava para se apoderar do seu cartão de crédito bancário e do respectivo código pessoal e começar a efectuar levantamentos, apoderando-se, outrossim, das chaves do seu andar e das suas pratas e jóias.

Acrescentou que as assinaturas de reembolso dos certificados não foram por si feitas, mas sim pelo 3º R. que, junto do balcão dos CTT da Graça, obteve a entrega do cheque do pagamento do resgate dos ditos certificados de aforro, convencendo a respectiva funcionária que, para o efeito, apenas conferiu a semelhança da assinatura do resgate com a constante do seu BI, sendo que o 3º R. utilizou o valor do resgate em proveito próprio.

Os CTT - Correios de Portugal, S.A. intervieram espontaneamente, pugnado pela improcedência da acção, invocando, por um lado, a prescrição do direito da A. e, por outro, impugnando parte da factualidade por esta alegada na petição.

O Instituto de Crédito Público também contestou, impugnando os factos vertidos na petição e pedindo a sua absolvição.

O BES, por sua vez, arguiu a ineptidão da petição inicial e impugnou os factos alegados pela A., pedindo, em consonância, a sua absolvição da instância ou do pedido.

Finalmente, o R. BB defendeu-se por excepção, arguindo não só a ineptidão da petição como a prescrição, e por impugnação.

No saneador, foram julgadas improcedentes todas as excepções .

A 1ª Instância - 16ª Vara Cível de Lisboa - absolveu os 1º e os 2º Réus (este, agora, os CTT) do pedido, absolvendo de igual modo o 3º Réu mas apenas do pedido de condenação a pagar-lhe 32.607.137$00. Condenou-o, contudo, a entregar à Autora um cordão de ouro, um colar de pérolas e um par de brincos de argola.

Apelou a Autora para a Relação de Lisboa.

Aí, por despacho do Relator, foi julgada extinta a instância relativamente ao recurso de agravo, por desistência do agravante (CTT).

Oportunamente, foi proferido acórdão que julgou a apelação parcialmente procedente e consequentemente condenou o 1º R., Instituto de Gestão do Crédito Público, a pagar à A. a quantia de € 119 569,28 (cento e dezanove mil quinhentos e sessenta e nove euros e vinte e oito cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal sucessivamente vigente, vencidos e vincendos desde 31.5.1996 até integral pagamento, no mais confirmando a decisão recorrida.

Tanto a A. como o 1º Réu, IGCP, interpuseram recurso de revista.

O recurso interposto pela A. foi rejeitado pelo Exmº Conselheiro Relator.

Quanto à revista interposta pelo R. IGCP foi julgada procedente pelo Supremo Tribunal de Justiça, o qual revogou o acórdão da Relação, absolvendo o 1º Réu do pedido, e determinou a baixa do processo à Relação a fim de que por esta fosse apreciado e decidido o pedido formulado contra o Réu BB.

De novo na Relação de Lisboa - que considerou que a apreciação do pedido contra o 3º Réu se justificava, por subsidiário do formulado contra um Réu (o 1º) absolvido - a apelação foi julgada improcedente e o 3º Réu absolvido.

Inconformada a Autora pede revista, assim concluindo: -O acórdão recorrido é nulo por violação do caso julgado formal, relativamente à apreciação crítica da matéria de facto do anterior acórdão de 16-11-2006, que anulou a sentença, condenou o 1º Réu e deixou de conhecer do pedido formulado contra o Réu, BB - artº 672º do CPC. Ainda, -É nulo, por omissão do conhecimento da causa de pedir, relativa à responsabilidade derivada da gestão/mandato sem poderes de representação do dito Réu, quanto à forma como movimentou e levantou o montante dos certificados de aforro e o depositou numa conta bancária por ele movimentada, durante o período de tempo em causa, em que tratou da tia, por ser o familiar mais próximo e o aplicou nas obras da casa de Moledo.

-Ou da omissão de conhecimento da responsabilidade por facto ilícito, quanto à mesma matéria, caso não proceda a anterior questão, pelo que foram violadas as disposições legais das al. d) do nº 1 do artº 668º, 659º e 660º do CPC.

-O enriquecimento sem causa justificativa à custa de outrem é a causa de pedir residual e subsidiária de todas as outras que deve ser conhecida, caso aquelas não procedam, para a condenação do mesmo Réu, BB - arts 473º e 474º do CC.

