Acórdão nº 108/08.4TBMCN.P1.S1-A de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 05 de Junho de 2014

Magistrado ResponsávelSÉRGIO POÇAS
Data da Resolução05 de Junho de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam em pleno das secções cíveis do Supremo Tribunal de Justiça.

  1. Relatório AA, BB e CC intentaram acção declarativa de condenação na forma ordinária contra a Companhia de Seguros DD tendo pedido a condenação da Ré a pagar as quantias de € 19.000,00 à viúva, BB; € 15.000,00 a cada um dos filhos a título de danos não patrimoniais.

    O Tribunal de 1ª instância julgou a acção improcedente in toto absolvendo a Ré do pedido contra ela formulado.

    Os AA. recorreram da decisão tendo a Relação do Porto julgado parcialmente procedente a apelação e revogando nessa medida a sentença recorrida, condenou a Ré DD Portugal Lda., a pagar a cada um dos AA. o montante de € 10.000,00, em virtude da morte do seu familiar no acidente de viação dos autos, acrescida de juros de mora contados desde a citação da Ré até integral pagamento à taxa legal.

    Inconformada com o decidido recorreu de revista a Ré DD tendo pedido a sua absolvição do pedido.

    Por acórdão deste Supremo Tribunal inserto a fls. 194 ss a 24/2/2011, foi concedida a revista e assim absolvida a Ré do pedido que contra a mesma era formulado.

    Inconformados recorrem agora os AA. para o Pleno deste STJ para uniformização de jurisprudência (Acórdão-Fundamento deste Supremo Tribunal de 8/1/2009, nº 08B3796) tendo pedido que se revogue o acórdão recorrido, o qual deverá ser substituído por outro em que se decida a questão controvertida.

    Os recorrentes concluíram do modo seguinte: 1) De acordo com o disposto no artigo 7º nº 2 alínea d) do DL 522/85 de 31/12 com a redacção do DL 130/94 de 19/5, excluem-se da garantia do seguro quaisquer danos decorrentes de lesões materiais causados ao cônjuge e descendentes entre outras pessoas.

    2) O facto de a exclusão contida no nº 2 alínea d) se limitar à indemnização pelos danos decorrentes de lesões materiais significa que o legislador não terá querido excluir os danos próprios de natureza não patrimonial sofridos pelo cônjuge e filhos do condutor do veículo decorrentes da sua morte consistentes no sofrimento desgosto e tristeza que essa mesma morte lhes provocou.

    3) Este entendimento parece reforçado no confronto com o nº 3 do mesmo artigo 7º onde se exclui especificamente qualquer indemnização ao responsável culposo do acidente por danos não patrimoniais.

    4) Na verdade tendo os AA. direito a serem indemnizados pelos danos não patrimoniais sofridos nos termos do disposto no artigo 496º nº 3 do Código Civil e não estando tal direito de indemnização excluído no artigo 7º do DL 522/85, teremos de concluir que os AA. têm direito a ser indemnizados na qualidade de terceiros que efectivamente são pelos danos próprios sofridos com a morte do seu marido e pai.

    Contra-alegou a Ré DD Seguradora concluindo que os danos sofridos pelo condutor de uma viatura automóvel, designadamente em consequência de acidente que lhe seja imputável a título de culpa não se encontram abrangidos pelo seguro obrigatório de responsabilidade civil a ela respeitante nem, em caso de morte daquele, tal seguro abrange os danos não patrimoniais que desse facto – morte – possa advir para os familiares.

    O MP apresentou parecer no qual concluiu: «No caso de morte do condutor do veículo em acidente de viação causado por culpa exclusiva do mesmo, não se verifica o direito à reparação dos danos não patrimoniais provenientes daquela morte, por parte das pessoas designadas no nº 2 do artigo 496º do Código Civil, ficando prejudicada a subsequente questão respeitante à cobertura de tais danos em vista do disposto no artigo 7º do DL 522/85 de 31 de Dezembro na redacção do DL 130/94 de 19 de Maio”.

    A fls. 78 ss foi formulado pedido de decisão prejudicial, nos termos do artigo 234° CE, apresentado por este Supremo Tribunal de Justiça de Portugal, perante o Tribunal de Justiça da União Europeia, tendo por objecto a interpretação dos artigos 1º, nº 1 e 3º da Segunda Directiva 84/5/CEE do Conselho, de 30 de Dezembro de 1983 e artigo 1º da Terceira Directiva 90/232/CEE do Conselho, de 14 de Maio de 1990, relativas à aproximação das legislações dos Estados Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil relativo à circulação de veículos automóveis.

    Concretamente formulava-se a seguinte questão prejudicial: “Devem os artigos 1º, nº 1 e 3º da 2ª Directiva e o artigo 1º da 3ª Directiva conjugadamente ser interpretados no sentido de que se opõem a que a legislação nacional tenha por excluído o direito à reparação dos danos não patrimoniais dos membros da família do condutor decorrentes da morte do mesmo quando o acidente se tenha ficado a dever a culpa exclusiva dele próprio”? Aquele Tribunal remeteu fotocópias de decisões proferidas em casos semelhantes.

    Perguntou ainda se perante o conteúdo das aludidas decisões, ainda interessava que o Tribunal da União Europeia se pronunciasse especificamente sobre a questão em causa, ao que foi respondido de forma negativa.

    Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

    Sem prejuízo do conhecimento oficioso que em determinadas situações se impõe ao tribunal, o objecto e âmbito do recurso são dados pelas conclusões extraídas das alegações (artigos 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do CPC).

    Nas conclusões, o recorrente – de forma clara e sintética, mas completa – deve resumir os fundamentos de facto e de direito do recurso interposto. Face ao exposto e às conclusões formuladas importa resolver: a) se os danos não patrimoniais sofridos pelos familiares do condutor que veio a falecer em consequência de acidente, que lhe seja imputável a título de culpa, se encontram a coberto do Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil; b) se, a responder-se afirmativamente à questão anterior, deve ser arbitrada indemnização por danos sofridos pelos autores (viúva e filhos) com a morte do condutor EE. II. Fundamentação.

    II.I. De Facto O Tribunal da Relação deu como provados os seguintes, 1.

    1. No dia 19 de Novembro de 2006, cerca das 11.15, na EN nº 211, Km 8,50, Fornos, Marco de Canaveses, ocorreu um embate em que foram intervenientes os veículos ligeiros de passageiros de matrícula ...-CX, conduzido por EE e o de matrícula ...-EH, propriedade e conduzido por FF; 1.

    2. Por contrato de seguro para o efeito celebrado, válido e eficaz na data do acidente, EE havia transferido a responsabilidade civil emergente de circulação rodoviária do veículo ...-CX para a Companhia de Seguros DD Portugal, S.A., aqui Ré, contrato esse titulado pela apólice nº ...; 1.

    3. Por contrato de seguro para o efeito celebrado, válido e eficaz na data do acidente, FF havia transferido a responsabilidade civil emergente de circulação rodoviária do veículo ...-EM para a Companhia de Seguros “GG Seguros”, contrato esse titulado pela apólice nº ...; 1.

    4. Nas circunstâncias de tempo e lugar supra mencionados, o condutor do CX seguia na referida EN, no sentido Soalhães/Porto; 1.

    5. Por sua vez o EM seguia em sentido contrário, ou seja, no sentido Porto/Soalhães; 1.

    6. Ao Km 8,50, na localidade de Fornos, Marco de Canaveses, a via tem duas faixas de rodagem, uma em cada sentido; 1.

    7. O condutor do CX, ao descrever uma curva à sua esquerda, atento o sentido que seguia, perdeu o controlo do veículo e entrou em despiste invadindo a faixa do sentido oposto e foi embater no EM; 1.

    8. A faixa de rodagem da E.N. 211 tinha a largura de cerca de 7,30 metros; 1.

    9. O pavimento era em asfalto e em bom estado de conservação; 1.

    10. No momento do embate o tempo era bom e o pavimento estava seco; 1.

    11. Em resultado directo do embate acima descrito, o condutor do CX, EE, veio a falecer; 1.

    12. EE era casado com BB, aqui Autora, sob o regime da comunhão geral de bens; 1.

    13. Desse casamento nasceram dois filhos CC e AA, aqui Autores; 1.

    14. Os Autores sentiram desgosto com a morte do falecido EE; 1.

    15. O veículo CX foi adquirido na constância do matrimónio entre a Autora BB e o falecido EE; 1.

    16. O falecido EE era um homem digno, sendo o enlevo dos Autores; 1.

    17. Entre o falecido e os Autores existia uma ligação sentimental, sendo forte e recíproca a afeição que mutuamente nutriam; 1.18. Os Autores sentiram a morte do falecido com dor, desgosto e abalo psicológico; 1.

    18. Os Autores eram amigos do falecido EE, estando a ele ligados por laços de afeição, amor e carinho; 1.

    19. O falecido era pessoa forte e saudável e nunca padeceu de qualquer deformidade ou enfermidade.

      II.II. De Direito 1.A primeira questão: Os danos não patrimoniais sofridos pelos familiares do condutor que veio falecer em consequência de acidente que lhe seja imputável a título de culpa encontram-se a coberto do Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil? 2. Como se sabe, o Supremo Tribunal de Justiça não tem dado resposta uniforme à questão formulada, de que são exemplo [2]o acórdão fundamento e o acórdão recorrido em análise no presente recurso. Assim sobre a problemática escreve-se no acórdão fundamento de 08/01/ 2009, Proc. 08B3796, designadamente: «A al. d) do nº 2 do citado art. 7º [do DL 522/85, na redacção do DL 130/94] exclui o cônjuge e descendentes do condutor de serem ressarcidos dos danos sofridos decorrentes de lesões materiais.

      Mas as autoras vêm aqui reclamar o ressarcimento dos danos próprios de natureza não patrimonial que padeceram com a perda de seu marido e pai. Em primeiro lugar, elas não estão a reclamar o ressarcimento de danos emergentes de lesões materiais. E, em segundo, não estão a reclamar a indemnização de qualquer direito que existisse na titularidade das relações jurídicas patrimoniais do seu familiar, condutor do veículo, mas sim de um direito próprio, estranho a esse seu familiar, embora originado na consequência funesta que lhe adveio com o acidente.

      A garantia de seguro já não exclui os danos próprios, de natureza não patrimonial, sofridos pelo cônjuge e filhos do condutor do veículo decorrentes da sua morte, consistentes nos sofrimentos, desgosto e tristeza que essa mesma morte lhes provocou.

      E este entendimento até aparece reforçado no confronto com o nº 3 do mesmo art. 7º onde se exclui especificamente qualquer indemnização...

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