Acórdão nº 11148/12.9YIPRT-A.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Julho de 2014

Magistrado ResponsávelPAULO SÁ
Data da Resolução01 de Julho de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Processo n.º 11148/12.9YIPRT-A.L1[1] Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I – Em oposição a requerimento de injunção que contra ela moveu AA, Lda.

, BB – Produtos Farmacêuticos, S.A.

invocou, além do mais, a excepção peremptória da compensação, requerendo, ainda, a suspensão dos autos, por questão prejudicial.

Caracterizando a dita excepção, disse, em suma, ter demandado civilmente a aqui autora, em acção penal onde se discute a elaboração pelos aí arguidos, de facturas falsas, pedindo a condenação daquela e de outros a pagarem-lhe indemnização cível; pelo que, sendo titular de direito de crédito sobre a exequente, pretende que, ao abrigo do disposto no art. 847.º do C. Civil, se opere a compensação entre esse seu direito e o crédito invocado na execução; mais alegou que deve ser decretada a suspensão da instância para que, primeiro, seja judicialmente reconhecido o seu direito de crédito.

Em resposta, a autora disse, em resumo, não aceitar a compensação, por nada dever à executada; que se não encontra pendente nenhum pedido cível que a executada tenha deduzido contra ela, além de que, para que pudesse proceder qualquer compensação, a executada teria de ter alegado nestes autos os factos em que funda o seu alegado direito de crédito, o que não fez.

Foi proferido despacho saneador, onde se considerou, com apelo ao disposto no art. 853.º do Código Civil, estar excluída a pretendida compensação, já que o crédito invocado pela executada provirá de facto ilícito doloso.

Julgou-se tal excepção improcedente e indeferiu-se a requerida suspensão da instância por causa prejudicial.

Apelou a Ré, sem sucesso, porquanto a Relação, embora com fundamentação diversa, manteve a decisão Continuando inconformada, veio a Ré interpor recurso de revista excepcional, a qual foi admitida.

São as seguintes as conclusões formuladas pela Ré no seu recurso: 1.Da Admissibilidade do Recurso de Revista Excepcional São três os requisitos de que depende a admissibilidade do recurso de revista excepcional, nomeadamente (i) que se encontrem reunidos os requisitos previstos para o recurso de revista "normal", (ii) que o Tribunal da Relação tenha confirmado, sem voto de vencido, a decisão proferida pelo Tribunal de 1.a Instância ("dupla conforme"), e (iii) que se verifique, pelo menos, uma das condições elencadas no n.º 1 do artigo 721.º-A do Código de Processo Civil.

  1. Encontram-se preenchidos, no caso em apreço, os requisitos gerais de que depende a admissibilidade da revista – considerada como revista "normal" –, quer quanto ao valor da causa e do montante da sucumbência da parte (tal como previstos no artigo 678.°, n.º 1 do CPC) quer quanto ao de ser o presente recurso interposto de acórdão da Relação proferido ao abrigo do n.º 1 do artigo 691.º do CPC (cfr. artigo 721.º do CPC).

  2. Encontra-se também preenchido o requisito da "dupla conforme", na medida em que o Acórdão ora recorrido confirmou na íntegra (e ainda com que diferente fundamento) a sentença proferida pela 1.ª Instância, negando provimento à apelação interposta pelo Recorrente.

  3. Por fim, encontram-se igualmente verificadas as condições elencadas nas alíneas a) e c) n.º 1 do artigo 721.º-A do CPC, ambas sendo, portanto, fundamento do presente recurso. Vejamos: 5. Está em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, é claramente necessária para uma melhor aplicação do Direito, (cfr. alínea a), nº 1, artigo 721.º-A do CPC), na medida em que tem vindo a mesma a ser tratada, pela doutrina, de forma não consensual, verificando-se a existência de duas correntes jurisprudenciais sobre o thema decidendum (cfr. o douto Acórdão recorrido, por um lado, e os Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto, de 19.01.2010 e o Tribunal da Relação de Lisboa, de 19.05.2011, por outro).

  4. Com efeito, entendeu o douto Acórdão recorrido que o crédito da Recorrente, compensante, não seria judicialmente exigível, porquanto o mesmo não havia sido previamente reconhecido em juízo. Consequentemente, não poderia a Recorrente pretender operar, através dele, a compensação de créditos.

  5. Não obstante, nos Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa e do Tribunal da Relação do Porto, acima referidos, entendeu-se que a lei não faz depender a compensação do facto do crédito do compensante estar já judicialmente reconhecido. Pelo que, mesmo nesses casos, pode o compensante fazer operar a compensação de créditos.

  6. Está, portanto, em causa nos presentes autos uma questão jurídica controversa, por debatida, e importante para propiciar uma melhor aplicação do direito, por estar em causa um segmento jurídico relevante (note-se que está em causa definir concretamente, com rigor e precisão, os requisitos de um instituto tão elementar (e recorrente), como seja o da compensação de créditos).

  7. Trata-se, por outro lado, de uma questão de especial relevo jurídico, que requer um estudo aprofundado e um especial esforço interpretativo, na medida em que a mesma implica não só a reconstituição do pensamento do legislador, como também o ponderar da melhor solução jurídica, face à unidade do sistema jurídico como um todo.

  8. Por fim, não se pode negar que esta é uma questão que se impõe a um número indeterminado de sujeitos de direito, porquanto a existência de créditos e contra-créditos é uma decorrência inevitável da vida em sociedade, tal como a conhecemos, sendo o recurso à respectiva compensação uma situação por demais recorrente. A compensação apresenta-‑se, assim, como um instituto transversal a todos os ramos do direito.

  9. Encontra-se, portanto, verificado o requisito a que se reporta a alínea a) do n.º 1 do artigo 721º-A do CPC, devendo o presente recurso de revista excepcional ser admitido, desde logo, com base neste pressuposto.

  10. A presente revista excepcional é também admissível com base na alínea c) do nº 1 do artigo 721º-A do CPC, porquanto o Acórdão recorrido se encontra em clara e inegável contradição com outros dois Acórdãos, já transitados em julgado e proferidos sobre a mesma questão fundamental de direito: o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 19.01.2010, proferido no âmbito do Proc. n.º 139152/08.8YIPRT.P1 e o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19.05.2011, proferido no âmbito do Processo n.º 268/04.3TCSNT.L1-2, não tendo, até ao momento sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência sobre a questão em apreço.

  11. A questão fundamental que se coloca nos presentes autos é precisamente a de saber se por "crédito judicialmente exigível", tal como previsto no artigo 847.º do CC, se deve entender apenas o crédito que haja sido previamente reconhecido em tribunal, ou se, ao invés, tal conceito se basta com o crédito susceptível de ser reclamado em tribunal (independentemente de o mesmo ter sido previamente reconhecido em juízo ou não).

  12. Entendeu o Tribunal recorrido, por um lado, que "o crédito invocado pela ré, compensante, não estando reconhecido, não é judicialmente exigível nos termos expostos, pelo que não pode pretender-se operar, através dele, a compensação de créditos." 15. Tal entendimento, porém, é frontalmente contraditório com aquele que se encontra plasmado no primeiro "acórdão fundamento" – o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 19.01.2010 – onde se decidiu que o crédito da ré era judicialmente exigível, ainda que não houvesse sido previamente reconhecido em juízo, podendo a ré, nessa sequência fazer operar a compensação de créditos.

  13. Por outro lado, o entendimento do Tribunal a quo é também frontalmente contraditório com o entendimento sustentado no segundo "acórdão fundamento" – o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido em...

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