Acórdão nº 310/09.1TBVLN.G1. S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 19 de Junho de 2014
Magistrado Responsável | SILVA GONÇALVES |
Data da Resolução | 19 de Junho de 2014 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça O “AA” intentou a presente acção declarativa, com processo ordinário, contra “BB, S.A.” ora incorporada na “CC, S.A.”, com sede no Ed. …, Praça do …, 4900-432, Viana do Castelo, pedindo:
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Se declare que é baldio da freguesia de …, do concelho de Valença, o terreno localizado no lugar da …, que confronta do norte com a estrada nacional, do nascente com caminho, do sul com DD e outros e do poente com a estrada nacional; b) A condenação da ré a reconhecer esse direito da autora sobre essa parcela de terreno; c) A condenação da ré a, no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da sentença, a retirar do dito terreno tudo aquilo com que o ocupou, maxime a tubaria e depósito que aí colocou, restituindo-o à sua primitiva feição.
Alegou, para tanto e em síntese, que entre os terrenos baldios da freguesia de …, conta-se o que se localiza no lugar da …, e confronta do norte com a estrada nacional (a de … -Viana do Castelo), do nascente com caminho, do sul com DD e outros, e do poente com a estrada nacional (a de … - Paredes de Coura); em meados de Maio de 2008, a ré, sem autorização da Assembleia de Compartes, fez entrar, neste terreno, máquinas, ferramentas e veículos pesados de transporte de terras e materiais e trabalhadores a seu mando, nele procederam à abertura de uma vala, onde assentaram tubaria que desemboca num depósito em cimento armado, construído sobre alicerce e em escavação aberta por esses mesmos trabalhadores.
A ré contestou, excepcionando a incompetência absoluta do Tribunal Judicial de Valença para julgar a presente acção, considerando materialmente competentes para o efeito os Tribunais Administrativos.
Impugnou parcialmente os factos alegados pelo autor, sustentando que a parcela de terreno em causa está integrada no domínio público e sob a administração da Junta de Freguesia de … e que praticou os sobreditos factos com a autorização desta junta. Concluiu pela sua absolvição da instância e pela improcedência do pedido formulado pelo autor.
A autora replicou, impugnando a matéria de excepção vertida na contestação e concluindo como na petição inicial.
Foi proferido despacho que julgou improcedente a excepção dilatória da incompetência absoluta do tribunal arguida pela ré.
Proferido despacho saneador, foram elaborados os factos assentes e a base instrutória.
Procedeu-se a julgamento com a observância das formalidades legais, decidindo-se a matéria de facto pela forma constante do despacho de fls. 248 a 253.
A final foi proferida sentença que julgou totalmente procedente, por provada, a presente acção e, em consequência:
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Reconheceu e declarou que o prédio que se localiza no lugar da …, e confronta do norte com a estrada nacional (a de …-Viana do Castelo), do nascente com caminho, do sul com DD e outros, e do poente com a estrada nacional (a de … - Paredes de Coura), é baldio da freguesia de ....
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Condenou a ré “BB, S.A.” ora incorporada na “CC, S.A.”, a retirar do dito terreno tudo aquilo com que o ocupou, ou seja, a tubaria e depósito que aí colocou, restituindo-o à sua primitiva feição, no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da sentença.
As custas ficaram a cargo da ré.
Não se conformando com esta decisão, dela apelou a ré para a Relação de Guimarães que, por acórdão de 9 de abril de 2013 (cfr. fls.405 a 423), julgando parcialmente procedente a apelação, consequentemente, decidiu assim: 1).
Altera-se a decisão sobre a matéria de facto no que respeita às respostas dadas aos artigos 2º, 9º e 10º da base instrutória, passando os factos supra descritos sob os nºs 2, 8 e 9 dos factos dados como assentes na sentença recorrida a ter a seguinte redacção: 2) O terreno referido em A) esteve durante mais de 300 anos afecto ao uso e fruição das pessoas da freguesia de …, que entre si organizavam o aproveitamento que do mesmo retiravam (quesito 2).
8) Algumas pessoas da freguesia de …, nela moradores, foram autorizadas a proceder à arborização, levando a cabo plantações de árvores em parcelas do dito terreno (quesito 9º).
9) Essa autorização era condicionada (quesito 10).
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Em tudo o mais mantém-se a douta sentença recorrida.
Irresignada, recorre para este Supremo Tribunal a ré “CC, S.A.” - recurso de revista excecional admitido por acórdão de 10.4.2014 (cfr. fls.511 a 517) - alegando e concluindo pelo modo seguinte: I.