-Os factos articulados, no artº 6º e segs da petição, constituem a causa de pedir autónoma contra o Réu, BB, que permitem fundamentar a condenação do Réu no pedido, segundo os princípios gerais do mandato, sem poderes de representação, isto é da responsabilidade civil contratual ou extra contratual, por facto ilícito.

-Encontra-se alegado e provado que o Réu, BB era administrador, de facto, da pessoa e bens da Autora, pelo que sempre será de aplicar, na sua condenação, as regras do mandato sem poderes de representação, ou a responsabilidade conexa, derivada do abuso de confiança, e ser condenado a restituir o que recebeu indevidamente.

-O Réu assume, confessa e documenta (petição da prestação de contas) poderes de administração dos bens da Autora, sua tia (mandato sem representação), que serviram de base à causa de pedir invocada na petição e ao pedido contra ele formulado.

-Os actos e comportamentos alegados pela Autora, quando ao modo como o Réu administrou os seus bens, e teve acesso aos certificados de aforro, os recebeu e depositou, objectivamente considerados, enquadram-se nos elementos típicos de um crime de abuso de confiança, dadas as circunstâncias de dependência em que a Autora se encontrava em relação do Réu.

-Da análise do percurso físico do recebido pelo Réu, BB, da funcionária dos CTT (desde que foi emitido até que é depositado), chegamos à conclusão que o mesmo nunca esteve em poder da falecida Autora para que o pudesse endossar, por não ter chegado à sua posse.

-Está provado que "A funcionária dos CTT entregou o cheque referido, ao 3.º R., BB (Resposta ao 5.º BI), que convenceu a funcionária dos CTT a entregar-lhe o cheque e dele recebeu os pedidos de amortização dos certificados de aforro, cuja assinatura conferiu pela exibição do bilhete de identidade da falecida AA, sem a presença dela.

-O Réu, BB não era titular dos certificados de aforro, não tinha poderes para os movimentar, nem se faz acompanhar da Autora.

-O cheque, do montante dos certificados resgatados, foi depositado na conta do filho, menor, por ele movimentada (confessado na petição, como doação para os filhos).

-Tal cheque, pelas regras da experiência comum de vida (presunção juris tantum), não saiu das mãos do Réu, que o depositou na conta em causa e a movimentou para os fins que entendeu convenientes.

-O Réu invocou (mas não provou) para tal, um negócio causal, para justificar a posse do cheque, mediante o endosso.

-Era o Réu, BB, que competia fazer a prova do endosso (autenticidade da assinatura) do título de crédito e da relação jurídica que lhe deu causa, a doação, repetidamente, propalada na sua contestação.

-O Réu, BB, não fez nenhuma prova quanto à autoria e autenticidade das assinaturas da sua falecida tia, no endosso do cheque ou de qualquer dos documentos dos pedidos de amortização e de autorização de pagamento.

-Mostra-se, por isso, violado o disposto nos artº 342º, nº 2, 344º, 349º do Código Civil.

-Quanto aos factos negativos, competia ao Réu, a prova dos factos constitutivos dos direitos (modificativos) a que se arrogou - artº 342º e 343º do Código Civil, sendo que, em qualquer dos casos, a favor da Autora milita a presunção Legal da constituição do direito dos títulos nominativos que são os certificados de aforro.

-A experiência comum de vida, a moral, a boa fé e os costumes impõem a condenação do Réu, pois doutro modo existiria abuso de direito.

-Quando tal se não entenda, sempre será de condenar o Réu, BB, com os fundamentos do enriquecimento sem causa, a restituir o indevidamente por ele recebido.

-A transferência patrimonial do valor dos certificados de aforro do Instituto de Gestão de Crédito Público, por cheque nominativo, sem intervenção da AA, para uma conta do Réu, BB, nas circunstâncias provadas nas instâncias, "representa um rompimento com a normalidade da vida patrimonial" e como tal "elemento integrante do direito de restituição", invocado pela Autora.

-Mostram-se violadas as disposições legais constantes dos artºs 260º a 268º, 342º, nº 2, 343º, 344º, 349º a 351º, 473º a 478º, 483º, 1157º, 1161º, 1181º, todos do Código Civil, e art. 668º, nº 1, c) e d) do Código de Processo Civil.

Contra alegou o recorrido em defesa do julgado.

As instâncias deram por assente a seguinte matéria de facto: 1. A Autora (AA) subscreveu junto do 1º R. os certificados de aforro, série B, N°...

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