Acórdão nº 824/06.5TVLSB.L2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Julho de 2014

Magistrado ResponsávelFONSECA RAMOS
Data da Resolução01 de Julho de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Proc.824/06.5TVLSB.L2.S1.

R-455[1] Revista Acordam no Supremo Tribunal de Justiça AA, intentou, em 31.1.2006, pelas Varas Cíveis da Comarca de Lisboa – 16ª Vara – acção declarativa de condenação com processo ordinário, contra: BB Pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 85.000,00, a título de danos patrimoniais e a quantia de € 5.000,00, a título de danos não patrimoniais, acrescidas de juros de mora à taxa legal desde a citação e até integral pagamento.

Alegou para tanto e em síntese, que: - a Ré foi nomeada, em 20.9.2001, pelo Conselho Distrital da Ordem de Advogados de Lisboa para patrocinar o Autor, então Réu numa acção que lhe havia sido movida pela Companhia CC ao abrigo do exercício do direito de regresso nos termos do artigo 19° do D.L. 522/85 de 31.12. com o fundamento de que este, enquanto condutor de um veículo interveniente num acidente de viação, ter agido sob influência do álcool; - tal nomeação ocorreu antes de terminar o prazo da contestação, tendo ainda o Autor, antes do seu termo, reunido com a Ré em Setembro de 2001, não tendo posteriormente sido informado do estado do processo; - a Ré requereu prorrogação do prazo para contestar, que lhe foi negado, vindo depois a contestação que apresentou fora de prazo a ser desentranhada, porque intempestiva; - consequentemente foi proferida sentença que condenou o ora Autor e ali Réu no pedido, num total de € 85.000,00, em virtude dos juros vencidos desde a data da citação; - ficou igualmente abatido e deprimido em consequência dessa condenação, por ter sido vendida, no âmbito de um processo de execução que lhe foi movida, a casa de que era dono e que estava hipotecada à CGD.

Contestou a Ré, por excepção, suscitando a prescrição do direito do Autor, à luz do art. 498°/1 do Código Civil, por este ter tido conhecimento da sentença em 16 de Março de 2002 (e consequentemente de que havia sido condenado no pagamento da quantia peticionada pela Seguradora) e que só propôs a presente acção volvidos mais de 3 anos sobre tal data.

Impugnou igualmente os factos alegados pelo Autor, referindo que, quando foi notificada pela O.A, em 20.9.2001, de que havia sido nomeada patrona ao ora Autor para contestar uma acção, apressou-se a comunicar com este, por fax, dando-lhe conta do que se passava.

Mais alegou que reuniu com o Autor no dia 26 desse mês no seu gabinete, dando-lhe conta da necessidade de contestar a acção, atentas as cominações e consequências daí decorrentes, o que o Autor contrapôs por entender que nada havia a contestar e que não tinha quaisquer bens em seu nome e que só pediu apoio judiciário para se eximir ao pagamento das custas do processo; - todavia, e após insistências da Ré, o Autor anuiu em apresentar a contestação, tendo-lhe aquela solicitado elementos para o efeito, o que, também após grande insistência, o Autor se comprometeu a entregar-lhe; - não obstante diversas tentativas da Ré de contactar telefonicamente o Autor, não logrou fazê-lo, o que a levou a apresentar um requerimento de prorrogação do prazo para contestar. Diz também a ré que deu conhecimento ao Autor, através de mensagem dirigida para o seu telemóvel, do teor da sentença e que a mesma se justificava pela ausência de contestação.

Alega, finalmente, que o lapso por si cometido em nada influenciaria o desfecho da acção, uma vez que o Autor tinha sido condenado e julgado, pelos mesmos factos, pela prática de um crime de condução sob a influência do álcool, e que do auto de participação resultava que o mesmo era o único culpado do acidente.

A ré deduziu o incidente de intervenção principal provocada da DD (Europe) Ldª, por, na qualidade de Advogada e com inscrição na O.A, estar abrangida pelo seguro de responsabilidade civil profissional celebrado entre esta e aquela Seguradora, e requereu também a intervenção principal provocada da EE, S.A por estar associado ao cartão American Express da O.A e que garante igualmente o pagamento de indemnizações por danos decorrentes do exercício da actividade profissional de Advogado.

Replicou o Autor, dizendo apenas ter tido conhecimento dos fundamentos da acção em Fevereiro de 2004, concluindo como na petição inicial.

Admitido o incidente e citadas as chamadas, vieram estas a contestar, tal como resulta de fls. 228 e segs e de fls.241 e segs. sendo que a Ré Ocidental excepcionou igualmente a prescrição e suscitou a eventual nulidade do contrato de seguro por a Ré ter outro, sem que lhe tenha dado conhecimento, como estava contratualmente obrigada, impugnando os demais factos alegados na P.I.

A Ré DD limitou-se a impugnar a matéria alegada na p.i.

Elaborou-se despacho saneador – no qual se relegou a excepção de prescrição para final – e organizou-se a matéria de facto assente e a base instrutória.

*** Foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, foi a ré BB condenada a pagar ao autor a quantia de € 50.000,00, com juros de mora desde a data da citação, e, solidariamente com esta, as RR seguradoras “na proporção dos limites do capital seguro nas respectivas apólices, deduzidas as competentes franquias”.

*** As Rés, recorreram para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, por Acórdão de 12.12.2013 – fls. 887 a 924 –, julgou improcedente a invocada excepção da prescrição e na procedência da apelação, revogou a sentença recorrida, absolvendo-se as Rés do pedido.

*** Inconformado, o Autor recorreu para este Supremo Tribunal de Justiça, e alegando formulou as seguintes conclusões: 1. O presente pleito, mais do que proceder à análise de meros quantitativos e taxas de alcoolemia, visa a tutela de Direitos Fundamentais, quais sejam o Direito a uma defesa condigna, efectiva e real, que decorre do conteúdo material e normativo dos artigos 1.°, 2.º e 20.º da Constituição.

  1. Assim, mais do que saber se o aqui recorrente ultrapassou, no dia do acidente, a TAS permitida, estão em causa a preterição do seu direito de defesa; e a perda da sua habitação.

    3. O direito de defesa decorre, conforme alegado, do conteúdo dos artigos l.º da Constituição – atinente à dignidade da pessoa humana – princípio do Estado de Direito Democrático – artigo 2.º Constituição – e princípio do Acesso ao Direito, consagrado no artigo 20.º da Constituição.

  2. O direito de defesa resulta ainda da consagração no artigo 10° da Declaração Universal dos Direitos Humanos, também referido em sede de corpo das presentes alegações.

  3. A propósito deste direito de defesa, sobre o qual muito já se disse, citando-se ainda jurisprudência, para a qual se remete o Acórdão n.273/2012, proferido pelo Tribunal Constitucional.

  4. O certo é que a própria Comunidade Jurídica se indigna quando não são reconhecidas aos cidadãos as respectivas prorrogativas de defesa.

  5. Exemplo paradigmático desta censura social encontra-se consagrado no Discurso de início do ano Judicial de 2013, proferido por Excelência o Sr. Bastonário da Ordem dos Advogados que, em sede consensual do seu discurso, afirmou: “Há dois mil anos, na Palestina, um homem inocente foi condenado à morte por uma multidão de pessoas fanatizadas. Antes foi preso, interrogado, torturado, humilhado e julgado diante da turba de justiceiros que ululava pela sua condenação. O julgamento, a sentença e a sua execução foram rápidas e exemplares. Não houve, como agora se diz, manobras dilatórias, nem excesso de garantismo, nem outros expedientes que atrasassem ou dificultassem a justiça que todos queriam.

    Tudo aí se processou segundo um modelo que foi usado durante séculos que alguns quererem hoje recuperar’’.

    Mais afirma sua Excelência Sr. Bastonário, declaração que ora humildemente se subscreve, que; “E se aqui, hoje, invoco, esse julgamento não é pelo facto de o arguido estar inocente, pois sempre houve e haverá inocentes condenados. Não é pelo facto de, em troca da sua condenação, um criminoso ter sido libertado, pois sempre houve e sempre haverá culpados que escapam à justiça; e sempre que um inocente é condenado há um culpado que fica impune. ‘ Também não é pela brutalidade da condenação, pois essas sentenças sempre foram as preferidas das multidões e dos justiceiros. Não é também pela convicção dos julgadores sobre a culpabilidade do acusado, pois as turbas são sempre irracionais e só têm certezas.

    Não é sequer pela tortura e pela humilhação pública do acusado, pois essas práticas também continuaram a existir durante séculos e continuam hoje em alguns estados modernos que se dizem democráticos e de direito, como o nosso.

    Para concluir que o que ainda hoje me arrepia naquele julgamento é o facto de não ter havido ninguém que erguesse a sua voz em defesa do acusado.

    De não ter havido ninguém que invocasse uma atenuante pequena que fosse – para amenizar um pouco a brutalidade da sentença que se anunciava.

    O arguido foi preso, interrogado, julgado e condenado em processo sumário, sem qualquer defesa”.

  6. Hoje em dia, as Companhias de Seguros comprimem particularmente bem as garantias e exigências inerentes a uma verdadeira Defesa Jurisdicional na medida em que, sendo frequentemente chamadas a representar os interesses de condutores que, o mais das vezes provocam acidentes de viação, apenas rentabilizam o seu negócio por poderem contar, em Tribunal, com todas as prorrogativas de defesa dos direitos e interesses legítimos desses cidadãos.

  7. Relativamente ao direito à habitação – norma de carácter programático – a mesma não deixa de ser essencial, por constituir o núcleo dos direitos sociais de qualquer pessoa (quer quem já tenha casa, como sucedia com o recorrente; quer, quem legitimamente, aspira pelo direito a ter uma habitação condigna).

  8. Ademais, não é expectável que, mesmo em casos de condenação dos lesantes em processos de reembolso a seguradoras, aqueles venham a perder as suas casas.

  9. Ao contrário, segundo regras de experiência comum, um réu, ainda que condenado, só perderá a sua casa em situações de manifesto incumprimento ou quando, como foi o caso, não tenha tido qualquer...

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