O presente recurso de revista vem interposto na firme convicção de que, dada a prova produzida nestes autos, não estão reunidos os pressupostos exigíveis para o reconhecimento e declaração de que o terreno em apreço é baldio da Freguesia de … nem tampouco para a condenação da Recorrente.
II.
A admissão do presente recurso de revista, e consequente revogação da decisão recorrida, revelam-se manifestamente necessárias para a salvaguarda de interesses de particular relevância social.
III.
Não existe sobreposição decisória entre o Acórdão recorrido e a sentença proferido pelo Tribunal Judicial de Valença.
IV.
A decisão do Tribunal da Relação de Guimarães altera a decisão de facto proferida em primeira instância e julga parcialmente procedente o recurso de apelação interposto pela Recorrente.
V.
Não existe qualquer dupla conformidade no caso em apreço, motivo pelo qual estamos no âmbito da chamada revista regra, prevista no n.º l do artigo 721.º do CPC, por oposição à revista excepcional plasmada no artigo 721.º-A do CPC.
VI.
Por este motivo, é admissível o recurso de revista regra que se interpõe.
VII.
Está preenchido o requisito de admissibilidade de recurso de revista excepcional preceituado na alínea b) do n.º l e na alínea b) do n.º 2 do artigo 721.º-A do CPC.
VIII.
É importante para a salvaguarda de interesses de particular relevância social revogar a decisão contida no Acórdão em crise na parte em que a mesma condenou a Recorrente a, no prazo de 30 dias após o trânsito em julgado, retirar as condutas que implantou no terreno sito no Lugar da …, Freguesia de …, Concelho de Valença, restituindo o mesmo à sua primitiva feição.
IX.
A execução da decisão contida na Sentença de fls. e no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de fls. produzirá sérios prejuízos no interesse público e terá fortes repercussões de índole social, na medida em que implicará o corte do fornecimento de água em todo o Município de Valença durante largos meses.
X.
Todos os habitantes deste Município - e demais instituições - ficarão sem o fornecimento de água potável nas suas habitações durante todo o período em que durarem as obras de retirada das condutas existentes no terreno em apreço e os procedimentos necessários à implantação de novas condutas num novo lugar (elaboração de novos projectos, obtenção das autorizações administrativas necessárias, contratação dos empreiteiros e demais entidades executantes e realização das obras propriamente ditas).
XI.
Estão em causa interesses de particular relevância social subsumíveis ao disposto na alínea b) do n.º l do artigo 721.º-A do CPC.
XII.
O presente recurso contende com os princípios de assento constitucional da salvaguarda do interesse público e da proporcionalidade.
XIII.
Os efeitos cuja produção se visa evitar repercutem-se para além da esfera individual da Recorrente, e têm consequências comunitárias de grande relevo.
XIV.
O corte do fornecimento de água e a duração muito provavelmente extensa deste período de corte causará alarme social e afectará, de forma gravosa, a vida e o quotidiano de todos os habitantes do Município de Valença.
XV.
O Concelho de Valença não está preparado para suprir esta falta.
XVI. O reservatório existente no Concelho não é apto a suprir a necessidade de fornecimento de água, uma vez que a água no mesmo existente - dado o consumo médio dos habitantes do Município - apenas duraria algumas horas.
XVII.
A suspensão do fornecimento de água canalizada durante um período tão extenso causará um dano imensurável na vida individual de cada habitante do Município.
XVIII.
E afectará, de forma gravosa e eventualmente irreparável, a situação financeira de múltiplos estabelecimentos comerciais do Município - clínicas médicas, cabeleireiros, cafés, restaurantes, etc. - os quais, por razões de higiene e salubridade, poderão ter de fechar se virem interrompido o fornecimento de água canalizada, bem como dos hospitais e restantes estabelecimentos de saúde! XIX.
A credibilidade do direito alegado pelo Recorrido e que a decisão em crise visou proteger, será posta em causa pelo invulgar impacto na situação da vida que a norma ou normas jurídicas em apreço visam regular.
XX.
O interesse particular comunitário em apreço nestes autos assume tal importância que ultrapassa os limites do caso concreto.
XXI.
A procedência da segunda parte do pedido formulado pelo Recorrido - condenação da Ré em retirar toda a tubaria implantada no terreno em apreço, restituindo-o à sua feição original no prazo de 30 dias após o trânsito em julgado - lesará de forma irreparável - como sucederá com os estabelecimentos comerciais que por certo não poderão laborar sem o fornecimento de água - os interesses dos habitantes em dispor de abastecimento de água...
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